O alerta ostensivo da comunidade médica a população em geral pelo combate ao novo coronavírus impõe um zelo extra às pessoas em situação de risco: idosos, portadores de doenças crônicas e com imunidade baixa. Com mais de 625 mil novos casos no Brasil apenas em 2020, o câncer não só é considerado em sua cronicidade, mas envolve tratamentos que fragilizam o sistema imunológico do paciente para combater a doença.
O que esse momento de grande exposição das fragilidades do nosso sistema de saúde também revela é que esse grupo de pessoas já conta com alternativas terapêuticas que funcionam por alvo, com menos efeitos colaterais e podem ser administrados em casa, como um comprimido. Mas o que falta para que os pacientes oncológicos tenham acesso e possam evitar o risco de contágio ao novo coronavírus?
“Apesar de não ser amplamente difundidos, os tratamentos orais anticâncer representam a maioria dos medicamentos para a doença e, em 2013, celebramos a conquista da lei 12.880/2013, que aprovou a cobertura dessa via terapêutica na saúde suplementar. No entanto, nos últimos anos, temos lutado para que esse acesso seja ampliado, pois hoje sua avaliação de inclusão ou não a lista de medicamentos cobertos pelo plano é periódica – podendo levar até três anos entre o registro na Anvisa e a mão do paciente”, explica Rafael Kaliks, diretor da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica (SBOC).
Um levantamento recente indica que de 32 novas substâncias ativas contra câncer disponíveis no Brasil aprovadas entre 2013 e 2017, apenas cinco foram incorporadas pelos planos de saúde em 2018, quando a última atualização do rol da ANS (Agência Nacional da Saúde Suplementar) passou a vigorar.
As discussões entre os órgãos técnicos do governo e as sociedades médica e civil passam tanto pelo impacto devastador na vida desses pacientes por terem de esperar mais de dois anos para ter acesso a essas medicações mais novas, quanto pelo impacto econômico para as operadoras e o estabelecimento de critérios para as incorporações.
Segundo a SBOC, ainda que haja projetos de lei em tramitação no Congresso, são propostas que trazem uma solução imediatista, sem pensar na sustentabilidade do sistema e no protocolo clínico. “Tão importante quanto a incorporação de uma nova tecnologia é a definição de critérios para guiar quais medicamentos são essenciais e quais não agregam no desfecho clínico. Esse é o ponto de partida para que a sustentabilidade do sistema, seja no público ou no provado, seja garantida no longo prazo”, defende a Dra. Clarissa Mathias, presidente da SBOC.
A SBOC reforça seu compromisso de promover avanços no acesso a tratamentos com benefícios clínicos claros e de apoiar na construção de critérios para aprimorar os processos do sistema. “Nossos esforços estão direcionados de duas formas: garantir que o próximo rol da ANS seja o melhor possível, a partir priorização de incorporações e a substituição de tecnologias ultrapassadas ou sem benefícios clínicos para os pacientes; e, na paralela, discutir, incansavelmente, a importância de mudar a regulação da ANS considerando critérios técnicos e econômicos, além de reduzir o tempo do ciclo de atualização ”, afirma a Dra. Clarissa.