O roteiro médico de Jair Bolsonaro ganhou seu capítulo natalino. Na manhã desta quarta-feira (24/12), o ex-presidente deixou a carceragem da Superintendência da Polícia Federal para ser internado no Hospital DF Star, em Brasília. Preso e condenado pela trama golpista de janeiro de 2023, o ex-presidente passará por uma cirurgia para correção de uma hérnia inguinal bilateral, que poderá eliminar de vez o seu quadro de soluços persistentes.

A data não foi coincidência: a defesa solicitou — e o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF) autorizou — que o ex-presidente passasse justamente a véspera de Natal em exames preparatórios para ser operado justamente no feriado do dia 25. Para críticos do ex-presidente, a manobra, que contou com auxílio da equipe médica, pode ser mais uma tentativa de fomentar o vitimismo ao qual ele sempre recorre para manter sua popularidade junto a seus apoiadores.

Embora o cenário tenha mudado da cela para o hospital de luxo, as restrições impostas pelo STF lembram que Bolsonaro ainda é um detento cumprindo pena de 27 anos: ele mantido em área isolada, com vigilância 24 horas e está proibido de usar celulares, computadores ou aparelhos eletrônicos. O ex-presidente só receber visitas além da ex-primeira-dama, Michelle Bolsonaro.  O pedido para que os filhos fossem acompanhantes foi negado pelo STF.

A internação deve durar de cinco a sete dias. Após a recuperação, o ex-presidente retornará à carceragem da PF para seguir cumprindo sua pena.  O ministro Alexandre de Moraes negou o pedido de prisão domiciliar humanitária, fundamentando que Bolsonaro já descumpriu medidas cautelares anteriormente

O laudo que desarmou a “emergência”

A internação de hoje só foi possível após a perícia oficial da PF confirmar a necessidade de correção de uma hérnia inguinal bilateral e de um bloqueio anestésico para soluços persistentes. Contudo, o laudo foi o balde de água fria na estratégia de liberdade: os peritos foram taxativos ao classificar a cirurgia como eletiva (programada).

Isso serviu de base para Moraes negar a prisão domiciliar, mantendo a vigilância permanente de agentes da PF na porta do quarto. Para a Justiça, se o procedimento pode ser agendado para o feriado de Natal, ele não possui a urgência de vida ou morte que justificaria tirar um condenado do regime fechado.

Leia mais

Alzheimer leva Heleno para casa; já Bolsonaro segue no xadrez
Entre o bisturi e o xadrez jurídico: cirurgia de Bolsonaro não é emergencial
‘Surto’ de Bolsonaro: o que é e o que não é transtorno psiquiátrico
Remédios usados por Bolsonaro podem causar alucinações?

O abismo entre o feriado de Bolsonaro e o cotidiano do SUS

Enquanto o ex-presidente se prepara para uma cirurgia de 4 horas com o cirurgião Claudio Birolini e tecnologia robótica, a realidade para os 1,3 milhão de brasileiros na fila do SUS é de abandono.

  • A fila do Natal: Enquanto Bolsonaro conseguiu perícia, autorização e agendamento em menos de uma semana, o tempo médio de espera para uma cirurgia de hérnia no SUS em 2025 permanece acima de 2 anos.

  • Privilégio tecnológico: A técnica robótica/laparoscópica que Bolsonaro receberá é acessível a apenas 0,62% dos pacientes da rede pública. Para a maioria, o Natal será de dor crônica e uso de cintas abdominais paliativas.

  • O custo da conveniência: Estima-se que o aparato para esta internação (incluindo equipe particular e segurança da PF 24h em hospital de elite) custe aos cofres e à logística pública o equivalente a dezenas de cirurgias populares.

A fisiologia a serviço do calendário

O componente técnico dos soluços — entre 30 e 40 por minuto — é real, mas o uso político dele é o que gera ceticismo. O bloqueio do nervo frênico será feito para evitar que a pressão do diafragma rompa os pontos da nova cirurgia. No entanto, observadores apontam que a “piora progressiva” do quadro clínico sempre atinge seu ápice em períodos de recesso judiciário ou iminência de novas fases de investigação.

Para o brasileiro comum, a hérnia inguinal é um defeito anatômico que impede o sustento da família. Para Bolsonaro, o diagnóstico parece funcionar como um “habeas corpus clínico” temporário, garantindo que sua ceia de Natal ocorra sob o conforto de lençóis de alto padrão, e não sob a luz fria da carceragem.

Verificando a tealidade: O contraste em números

Categoria Jair Bolsonaro (Dez/2025) Cidadão Comum (SUS)
Tempo de Espera Menos de 7 dias ~850 dias
Acompanhante Michelle Bolsonaro (Autorizada) Regras rígidas de horário
Vigilância 2 agentes na porta (Segurança) Inexistente (Fila de espera)
Pós-Operatório DF Star (Hotelaria 5 estrelas) Enfermaria compartilhada

A ciência médica confirmou o problema físico, mas a celeridade do processo confirmou o privilégio político. Bolsonaro será operado, os soluços podem cessar, mas a disparidade entre o “paciente da PF” e o “paciente do SUS” nunca esteve tão evidente.

Shares:

Posts Relacionados

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *