Denis Furtado, conhecido pelo apelido de ‘Dr. Bumbum’, era muito popular nas redes sociais. No Instagram, tinha mais de 645 mil seguidores. Dava dicas de saúde e exibia os resultados de ‘antes e depois’ dos procedimentos estéticos que realizava. Estas, aliás, eram as fotos mais populares e chegavam a contar com 10 mil curtidas.
Um procedimento feito pelo médico resultou na morte da bancária Lilian Calixto, de 46 anos, por causa de uma embolia pulmonar. A morte ocorreu em 15 de julho de 2018, um dia após Denis ter injetado em seus glúteos a substância PMMA, derivada do acrílico.
Na semana passada (dia 16 de abril), Denis participou de uma audiência, junto com sua mãe, Maria de Fátima Barros, também acusada pelos crimes, e a empregada Rosilane Pereira da Silva. O médico não tinha CRM (registro no Conselho Regional de Medicina) para atender na cidade do Rio de Janeiro – a cirurgia foi feita em um apartamento na Barra da Tijuca. Ele também é réu em mais de 10 ações.
Durante a audiência, um enfermeiro do Hospital Copa D’Or que afirmou ter prestado os primeiros socorros à bancária disse que Lilian já chegou ao hospital muito mal, sentindo náuseas e com a pressão arterial muito baixa, além de apresentar dificuldades para respirar. Na ocasião, a bancária disse que havia acabado de realizar uma bioplastia nos glúteos.
Mas, então, como descobrir que um médico é confiável? De acordo com a Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica (SBCP), o sinal mais claro e também problemático da história é o local onde a cirurgia foi feita. “Isso é bizarro. Isso vai contra qualquer princípio mínimo da medicina”, disse o presidente da SBPC, Niveo Steffen.
Segundo os médicos, um procedimento, mesmo que seja um preenchimento minimamente invasivo, precisa ser feito em um ambiente preparado, um hospital ou um centro cirúrgico com aparelhamento para qualquer problema que precise de atendimento profissional em uma emergência.
Não pode fazer em nenhuma estrutura que não seja um consultório equipado, uma clínica, ou um hospital. Não pode em apartamento, nem em cabeleireiro, nem em centro de estética”, disse Francesco Mazzarone, diretor do Serviço de Cirurgia Plástica da Santa Casa.
Antes de marcar a cirurgia e garantir se ela será feita em ambiente seguro, é importante ficar atento à formação do médico. “A formação do cirurgião plástico na verdade é de 11 anos. Nós temos 6 anos de faculdade de medicina, mais 2 anos de cirurgia geral e depois mais 3 anos de estudo da especialidade”, disse Steffen.
“Antes de sermos cirurgiões plásticos, nós somos médicos. Como médicos, nós temos um código de ética que precisa ser respeitado, independente da especialidade”, disse Steffen.
“Acho que o médico pode ter redes sociais. O que não pode é ter um Instagram como uma maneira de comunicação para o profissional vender o seu produto, ou fazer sensacionalismo, ou mostrar pré e pós operatório de paciente”.
Como checar a conta de um médico nas redes sociais
Médicos não devem colocar propagandas de cirurgias e terapias, porque os procedimentos precisam de uma avaliação para ver se ele são recomendados para cada paciente
Médicos não devem colocar fotos de “antes e depois”, já que estão proibidos de divulgar pré e pós operatório de pacientes pelo código de ética
Médicos podem dar dicas de prevenção para doenças, se tiverem formação para tal, e que tenham comprovação científica
O ideal é entrar em contato e pedir o CRM para checar o ‘status’ do profissional
Os médicos não podem mostrar dicas de como fazer procedimentos
Mesmo sem especialização, médico pode atender. Só não vale propaganda enganosa
Segundo o Conselho Federal de Medicina, um médico pode fazer qualquer procedimento mesmo que não tenha especialização. Mas não pode se anunciar como especialista nem mentir aos pacientes sobre a formação acadêmica. Além disso, não pode dar garantias de resultados.
A pena para quem infringe as chamadas “regras de publicidade médica” vão de advertência até cassação do registro profissional, que significa o fim da carreira, já que o profissional fica para sempre impedido de exercer a medicina.
O CFM também informou que médicos podem exercer a profissão nas cidades onde possuem CRM ativo (licença para atuar). Furtado tinha registro para atuar como médico em Brasília e Goiás, mas não no Rio de Janeiro, onde o procedimento de Lilian Calixto foi feito.
‘9 mil bioplastias’ e nenhuma residência médica
O site oficial do médico Denis Furtado é repleto de fotos de “antes e depois” de glúteos de pacientes e postagens que explicam as “técnicas de bioplastia trazidas de Hollywood”. Foram mais de 9 mil bioplastias, intervenções à base de injeções para remodelar o corpo, propagandeava Dr Bumbum nas redes sociais.
Mas evidências mostram que toda essa experiência prática não veio acompanhada de cursos de especialização reconhecidos pelo MEC ou pelas sociedades de cirugia plástica ou dermatologia, por mais que ele se apresente no site pessoal como tendo cursado três pós-graduações. O trecho que fala do currículo é curto e sucinto – um parágrafo resume os três cursos de pós-graduação que atestariam a qualificação de Furtado para atuar com “medicina estética”.
Médico, pós-graduado em dermatologia pela ISBRAE, modulação hormonal pela BARM, medicina estética pela ASIME, nutrologia e ortomolecular, estágio em medicina e fisiologia do esporte”, diz o site do “Dr. Bumbum”.
Segundo a BBC News Brasil, Dr Bumbum não concluiu um dos cursos de pós-graduação que anunciava e as outras duas instituições mencionadas não têm licença do Ministério da Educação para atuar.
O Ministério da Educação diz que apenas instituições de ensino superior credenciadas podem oferecer cursos de pós-graduação. Mesmo assim, esses cursos em si não servem como atestado de especialização em áreas da medicina.
Para se dizer especialista em cirurgia plástica, por exemplo, é preciso fazer três anos de residência em cirurgia geral e outros dois em cirurgia plástica. Depois, o médico passa por uma prova oral e escrita, para então receber o título de cirurgião plástico, segundo informações da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica.
Para ser dermatologista, também é preciso fazer residência ou especialização nessa área e passar por uma prova da Sociedade Brasileira de Dermatologia.
Uso de substância proibida
Lilian morreu após um procedimento estético de preenchimento dos glúteos. A suspeita é de que ela tenha sofrido uma embolia pulmonar por conta do uso excessivo de PMMA (polimetilmetacrilato). A substância, composta por microesferas de um material parecido com plástico, é aprovada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), mas é indicada somente para uso em pequenas quantidades.
Segundo a Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica, o PMMA não deve ser usado para preenchimento de glúteo.
“Era uma substância pensada para usar em pequenas quantidades, normalmente na face. Mas começaram a aplicar no bumbum. Para ter efeito, injetam no músculo, e o músculo tem vasos sanguíneos. Se injetar dentro do vaso, a substância pode ir para a corrente sanguínea e você pode ter AVC ou embolia pulmonar”, explicou à BBC News Brasil o médico Sergio Bocardo, chefe de cirurgia plástica do Hospital Ipanema, no Rio de Janeiro.
Da Redação, com Agências e Assessorias