Com o aumento das doenças crônicas não transmissíveis e da obesidade infantil — o Atlas Mundial da Obesidade 2024 projeta que até 2035, cerca de 50% dos brasileiros de 5 a 19 anos poderão estar acima do peso — especialistas defendem a escola como espaço estratégico na formação de hábitos alimentares saudáveis desde a infância.

Na última sexta (30), o Ministério da Educação divulgou uma Nota Técnica sobre a inclusão da Educação Alimentar e Nutricional no currículo Pedagógico das escolas em vários níveis. A iniciativa reforça que a formação de hábitos saudáveis deve ser parte integrante do processo educacional.

Neste sentido, a professora e pesquisadora do Centro Universitário São Camilo, Ana Paula Mello, acredita que a conscientização da comunidade escolar irá estimular práticas que valorizem a alimentação como direito e componente fundamental para o desenvolvimento pleno das crianças e dos adolescentes.

A especialista da educação reforça o papel da escola como espaço de escuta e acolhimento, especialmente quando o prato das crianças começa a refletir sinais de desequilíbrio emocional. Nesse contexto, o papel da escola se torna essencial. Professores, pedagogos e demais educadores estão entre os primeiros a perceber mudanças de comportamento, recusas alimentares, repetições ou excessos que podem sinalizar algo além do paladar.

Segundo a professora e pesquisadora, a obesidade infantil é reconhecida como um grave problema de saúde pública, com riscos tão complexos quanto os observados na fase adulta, incluindo possíveis agravamentos psicológicos e físicos, em especial déficits de estatura em referência à idade, cujos efeitos podem se estender por toda a vida.

Para levar o conhecimento sobre alimentação equilibrada no ambiente escolar, para combater a obesidade infantil, foi criado um programa inovador liderado pelas docentes e pesquisadoras Ana Paula de Queiroz Mello, do Centro Universitário São Camilo, e Nágila Raquel Teixeira Damasceno, da Faculdade de Saúde Pública da USP, que têm se destacado na formação de integrantes da comunidade escolar que envolve desde agentes de organização escolar, merendeiras, professores, coordenadores, supervisores até diretores.

Com criatividade e dedicação o programa demonstra como a educação pode ir além das salas de aula, alcançando resultados positivos.

A iniciativa passou a ter o intuito de incentivar a alimentação saudável entre estudantes do Ensino Básico e do Ensino Fundamental das escolas públicas vinculadas à Secretaria de Educação de São Paulo, por meio do Programa de Educação Alimentar (PEDUCA), que integra Ciência, Escola e Saúde e que oferece curso de formação a todos os servidores.

“A abordagem da alimentação, considerando não apenas os aspectos biológicos, mas também os culturais, sociais e ambientais, além de integrar a Educação Alimentar e Nutricional de forma estruturada, contínua e inserida nas disciplinas regulares no ano letivo, é essencial para conscientizar e empoderar os estudantes a fazerem escolhas alimentares mais saudáveis”, afirmou a professora Ana Paula Mello.

Educar para Nutrir na prática dentro das escolas

Um exemplo claro do impacto da iniciativa vem da Escola Benedito Lázaro, em Itu (SP). Segundo o vice-diretor, Fabiano Vasconcelos Vieira, a transformação do cardápio escolar, saindo do tradicional macarrão com salsicha para refeições mais nutritivas, fez toda a diferença. “A alimentação anterior era pobre e havia pouco interesse dos alunos pela comida. Antes servíamos apenas 300 pratos e depois da modificação do cardápio passamos a oferecer mais de 700 pratos nos dois turnos. Percebi que os alunos passaram a procurar saber o que seria servido na merenda. Antes não tinham vontade de comer na escola e agora repetem as refeições”, disse o gestor.

Vieira explicou que na área pedagógica foi feita uma horta com os alunos do oitavo ano e, durante as disciplinas de Ciências, Química e Biologia, passou-se a falar sobre a composição dos alimentos, a tabela nutricional e a importância da nutrição para o nosso corpo, além de distúrbios alimentares. “Foi um programa muito rico que incentivou os alunos a procurar a merenda escolar”.

Na EMEI Antônio Lapenna, na Vila São Silvestre, Zona Leste da capital paulista, a professora Edineide Gomes leva o conhecimento adquirido no PEDUCA para os pequenos de 4 a 6 anos. Com duas refeições diárias, ela enfrenta o desafio de apresentar alimentos essenciais que frequentemente não estão presentes na dieta das crianças fora da escola. “A facilidade dos ultraprocessados está impactando a saúde deles. Temos crianças com carências nutricionais e, ao mesmo tempo, aumento preocupante da obesidade infantil”, afirmou.

Para estimular a alimentação mais saudável, Edineide inicia debates sobre hábitos alimentares simples. “Perguntamos: O que você gosta de comer? Com seus pais, você vai à feira ou ao supermercado? Sabe de onde vêm os alimentos? Essa abordagem tem resgatado a história alimentar dos povos originários e contextualizado a realidade alimentar do Brasil, promovendo conhecimento sobre o ciclo dos alimentos, desde a semente até a mesa”, explica. A professora ressalta que, com o tempo, notou-se aumento no consumo das refeições e redução no desperdício. “As crianças agora se preocupam mais em comer para crescer e ter energia para brincar”, concluiu.

Escolas são aliadas na escuta das emoções que pesam no prato

Comer pela falta: o que a escola vê que nem sempre a família percebe

No ambiente escolar, onde a infância se expressa em gestos, palavras soltas e pequenos silêncios, a alimentação revela mais do que preferências: ela anuncia emoções.   Com o aumento preocupante dos índices de obesidade infantil no Brasil, cresce também a responsabilidade de famílias e educadores em observar e compreender o que de fato está por trás do excesso de peso.

Pesquisas recentes apontam que o cérebro, diante de situações de estresse, solidão ou insegurança, ativa mecanismos de busca por prazer imediato, o que explica a tendência ao consumo de alimentos ultraprocessados e calóricos.

Essa relação emocional com a comida, quando não reconhecida ou acolhida, pode desencadear padrões difíceis de romper,  Em muitos casos, a criança não está apenas comendo em excesso, mas comendo pela falta de rotina, de presença afetiva, de segurança emocional””, alerta Dayse Campos, diretora da escola Interpares – PR. 

 Deyse conta que na prática, a escola é, muitas vezes, a primeira a ouvir a fome emocional da criança, aquela que não aparece nos exames, mas se mostra nas atitudes. Na escola Interpares, a exibição do documentário Muito Além do Peso (2012), de Estela Renner, motivou reflexões profundas entre os professores sobre o papel da mídia e da indústria alimentícia nas escolhas alimentares infantis.

O filme revelou como a publicidade voltada às crianças contribui diretamente para o aumento do consumo de alimentos ultraprocessados, ao mesmo tempo em que limita o acesso a informações e experiências com alimentos saudáveis”, reflete Dayse.

Os educadores também destacaram o agravamento do fenômeno conhecido como “fome oculta” quando há excesso de calorias, mas ausência de nutrientes essenciais. Trata-se de uma realidade cada vez mais presente nas escolas brasileiras, onde crianças com peso aparentemente adequado apresentam sinais claros de carência nutricional.

Mais do que ensinar sobre alimentação, a nossa missão é promover vínculos entre a criança e seu corpo, entre o que se sente e o que se come, entre a escola e a família. Porque combater a obesidade infantil exige mais do que informação nutricional, exige escuta, empatia e compromisso coletivo”, finaliza a diretora.

O papel das escolas na alimentação saudável

As escolas desempenham papel crucial na formação de hábitos saudáveis ao oferecer refeições equilibradas, promover o contato com alimentos naturais e integrar a alimentação ao currículo. A presença de profissionais qualificados e o uso de materiais visuais e interativos ajudam a transmitir a mensagem de que comer bem é parte do processo de aprender e crescer com saúde.

Cynthia Howlett, nutricionista e coordenadora de projetos da Sanutrin, especializada em refeições escolares aposta nesse papel educativo. Com iniciativas como essas, o refeitório deixa de ser apenas um espaço funcional e se transforma em ambiente pedagógico — onde as crianças aprendem com o prato, com o paladar e com a convivência”, diz

Com formação em Nutrição Esportiva, Psiconutrição e Gastronomia Funcional, além de experiência em comunicação, Cynthia desenvolve receitas e conteúdos educativos que estimulam a autonomia alimentar e reduzem a resistência a novos alimentos — desafios comuns na infância e adolescência.

Atuando em diversas regiões do país, desenvolve soluções que unem alimentação saudável, educação nutricional, sustentabilidade e personalização — respeitando culturas e restrições de cada comunidade.  Ela destaca a responsabilidade envolvida em sua função: “Tenho o mesmo cuidado que tenho com meus filhos.

Com Assessorias

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