A paralisia cerebral (PC) é a deficiência motora mais comum diagnosticada na infância, afetando cerca de 18 milhões de pessoas no mundo, sendo ao menos 500 mil no Brasil. Dados da World Cerebral Palsy Guide revelam a gravidade da condição: uma em cada quatro crianças com  PC não consegue falar, uma a cada três não anda e aproximadamente 50% também apresentam deficiência intelectual.

Morador da cidade de Nova Itarana, no sudoeste da Bahia, Rafael Sousa, de 25 anos, contrariou todos os prognósticos médicos de que as limitações impostas pela paralisia cerebral tornarriam a leitura uma habilidade impossível. Não só ele aprendeu a ler, como virou escritor e lançou o livro “O Diário de Rafael”, um relato da história de superação do “menino desacreditado que virou escritor!”.

Quando recebi o diagnóstico de paralisia cerebral, o mundo ao meu redor parecia ter definido meus limites antes mesmo de eu começar a viver. Disseram que eu teria dificuldades para aprender, que não seria capaz de conquistar independência, que meu futuro seria marcado por barreiras. Mas eu escolhi não aceitar essas previsões como sentença, O que parecia uma fraqueza, transformei em força“, disse o jovem escritor ao Portal Vida e Ação, em entrevista por whatsapp.

A inspiradora história de Rafael chama atenção neste Dia Mundial da Paralisia Cerebral (6 de outubro), que visa conscientizar a população sobre esta condição, ajudando a reduzir o preconceito com as pessoas que vivem com essa condição.

No Brasil, a fachada do Congresso Nacional será iluminada de verde nesta segunda (6) e terça-feira (7) em alusão à data, criada em 2012 pelo movimento Cerebral Palsy Alliance para promover a luta por direitos e oportunidades para pessoas com a deficiência.

Diagnóstico de Rafael demorou mais de 10 anos

Um levantamento do Registro Brasileiro de Paralisia Cerebral (RB-PC) com dados coletados entre 2024 e 2025 destaca a realidade da condição no Brasil. Anualmente, cerca de 8 mil bebês e entre 1.200 e 1.500 crianças em idade pré-escolar recebem o diagnóstico. Os dados confirmam tendências globais e apontam que o tipo mais frequente é o espástico, presente em 74,9% dos casos, índice alinhado à média internacional que gira em torno de 80%.

O estudo também revela que até 90% dos casos têm origem durante a gestação ou no período neonatal. Entre os participantes da pesquisa, 50,3% nasceram prematuramente, e 71,6% das lesões cerebrais ocorreram antes do nascimento ou nos primeiros 28 dias de vida.

Os dados do RB-PC reforçam a urgência do diagnóstico precoce. Outro dado que acende um alerta é o atraso no diagnóstico: 33,6% das pessoas com paralisia cerebral no Brasil só receberam confirmação da condição após completarem um ano de idade. No caso de Rafael, o diagnóstico definitivo só veio depois dos 10 anos.

Quando ele nasceu, ele tinha paralisia cerebral e eu não sabia. Comecei a levar para os médicos e eles não me diziam nada. Até que o levei para um hospital de Salvador, e fiquei 10 anos ainda levando, para ver a evolução. Mas chegou um dia que os médicos falaram: ‘Mãe, ele vai depender muito de você na vida'”, afirmou  a mãe do jovem, Rosângela Sousa, em entrevista à TV Sudoeste.

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Importância do diagnóstico precoce: como identificar os sinais

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O neurologista da Afya Educação Médica de Belo Horizonte, Philipe Marques Cunha, comenta que o diagnóstico precoce é fundamental porque permite a intervenção imediata com terapias que estimulam o desenvolvimento motor, melhoram a funcionalidade e minimizam sequelas, favorecendo uma melhor qualidade de vida.

O diagnóstico é clínico e envolve a avaliação do desenvolvimento motor e do tônus muscular da criança, complementado por exames de imagem cerebral, como ressonância magnética ou tomografia.”

Nos primeiros meses, sinais incluem dificuldade para sustentar a cabeça, atraso no desenvolvimento do controle postural, tônus muscular anormal (muito rígido ou muito flácido), movimentos assimétricos e irritabilidade ou fraqueza incomum”, conclui o neurologista.

‘Foi um milagre de Deus aprender a ler e escrever’

Rosângela Souza conta que a previsão de que seu filho estava condenado ao analfabetismo veio após uma série de testes e exames que identificaram a condição. Para Rafael, ter desenvolvido habilidades como ler e escrever foi um verdadeiro milagre.

Eu não tenho vergonha de dizer que foi milagre de Deus eu aprender a ler, escrever, andar com cadeira de rodas, vencer preconceitos e hoje estar aqui contando minha história. Minha mãe, sempre de mãos dadas comigo, me ensinou que a oração tem poder, e que quando tudo falha, Deus entra em cena e faz o impossível acontecer”, afirmou, em entrevista ao g1.

O que era inicialmente um diário pessoal, contendo relatos sobre as dificuldades e conquistas na sua jornada com PC, virou livro. “Transformar o diário em livro foi como dizer ao mundo: ‘Olha, eu estou aqui. Eu venci. E você também pode'”.

Leitura também para quem não convive com a condição

Mais do que isso, o livro virou um instrumento para Rafael poder ajudar outras pessoas com a mesma condição. Ele conta que viu no livro a possibilidade de inspirar outras pessoas que receberam o mesmo diagnóstico, divulgando a sua história de superação.

Para o lançamento da obra, Rafael contou com apoio da Lei Paulo Gustavo, criada após a morte do ator e humorista por Covid-19 durante a pandemia. O livro foi lançado em maio deste ano e tem chamado a atenção da imprensa e também de escolas na Bahia, que vêm convidando Rafael para contar a sua história.

Para o psicólogo Fabrício Souza, a obra é importante não só para as pessoas com deficiência, mas também para quem não convive com essa realidade. “A partir do momento que as pessoas têm contato com os escritos e as obras de pessoas com deficiência, elas começam a perceber um sujeito de existência, uma pessoa que tem sua vida, sua autonomia, e que não se resume a sua deficiência”, afirmou.

Confira o relato emocionante de Rafael ao Vida e Ação

‘Eu escolhi não aceitar essas previsões como sentença’

Por Rafael Souza*

Muitos disseram que eu não conseguiria. Quando recebi o diagnóstico de paralisia cerebral, o mundo ao meu redor parecia ter definido meus limites antes mesmo de eu começar a viver. Disseram que eu teria dificuldades para aprender, que não seria capaz de conquistar independência, que meu futuro seria marcado por barreiras. Mas eu escolhi não aceitar essas previsões como sentença

O que parecia uma fraqueza, transformei em força. Cada obstáculo que surgia no meu caminho se tornou combustível para a minha determinação. Onde muitos viam impossibilidade, eu vi a chance de provar que a vida é maior do que qualquer limitação. Com apoio da minha família, dos amigos e, principalmente, com fé em Deus, aprendi a acreditar em mim mesmo.

Descobri que a superação não não está em negar as dificuldades, mas em enfrentá-las com coragem. Se disseram que eu não aprenderia, eu aprendi. Se disseram que eu não teria voz, hoje sou escritor, palestrante e inspiração para outros.

A paralisia cerebral não me definiu. O que me define é a minha resiliência, a minha alegria e a minha vontade de viver intensamente. Cada conquista que tenho não é apenas minha, mas também de todos que acreditam que os limites existem apenas para serem desafiados.

Hoje, olho para trás e percebo que não venci a paralisia cerebral. Eu venci o preconceito, a dúvida e a descrença. E sigo vencendo todos os dias, com sorriso, propósito e fé. Meu próximo sonho é viajar pelo Brasil levando palestras e compartilhando tudo o que Deus tem feito na minha vida. 

Eu sei de onde vim, sei dos desafios que enfrentei e, acima de tudo, sei que cada vitória foi um milagre. Hoje, quero usar minha voz e minha história para mostrar que nada é impossível quando a gente acredita e segue firme no propósito. Se antes disseram que eu teria limites, hoje eu mostro que minha fé não conhece barreiras. E eu sigo sonhando alto, porque sei que quem sonha com Deus nunca caminha sozinho.

*Rafael Souza, de 25, diagnosticado aos 10 com paralisia cerebral, é autor do livro ‘O Diário de Rafael’

Saiba mais sobre a paralisia cerebral

Maioria dos casos ocorre na gestação, nascimento ou pós-parto

Neurologista reforça a importância do diagnóstico precoce e alerta para fatores de risco como prematuridade e baixo peso ao nascer

A paralisia cerebral é  caracterizada por alterações neurológicas permanentes que afetam o desenvolvimento motor e cognitivo da pessoa, envolvendo o movimento e a postura do corpo. Essas alterações ocorrem em razão de lesão no cérebro em desenvolvimento, que pode ocorrer durante a gestação, no nascimento ou no período neonatal.

Paralisia cerebral é um grupo de distúrbios que afetam o movimento e a postura, causados por lesões ou anormalidades no cérebro em desenvolvimento, geralmente antes, durante ou logo após o nascimento. A condição não tem cura, mas há tratamentos que permitem aos pacientes uma vida mais plena e ativa“, esclarece o neurologista.

O tratamento deve ser feito por toda a vida e pode incluir remédios, cirurgia, fisioterapia e terapia ocupacional. “Essa condição é permanente, mas na maioria dos casos não progressiva, e compromete o controle motor, podendo impactar o desenvolvimento global da criança. Os sinais e sintomas aparecem na infância e podem variar bastante por pessoa”.

Uma das principais causas da lesão é a hipóxia — falta de oxigenação no cérebro — durante o parto. Também podem provocar a paralisia cerebral: anormalidades da placenta ou do cordão umbilical, infecções, diabetes, hipertensão (eclâmpsia), desnutrição, uso de drogas e álcool durante a gravidez, traumas no momento do parto, hemorragia, hipoglicemia do feto, problemas genéticos e prematuridade.

A prematuridade e o baixo peso ao nascer são fatores que aumentam o risco, porque os cérebros dessas crianças são mais vulneráveis a lesões devido à imaturidade dos sistemas vascular e nervoso. As complicações no parto podem levar a quadros de hipóxia e  isquemia cerebral”, complementa o especialista.

Com informações do G1

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