De acordo com estudos de registros do Disque 100 apenas 7% dos casos de exploração sexual de crianças e adolescentes são denunciados no Brasil. Isto quer dizer que na última década já são mais de 551 mil vítimas de exploração sexual. Levantamento do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MDH), entre 2011 e o primeiro semestre de 2019 (últimos dados disponíveis), aponta 38.225 casos de exploração sexual de crianças e adolescentes e outros 349 relacionados especificamente ao turismo, somando 38.574. Foram mais de quatro mil casos por ano.
O mundo reconhece nesta quarta-feira (23) o Dia Internacional Contra a Exploração Sexual e o Tráfico de Mulheres e Crianças. Para Eva Cristina Dengler, gerente de Programas e Relações Empresariais da Childhood Brasil, a data é importante para olharmos o recorte da conexão entre a violência baseada em gênero e o tráfico de pessoas. Segundo dados da Organização das Nações Unidas, as mulheres e as meninas representam 72% das vítimas identificadas do tráfico de pessoas e a maior finalidade é a exploração sexual.
Presente no Brasil há 20 anos, a Childhood atua na prevenção e no enfrentamento da violência sexual contra crianças e adolescentes. A entidade também é parceira da Associação Brasileira de Defesa da Mulher, da Infância e da Juventude (Asbrad), uma organização que há 25 anos luta contra o tráfico de pessoas no país.
O tráfico de pessoas para fins de exploração sexual é um crime extremamente subnotificado. Outras finalidades, como as relacionadas ao trabalho análogo ao escravo, contam com atuação da fiscalização do trabalho e do Ministério Público do Trabalho, o que permite a construção de estatísticas para melhor compreensão das características desse crime”, analisa Graziella Rocha, coordenadora do Programa de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas da Asbrad.
Segundo ela, nos últimos 25 anos, o Brasil atingiu a marca de 55 mil trabalhadores e trabalhadoras resgatadas. “Certamente os casos de exploração sexual extrapolariam esses números se contassem com estruturas de combate mais integradas e a melhor percepção da sociedade para identificação dessa forma de exploração”, completa.
Campanha Defenda-se
É com foco na prevenção que o Centro Marista de Defesa da Infância (CMDI) vem investindo com a campanha Defenda-se, que contribui diretamente como eixo de prevenção do Plano Nacional de Enfrentamento à Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes.
Por meio de vídeos animados para a internet, a campanha busca contribuir na formação de crianças para que possam identificar sinais de violência e saibam procurar ajuda. Mas atentos às novas legislações, o mais recente vídeo da Defenda-se foi produzido justamente para a rede de apoio, que precisa estar preparada para acolher uma denúncia ou suspeita de violência.
Lançado em maio deste ano, o 13º vídeo da campanha Defenda-se explica de forma lúdica os principais pontos da Lei do Depoimento Especial e da Escuta Especializada (nº 13.431/2017), regulamentada pelo Decreto 9603/2018, que estabelece o Sistema de Garantia de Direitos da Criança e do Adolescente vítima ou testemunha de violência.
Segundo a lei, o trabalho de atendimento às vítimas deve ser integrado, rápido e realizado por profissionais especializados, para que o dano à vida da criança ou do adolescente seja o menor possível, sem novas violências. A lei prevê duas formas oficiais para se ouvir uma vítima ou uma testemunha de violência: Escuta Especializada, que deve ser realizada por órgãos da rede de proteção, e Depoimento Especial, que deve ser realizada por autoridade policial ou judiciária.
A lei também reconhece a Revelação Espontânea, o relato feito pela vítima ou testemunha de violência de forma espontânea a um profissional ou a qualquer pessoa de sua confiança, independentemente de sua formação ou especialidade. Especialmente neste caso, toda a comunidade deve estar preparada para acolher o relato de uma criança ou adolescente. Por isso, o novo vídeo da campanha Defenda-se está disponível para toda a sociedade no Youtube.
Além do filme, o Centro de Defesa criou o jogo “Revelação Espontânea: cartas à comunidade Educativa”, com os objetivos de responder às perguntas mais recorrentes daqueles que não têm intimidade com o assunto ou formação específica para fazer essa escuta e capacitar os diferentes profissionais das instituições de ensino. O mesmo material pode também ser usado por pais, familiares e profissionais que lidam com crianças e adolescentes em outras áreas, como saúde, igrejas e o comércio do bairro. O material está disponível para download no link https://defenda-se.com/revelacao-espontanea/.
Entidades cobram mais políticas públicas de proteção
A violência sexual contra crianças e adolescentes é um problema grave e endêmico no Brasil, iniciando na primeira infância e prosseguindo com a gravidez na adolescência. Deve ser prioridade absoluta dos direitos de crianças e adolescentes o primeiro lugar em serviços, orçamento e políticas públicas, para se garantir medidas de prevenção à violência sexual, mecanismos de responsabilização do agressor e reparação para a menina na escuta protegida, no atendimento psicológico e nos serviços de saúde”, destaca Graziella.
Também o contingenciamento e corte orçamentário e a falta de compreensão da sociedade sobre a responsabilidade prevista constitucionalmente de denunciar casos ou suspeitas de violência também dificultam o avanço das estratégias de enfrentamento. “As violações dos direitos não decorrem só da atuação negligente do Estado, mas também de pessoas que não denunciam casos e que expõem a menina, a culpabilizam e criminalizam”, adverte Eva.
Karina Figueiredo, secretária executiva do Comitê Nacional de Enfrentamento à Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes, ressalta a importância de se avançar na execução do Plano. Para isso, ela retoma a necessidade de efetivação de uma proposta concreta no âmbito federal e aponta a recriação da Comissão Intersetorial de Enfrentamento à Violência Sexual contra a Criança e Adolescentes como um exemplo que retoma a participação da sociedade civil na solução do problema.
Essa comissão foi extinta no ano passado, sem qualquer consulta prévia à sociedade civil organizada. Simplesmente, acabaram com ela e com tantas outras. Somente agora, foi recriada no âmbito do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos”, critica. A comissão foi instituída pelo Decreto 10.482/20, do dia 10 de setembro.
Para Karina, em meio à dificuldade de desenvolvimento de políticas nacionais de atendimento e assistência às vítimas de violência, destaca-se, neste cenário, as contribuições das entidades que desenvolvem ações concretas e projetos de prevenção, um dos eixos do Plano Nacional de Enfrentamento. “Precisamos cada vez mais trabalhar com a prevenção, fortalecendo a rede de apoio das crianças e adolescentes e capacitando a própria criança e adolescente a resistir e procurar ajuda”, destacou.
Sobre a campanha Defenda-se
Projeto desenvolvido pelo Centro Marista de Defesa da Infância com o objetivo de promover a autodefesa de crianças e adolescentes contra a violência sexual, disponibilizando uma série de materiais que podem ajudar as famílias a conversarem com seus filhos sobre estratégias de prevenção, além de auxiliar as crianças e adolescentes a diferenciarem as relações saudáveis das abusivas e munir os profissionais que prestam atendimento à infância e adolescência com materiais educativos, a fim de qualificar a sua atuação no acolhimento e encaminhamento de denúncias de violência.
A campanha dispõe de uma série de 13 vídeos que podem ser assistidos por crianças dos 4 aos 12 anos de idade. As histórias dão dicas sobre como meninas e meninos podem agir para se prevenir e denunciar a violência sexual. Com uma linguagem amigável e educativa, os vídeos também apresentam noções sobre cuidados com o corpo, intimidade, privacidade e identificação de emoções. Todo material está disponível para visualização e download no site do projeto: www.defenda-se.com