O aumento das temperaturas e a intensificação de eventos climáticos extremos, como queimadas e secas prolongadas, estão impactando diretamente a saúde humana. O aquecimento global intensifica ondas de calor, aumenta a ocorrência de queimadas e compromete a qualidade do ar, favorecendo o surgimento e o agravamento de doenças respiratórias. 

Para especialistas, a primeira conferência climática sediada na Amazônia é uma oportunidade de alertar para a gravidade dos reflexos das mudanças climáticas na saúde respiratória. Em carta enviada ao presidente da COP30, embaixador André Corrêa do Lago, a Associação Brasileira de Alergia e Imunologia (Asbai) manifestou preocupação com os efeitos negativos que o aquecimento global, as mudanças climáticas e a poluição provocam na saúde da população, agravando doenças alérgicas e respiratórias.

De acordo com a entidade, o aumento das temperaturas, a poluição e a instabilidade climática têm provocado um crescimento expressivo nas crises de rinite, sinusite e asma.

Esse é um assunto que nos preocupa de longa data, porque nós sabemos que as doenças que tratamos aqui no campo da alergia e da imunologia sofrem um impacto muito considerado das mudanças climáticas e da alteração do meio ambiente. Sabemos que essas doenças têm um caráter genético, que é hereditário de família a família, mas a genética não é suficiente para desencadear todo esse arsenal de doenças“, destacou nesta quinta-feira (6), em entrevista à Agência Brasil, a presidente da Asbai, Fátima Rodrigues Fernandes.

Asma, DPOC, rinite alérgica, conjuntivite e dermatite atópica

A médica disse que é importante considerar que os fatores ambientais, as mudanças climáticas, o aquecimento global, o aumento da poluição vão acarretar alteração das defesas, levando a uma inflação das mucosas respiratórias e da pele também, facilitando a reação inflamatória que caracteriza doenças como a asma, por exemplo.

Fátima Rodrigues Fernandes ressaltou que o mais triste de tudo é que a fumaça dos incêndios vai prejudicar, principalmente, as crianças pequenas, os idosos, as gestantes e, também, aquelas comunidades com menos recursos, onde qualquer alteração climática vai ter um peso muito maior, considerando ainda o peso que isso vai ter nos pacientes com doenças respiratórias, entre as quais asma e doença pulmonar obstrutiva crônica, que é o enfisema.

Todos esses pacientes vão sofrer muito mais com esse clima tão alterado que a gente está tendo nos últimos tempos”.

Outras doenças que podem ter incidência impactada pelas mudanças do clima e a poluição são a rinite alérgica, que chega a 30% de pacientes da população do Brasil, conjuntivite e dermatite atópica, uma inflamação na pele. Fátima esclareceu que essas alterações que levam ao crescimento da poluição aumentam também a quantidade de material particulado no ar, sólido, e ainda ao aumento de gases, como dióxido de carbono, ou CO2.

Junto com aquecimento ou essas catástrofes climáticas que a gente tem observado, em tempos recentes, como a tragédia do Rio Grande do Sul (enchentes em abril de 2024), tudo isso aumenta a formação de alérgenos, tanto pólens, quanto fungos, e mesmo a proliferação de ácaros, que são fatores condicionantes dessas doenças também”, afirmou. Alérgenos são substâncias que causam uma resposta exagerada do sistema imunológico em pessoas sensíveis, resultando em alergia.

Otorrinolaringologistas alertam sobre vilões da saúde respiratória

O problema também preocupa os médicos otorrinolaringologistas. De acordo com  Roberta Pilla, membro da ABORL-CCF (Associação Brasileira de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico-Facial). os principais vilões são a poluição, o ar seco, o calor intenso, as mudanças bruscas de temperatura e as queimadas.

Esses fatores irritam a mucosa respiratória, o nariz, a faringe e os pulmões deixando-a inflamada e mais sensível”, explica a otorrinolaringologista.

A médica observa que o clima instável também altera o comportamento dos alérgenos, como fungos, ácaros e pólens. “O calor e a umidade ajudam fungos e ácaros a se multiplicarem, enquanto a poluição danifica a mucosa do nariz, que é uma das principais barreiras naturais de defesa”, completa.

Hoje, as crises são mais longas e intensas, com menos intervalos de pausa. Antes, elas se concentravam no inverno; agora, surgem em várias épocas do ano, inclusive no calor”, destaca a Dra. Roberta Pilla. “Cuidar da saúde do nariz e das vias respiratórias nunca foi tão importante.”

Para a otorrinolaringologista Maura Neves, da USP, as mudanças climáticas têm um impacto direto sobre o sistema respiratório e já estão alterando o padrão das doenças alérgicas. “O que mais pesa hoje é a combinação entre calor intenso, poluição crescente e instabilidade do clima. O ar mais quente favorece a circulação de alérgenos e irritantes, enquanto a poluição fragmenta os pólens, tornando-os menores e mais agressivos”, explica.

Segundo a especialista, o problema vai além da saúde individual: exige ações de saúde pública. “Controle da poluição, combate efetivo às queimadas e ampliação de áreas verdes nas cidades são medidas urgentes. Também precisamos de campanhas educativas que mostrem como o clima interfere na saúde respiratória e ensinem práticas preventivas, como a lavagem nasal”, reforça.

As doenças respiratórias são um dos termômetros das mudanças climáticas. E o que já vemos hoje é preocupante: crises mais longas, intensas e menos sazonais. A saúde do planeta e a nossa respiração estão intimamente ligadas”, conclui a Dra. Maura Neves.

Mudanças climáticas também agravam doenças infecciosas

Infectologista destaca que a COP 30 é oportunidade para integrar políticas de clima e saúde

A médica infectologista Tânia Marcial, professora de Práticas Médicas do SUS na Faseh, diz que as secas e o calor extremo também concentram alérgenos, ampliando crises respiratórias e impactando especialmente populações vulneráveis.

Partículas finas suspensas no ar, formadas pela combustão incompleta de biomassa, veículos, indústrias e queimadas, além do ozônio e do gás carbônico, causam doenças respiratórias e pioram quadros em pessoas com asma e DPOC (Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica), por exemplo”.

Do ponto de vista das doenças infecciosas, a médica alerta para mudanças na ecologia de vetores, que favorecem a proliferação de mosquitos transmissores de dengue, Zika, Chikungunya e malária. “Eventos de enchente após períodos de seca também facilitam surtos de leptospirose, diarreias e hepatite A”, afirma a infectologista Tânia Marcial.

Para a especialista, é fundamental adotar uma visão integrada da saúde, conforme propõe o conceito de Saúde Única (One Health), abordagem que reconhece a interdependência entre a saúde humana, animal e ambiental.

Saúde não significa apenas ausência de doença. Está relacionada à qualidade de vida e ao bem-estar. Saúde Única é mais do que um conceito, é uma forma de pensar e agir em rede, buscando equilíbrio ecológico como base para o bem-estar humano”, ressalta.

A professora destaca ainda que a COP 30, representa uma oportunidade histórica para colocar em prática políticas integradas entre clima e saúde. “A COP 30 pode ser um marco global na implementação dessa abordagem. É urgente que a humanidade desperte para essa questão, pois nosso planeta está doente. Consequentemente, os animais e os humanos sofrerão ao longo do tempo”, finaliza.

Poluição plástica pode causar alergia alimentar ou intolerância alimentar

Outra preocupação da Asbai é com a poluição plástica, ou pela contaminação por microplásticos, que atingem diversos tecidos e órgãos dos seres vivos. “Realmente, essa é outra questão que está afligindo muito a comunidade científica na área da saúde, onde a gente sabe que o Brasil é o quarto maior produtor de plástico no mundo, com dezenas de toneladas soltas no nosso meio ambiente que não são descartadas de uma maneira correta e que contaminam água, oceanos e que até a gente acaba ingerindo”.

A presidente da Asbai comentou que através da água que se bebe, do contato que a pessoa tem com produtos de plástico, é sabido que esses microplásticos também vão atuar no sistema imunológico e na saúde da população, deturpando muito a saúde.

Hoje em dia a gente vê, por exemplo, muitos casos de alergia alimentar ou intolerância alimentar que estão atribuídos à alteração da nossa mucosa gastrointestinal, aumento da permeabilidade dessa mucosa, levando a inflamações que conturbam muito a qualidade de vida dos pacientes que têm uma alergia alimentar”.

O que é dramático e que a gente também tem que mencionar, é que, além de tudo, quando se está diante de uma emergência climática, de uma catástrofe, como a gente tem presenciado aqui em São Paulo, no Centro-Oeste, no Rio Grande do Sul, o acesso aos cuidados de saúde para quem tem doenças crônicas, como a asma, fica muito prejudicado”.

São pacientes que precisam de tratamento contínuo e acabam não tendo esse acesso permitido, o que leva à piora da doença e mais emergências, crises e até óbitos, sem considerar também que as doenças, de uma maneira geral, têm um impacto muito grande na saúde emocional das pessoas.

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Tratado Global contra a Poluição Plástica

A presidente da Asbai lembrou, ainda, que toda vez que se está diante de uma situação calamitosa, tanto os pacientes, como os próprios profissionais da saúde sofrem um estresse muito grande pela incapacidade de enfrentar situações limítrofes, como são essas emergências.

Fátima Fernandes acredita que todas essas questões devem ser motivo de preocupação, de discussão e, sobretudo, de formulação de políticas que visem conter a evolução dessas alterações climáticas, da evolução do aquecimento global e de todos esses agravos à saúde da população.

A Asbai espera que, durante a COP30 sejam retomadas as negociações do Tratado Global contra a Poluição Plástica, de 2022, para diminuir esse tipo de poluição. “Sem dúvida, esse é um ponto crucial e temos que ser signatários e usuários desse tratado. Temos que aplicar na vida real todos esses cuidados necessários para proteção da nossa saúde”.

Ela diz esperar que a COP30 seja uma oportunidade de que ações no sentido de diminuir os efeitos da poluição e do aquecimento global sobre a saúde da população possam ser efetivadas.

Essa é a real expectativa de toda a comunidade científica e dos profissionais da saúde, de que o resultado dessa COP realmente seja aplicável como comprometimento dos diferentes países que participam dessa celebração, no sentido de aplicar essas condutas emergenciais até para o controle dessas alterações que nós estamos vivendo no meio ambiente”.

COP30: mudanças climáticas já agravam rinite, sinusite e asma, alertam especialistas

Calor intenso, poluição e queimadas estão prolongando as crises alérgicas e respiratórias em todo o Brasil. Segundo otorrinolaringologistas, o impacto das mudanças climáticas já é sentido nos consultórios e exige ações urgentes de prevenção e políticas públicas

Na carta, a Asbai menciona estudo do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), segundo o qual um aumento considerável de 60% na incidência de incêndios, por exemplo, como ocorrido na Região Norte do país, espalha essa fumaça por todo o país e até mesmo para países vizinhos, levando ao aumento da poluição atmosférica e das doenças respiratórias.

De norte a sul, os gatilhos variam, mas o resultado é o mesmo: mais crises e desconforto respiratório.

-Norte e Centro-Oeste: queimadas e fumaça são os principais agravantes.

-Sudeste e Sul: poluição e frio ressecam o ar e irritam as vias respiratórias.

-Nordeste: calor extremo e ar seco favorecem crises prolongadas.

Como se proteger das mudanças climáticas

-Fazer lavagem nasal diária com soro fisiológico para remover poluentes.

-Manter-se hidratado e usar umidificadores ou bacias com água nos dias de ar seco.

-Evitar ambientes com fumaça, mofo e poeira.

-Reduzir o uso contínuo de ar-condicionado e evitar choques de temperatura.

-Ventilar os ambientes e, quando possível, plantar árvores ou manter áreas verdes ao redor de casa.

 

Agenda Positiva

Congresso de Alergia e Imunologia

O impacto das mudanças climáticas na saúde respiratória e nas alergias também é a temática principal do 52º Congresso de Alergia e Imunologia que a Associação Brasileira de Alergia e Imunologia (Asbai) realiza no período de 13 a 16 deste mês, em Goiânia, coincidindo com a semana da COP30. Cerca de 200 especialistas nacionais e internacionais participarão da programação.

O evento inclui entidades globais da especialidade, como a World Allergy Organization (WAO), American Academy of Allergy, Asthma & Immunology (AAAAI), European Academy of Allergy and Clinical Immunology (EAACI), Sociedad Latinoamericana de Alergia, Asma e Inmunología(SLAAI) e Sociedade Portuguesa de Alergologia e Imunologia Clínica (SPAIC).

Da Agência Brasil e Faseh

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