Venho acompanhando os impactos positivos e negativos desse tal emaranhado em que nós todos estamos enredados. No começo, havia quem defendesse com unhas e garras a maravilha que seria esse universo online democrático. Sem querer ou não, difícil hoje alguém escapar dos tentáculos da internet. O problema é que, depois que as Big Techs – leia-se Google, Amazon, Meta etc. – começaram a mandar no mundo (sim, esse não é um problema só do Brasil), o ambiente virtual piorou. E muito. Sem falar nos golpes e nas mentiras que circulam livremente.
Eis que me deparo com matéria na Folha de S.Paulo de 18 de outubro, com o título: “Manifesto contra a “merdificação” da internet mostra como as Big Techs pioraram a vida dos usuários”. O texto tratava do lançamento recentemente nos Estados Unidos do livro “Enshittification: Why Everything Suddenly Got Worse and What to Do About It”, do canadense Cory Doctorow. Ele foi o responsável por difundir esse termo esdrúxulo, mas que sintetiza o momento de quem depende dos serviços dessas grandes empresas.
Com mecanismos cada vez mais sofisticados, hoje essas empresas fazem tudo, qualquer coisa por dinheiro. Tenho visto vários estudos que mostram o quanto difundem informações falsas, a desinformação, e estão colaborando para que o mundo fique cada vez mais burro. Sim, sem regulamentação, estamos sem faca, sem queijo, sem salamito na mão. Tudo está nas mãos deles, que, pra piorar o contexto, estão fortalecendo aqueles que eu achava que tinham morrido, como os nazistas, os fascistas e tudo mais que pode deixar o contexto pior do que já está.
Como exemplo, Doctorow cita o sistema de buscas do Google, que não considera os assuntos mais relevantes ou mais acessados, e sim só quem paga para anunciar. Ainda menciona o quanto ficou impossível de se acompanhar o ex-Twitter, depois da transformação em X pelo Elon Musk. Quem não paga para ser visto, não aparece. Isso é como um ciclo interminável, que só tende a engordar os bolsos dos donos dessas megaempresas.
‘Comprei na Shoppe’
Esses dias li um apelo num anúncio desses pequenos backlights, que agora estão espalhados pelas principais ruas de Porto Alegre, que me fez refletir. A publicidade era do Sebrae, pedindo para que valorizássemos o comércio local.
Já pensaram no que significa comprar dessas megaempresas com coisas da China? Isso me tocou profundamente, pois todos nós somos seduzidos a comprar qualquer coisa com um preço incomparável em relação ao que é produzido aqui, que paga impostos e um salário minimamente decente a quem produz.
Isso é um problema de todos. Esses dias elogiei a blusa de uma amiga e ela me disse: “Ah, sei que não foi certo, de minha parte, mas comprei na Shopee.” Sim, esse mercado globalizado tem vantagens e desvantagens. Para o comprador, pode ser um baita negócio, mas, para a coletividade, é um tremendo problema.
O complicado é que nós compramos pensando só no curto prazo, a qualidade pouco importa, pois, se logo virar lixo, quem vai ter que se virar para dar uma solução será o poder público.
As casas-caixão de Hong Kong
Sem falar das tais bets, a internet está infestada de possibilidades de jogo. E aparece todo tipo de anúncio para quem se nega a pagar para ter aulas no Duolingo ou outro aplicativo de aprendizado. Coisas desse sistema necrocapitalista que aprofunda ainda mais as disparidades sociais e econômicas.
Aliás, se você não viu ou não ficou sabendo das casas-caixão de Hong Kong, vale conferir para onde está caminhando a nossa civilização baseada apenas no lucro a qualquer preço.
Esse contexto serve de cenário para agravar um problema grave: o enfraquecimento da confiança. Em quem devemos acreditar? Essas empresas aceitam qualquer tipo de anúncio.
Creme que faz ruga desaparecer
Esses dias me deparei com um creme que, em menos de um minuto, tirava todas as rugas do rosto. Num passe de mágica, desapareceram de uma senhora o bigode chinês, as olheiras e as linhas de expressão. Rejuveneceu uns 40 anos. E não foi só um desse tipo, pelo menos uns três. Manipulação braba, talvez com Inteligência (ou seria Indecência) Artificial. E há quem caia nessas armadilhas.
É bom lembrar que ainda temos um Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária, que já conseguiu tirar propagandas do ar. Esse conjunto de normas éticas para a publicidade no Brasil, criado em 1978 e supervisionado pelo Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (Conar), procura garantir que a publicidade respeite a dignidade humana, a honestidade, a verdade, e não explore a confiança do consumidor ou promova atividades criminosas.
Mas como as Big Techs, que conseguem fechar contratos milionários com governos, não se sujeitam à regulamentação – com um forte lobby no Congresso Nacional etc. –, quem pode deter esse tsunami de absurdos que pega gente de todas as classes sociais?
*Reproduzido integralmente do site Sler




