Setembro ganha a cor amarela para debater a prevenção ao suicídio. E quando se fala em adolescência, isso se torna ainda mais necessário. Levantamento da Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP) da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), divulgado no ano passado, aponta que a probabilidade de casos de suicídio entre adolescentes no país teve um crescimento maior do que em outras faixas etárias.

Entre 2000 e 2022, o suicídio representou, em média, 4,02% das mortes entre pessoas de 10 a 29 anos. No grupo de 30 anos ou mais, ele foi a causa de 0,68% das mortes. Já entre adolescentes, ele corresponde a 3,63% dos óbitos. Entre jovens adultos, ficou em 4,21%.

A cada 10 minutos, pelo menos um caso de autoagressão envolvendo adolescentes com idade entre 10 e 19 anos é registrado no Brasil, segundo dados divulgados nesta segunda-feira (22) pela Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP).

O levantamento foi elaborado a partir do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan), que reúne registros encaminhados pela rede de atenção à saúde e, em alguns municípios, por escolas e centros de assistência social.

O estudo, realizado no contexto do Setembro Amarelo, mês dedicado à prevenção do suicídio, mostra que, apenas nos últimos dois anos, a média diária de atendimentos chegou a 137 na faixa etária especificada, incluindo casos de violência autoprovocada e tentativas de suicídio.

Subnotificação

A entidade alerta, entretanto, que os números não representam a totalidade de casos, diante da grande possibilidade de subnotificação por falhas no preenchimento ou na comunicação das ocorrências – inclusive nos atendimentos da rede privada e em ocorrências em ambiente escolar.

A SBP destaca que os registros do Sinan são compulsórios, ou seja, os profissionais que, de algum modo, atendem adolescentes nesse tipo de condição devem obrigatoriamente informar a notificação. “Isso significa que a realidade pode ser ainda mais preocupante do que os números oficiais indicam”, avaliou a SBP.

Estados e regiões

  • Em números absolutos, o Sudeste concentra quase metade das notificações nacionais de autoagressões (46.918 em 2023 e 2024), puxado por São Paulo que, sozinho, responde por 24.937 registros.
  • O Nordeste aparece em segundo lugar (19.022), com destaque para Ceará (4.320) e Pernambuco (4.234). Juntos, esses dois estados representam quase metade dos casos da região.
  • O Sul registra proporção semelhante (19.653), liderado pelo Paraná (8.417).
  • No Centro-Oeste, foram 9.782 notificações, com números expressivos em Goiás (3.428) e no Distrito Federal (3.148).
  • Já o Norte, menos populoso, soma 5.303 ocorrências, sendo o Pará (1.174) e Tocantins (1.183) os principais responsáveis.

Casos graves e mortes

Um dos pontos de maior destaque do levantamento, segundo a SBP, é o número de casos que, pela gravidade, ultrapassaram o atendimento médico inicial e resultaram em internações hospitalares e óbitos.

Somente em 2023 e 2024, notificações enviadas por unidades e serviços públicos de saúde apontaram 3,8 mil hospitalizações de adolescentes por violência autoprovocada – uma média de cinco internações por dia. A maior parte ocorreu entre jovens de 15 a 19 anos (2,7 mil), seguida pelo grupo de 10 a 14 anos (1,1 mil).

Além dos registros de autoagressão e internações, os números revelam que cerca de 1 mil adolescentes de 10 a 19 anos perdem a vida por suicídio todos os anos no Brasil.

Em 2023, foram 1,1 mil óbitos; e, em 2022, 1,2 mil, de acordo com dados do Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM). A faixa mais afetada é a de 15 a 19 anos, com aproximadamente 2 mil mortes no período. Na faixa de 10 e 14 anos, foram pouco mais de 300 óbitos.

Sinais de alerta

Adotar uma postura de escuta e acolher esses adolescentes é fundamental, destaca a SBP, que pede atenção aos sinais considerados de alerta, como tristeza persistente, abandono de atividades que antes eram prazerosas e envolvimento deliberado em situações de risco. 

A entidade listou os principais indícios de um quadro de sofrimento que pode resultar em tentativa de suicídio:

  • tristeza ou insatisfação persistentes;
  • abandono de atividades que antes eram prazerosas;
  • episódios de autolesão;
  • envolvimento deliberado em situações de risco;
  • ausência de expectativas ou planos para o futuro.

A adolescência é um período de intensas mudanças, marcado por busca de identidade, maior sensibilidade a pressões externas e vulnerabilidade emocional”, detalhou a SBP. A entidade alerta ainda para o avanço de problemas como ansiedade e depressão entre crianças e adolescentes. 

A saúde mental nessa faixa etária, segundo a SBP, sofre influência de múltiplos fatores, como sobrecarga das famílias; organização escolar voltada quase exclusivamente para o conteúdo; carência de acompanhamento médico contínuo; e novos riscos trazidos pelo ambiente digital.

Os principais fatores de risco para um episódio suicida, de acordo com a entidade, são:

  1. impulsividade e dificuldades emocionais típicas da adolescência, como autoestima baixa, desesperança e solidão;
  2. facilidade de acesso a meios letais;
  3. o grande estigma em relação à saúde mental, que dificulta o pedido de ajuda.

A sociedade médica considera fundamental que pais, responsáveis e educadores escutem e, sobretudo, acolham adolescentes. O acompanhamento com o pediatra, segundo a entidade, também tem papel central, já que, durante as consultas, o profissional pode atuar de forma preventiva, identificando sinais de alerta e orientando tanto o adolescente quanto a família.

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Setembro Amarelo reforça o cuidado com a saúde mental de crianças e adolescente

Frente ao número crescente de casos de ansiedade, depressão e suicídio entre crianças e adolescentes, o Setembro Amarelo lança luz sobre essa realidade e reforça a necessidade de diálogo: um convite para a sociedade refletir sobre o cuidado com a saúde mental de crianças e adolescentes. Mais do que campanhas, trata-se de criar um ambiente em que pedir ajuda seja visto como ato de coragem, e não de fraqueza.

O Setembro Amarelo é um momento oportuno para ampliar o diálogo sobre prevenção ao suicídio. Investir na saúde mental dos jovens é investir no futuro da sociedade. Que possamos, enquanto comunidade, construir redes de cuidado que acolham, protejam e transformem vidas desde os primeiros anos”, destaca a  psicóloga Aparecida Tavares.

Segundo a especialista, os motivos para o aumento desses dados entre os jovens são vários. “Diversos fatores contribuem para esse cenário alarmante. A pressão social, as exigências acadêmicas e o uso excessivo das redes sociais têm sido apontados como gatilhos para o desenvolvimento de quadros de ansiedade, depressão e outros transtornos”, afirma.

Adolescentes não precisam que os adultos tenham todas as respostas. Eles precisam saber que não estão sozinhos, que existe um espaço de escuta e apoio. Quando a família, a escola e a comunidade se unem, aumentam as chances de que esses jovens desenvolvam habilidades emocionais que os acompanharão pela vida adulta”, afirma orientadora educacional Leticia Panczel, da Escola Bilíngue Aubrick.

Dia do Adolescente: o peso dos desafios contemporâneos

Especialistas explicam por que eles têm dificuldade para lidar com sentimentos intensos

O Dia do Adolescente, lembrado neste 21 de setembro, traz à tona a complexidade que é essa fase da vida. De acordo com especialistas, a adolescência é um período de transição marcado por um verdadeiro turbilhão emocional. Entre os 10 e os 19 anos, os jovens enfrentam mudanças físicas, hormonais, cognitivas e sociais que afetam diretamente a forma como percebem o mundo e a si mesmos.

Se na infância predominava uma visão mais lúdica, simples e protegida da vida, agora surgem questionamentos, inseguranças e desafios que tornam essa etapa uma das mais delicadas do desenvolvimento humano.

A confusão com relação às próprias emoções tem explicação biológica: o córtex pré-frontal, a região do cérebro humano que controla impulsos, que também é responsável pela regulação emocional, planejamento, definição de metas, avaliação de resultados e tomada de decisões, é a última desenvolver-se completamente, por volta dos 25 anos de vida do indivíduo.

Isso significa que o adolescente sente com intensidade e, muitas vezes, reage de maneira impulsiva, porque ainda não tem todos os recursos cognitivos para avaliar as situações de forma equilibrada”, diz a orientadora educacional da Escola Bilíngue Aubrick (São Paulo-SP), Isis Galindo.

Isis lembra a animação Divertidamente (Inside Out), que se tornou uma metáfora poderosa para explicar o que acontece na mente de um adolescente: ao longo do filme, as emoções disputam espaço no controle das decisões da protagonista Riley. “É justamente assim que muitos jovens descrevem suas experiências: uma mistura de sentimentos intensos, que chegam a parecer incontroláveis”.

A dificuldade de lidar com as próprias emoções não se restringe às transformações biológicas. A realidade contemporânea acrescenta novos elementos de pressão sobre os jovens. As redes sociais, por exemplo, criam um ambiente de comparação constante. “Padrões de beleza, fama e sucesso inatingíveis são projetados diariamente em vídeos e imagens que moldam a autoestima e a forma como os adolescentes se percebem”, acrescenta Isis.

Adultos tendem a minimizar os sentimentos dos adolescentes

Isis destaca que, muitas vezes, ao olharem para trás, os adultos tendem a guardar lembranças mais leves e afetuosas da adolescência, das amizades, descobertas e conquistas e acabam deixando em segundo plano as inseguranças e desafios que também fizeram parte desse período. Isso é natural, mas pode levar a uma percepção reduzida sobre o que os jovens enfrentam hoje.

Para quem já passou por essa fase, é comum que alguns conflitos adolescentes pareçam exagerados ou passageiros. No entanto, é importante lembrar que cada sentimento vivido pelos jovens tem um peso real em sua experiência. Reconhecer e validar essas emoções fortalece o vínculo entre pais, educadores e adolescentes, favorecendo um diálogo mais aberto, respeitoso e acolhedor.

Quando acolhemos os sentimentos dos adolescentes, mesmo aqueles que nos parecem pequenos, transmitimos a mensagem de que eles importam. Esse cuidado fortalece a autoestima e contribui para o desenvolvimento da autorregulação emocional”, afirma a orientadora Isis.

O papel da família: presença e exemplo

Pais e cuidadores desempenham um papel central no processo de autorregulação dos adolescentes. A escuta ativa, sem julgamentos, é o primeiro passo para estabelecer um ambiente seguro. Mostrar interesse genuíno pela rotina, pelos desafios escolares e pelas relações de amizade ajuda o adolescente a se sentir acolhido.

Isis é categórica ao afirmar que o exemplo é essencial. “Crianças e jovens aprendem observando. Pais que demonstram estratégias saudáveis de lidar com frustrações, seja no trânsito, em situações de trabalho ou no convívio familiar, ensinam na prática, como regular as próprias emoções. O adolescente precisa entender que sentir raiva, tristeza ou frustração faz parte da vida. O que importa é a forma como lidamos com esses sentimentos”, ressalta.

A especialista da Aubrick reforça que ensinar autorregulação significa oferecer ferramentas para que o adolescente reconheça e compreenda seus sentimentos, em vez de reprimi-los ou ignorá-los. Técnicas simples, como respiração profunda, escrita de emoções em diários e pausas conscientes diante de conflitos, são estratégias que ajudam a reduzir a impulsividade.

A contribuição da escola

A relação entre o papel da família e a contribuição da escola é fundamental para o desenvolvimento emocional saudável dos adolescentes. Enquanto a família oferece o primeiro ambiente de acolhimento por meio da presença, do exemplo e da escuta ativa, a escola amplia esse suporte ao proporcionar espaços seguros de convivência e aprendizado prático sobre a gestão das emoções.

Juntas, família e escola formam uma rede de apoio essencial, em que a família ajuda o adolescente a reconhecer e regular seus sentimentos no dia a dia, e a escola reforça essas aprendizagens, promovendo a resiliência, o respeito às diferenças e o enfrentamento de desafios como o bullying.

A orientadora educacional Leticia Panczel, também da Aubrick, lembra que, antes, o bullying era restrito ao espaço físico da escola, mas hoje ele invade a vida privada do jovem por meio de mensagens, grupos e publicações online, acompanhando-o até dentro de casa. “Isso gera uma sensação de que não há lugar seguro, pois a violência simbólica ou verbal atravessa a fronteira do portão da escola e se instala na intimidade do adolescente, por meio do celular”, observa.

E como os adolescentes passam grande parte do tempo no ambiente escolar, as instituições de ensino assumem um papel decisivo na promoção da saúde emocional. Projetos de convivência, rodas de conversa, atividades artísticas e esportivas funcionam como canais para expressão e acolhimento.

Além disso, professores e orientadores podem ser figuras-chave de referência. “A escola é o espaço onde o jovem encontra uma diversidade de ideias, culturas e personalidades. É nesse ambiente que ele aprende a lidar com diferenças, a resolver conflitos e a desenvolver resiliência. Por isso, quando a escola se compromete com o bem-estar emocional, ela se torna parte importante de uma rede de apoio fundamental”, destaca Letícia.

Acesso à psiquiatria infantojuvenil e à psicoterapia

Para Aparecida Tavares, o acesso à psiquiatria infantojuvenil e à psicoterapia torna-se essencial e urgente. A presença de profissionais especializados permite não apenas o diagnóstico adequado, mas também o acompanhamento contínuo e humanizado, respeitando as particularidades do desenvolvimento emocional de cada criança ou adolescente”, completa.

A especialista ressalta a importância do envolvimento familiar com as crianças e adolescentes. “O engajamento dos pais na vida de seus filhos é essencial. De mais compreensão e menos cobranças, o desempenho e o bom comportamento é apenas uma consequência daquilo que vivemos dentro de nossos lares, nas nossas relações interpessoais. A família é o primeiro berço dessas relações, onde nós construímos o nosso caráter, onde desenvolvemos a nossa autonomia e as práticas de bem-estar”.

Dentro do ambiente escolar isso também se faz necessário, para a especialista. “Os professores devem atuar como aqueles que insere as crianças e adolescentes no mundo civil, o que é cidadania, o que ser humano numa sociedade que necessita tanto de valores, de condutas que gerem crescimento não só a esse próprio indivíduo, mas a sociedade e a humanidade como um todo. Na minha prática clínica eu tenho percebido muito as cobranças, tanto por meio das escolas quanto dos próprios pais, de que essas crianças sejam perfeitas, que não deem trabalho. Criança é movimento, adolescente é criação e eles sofrem uma poda nisso”.

Para a psicóloga a palavra chave é acolhimento. “O papel da família, da escola, da sociedade é favorecer um espaço de acolhimento, de aprendizagem e, acima de tudo, de saúde integral desse ser humano que está em formação. O acesso a orientação parental, psicoeducação e engajamento da família e da escola é fundamental. Primeiramente, é preciso não invalidar os sentimentos da criança ou adolescente, acolhê-los no seu jeito de descrever como se sentem diante de determinadas situações e emoções. Dizer que está ali para ajudá-los. Além de envolvê-los em atividades esportivas, de cultura, arte e lazer”, exemplifica.

Aparecida Tavares ressalta ainda que a prevenção faz toda a diferença quando se trata de saúde mental. “É urgente ampliar a rede de atenção psicossocial, integrar abordagens terapêuticas ao ambiente escolar e capacitar educadores para identificar sinais de sofrimento emocional. É importante que a rede credenciada e particular tenha a infância e juventude como alvo não somente de intervenções, mas também de prevenção. Quando o pediatra e o hebiatra realizam os devidos encaminhamentos à psicoterapia e psiquiatria, auxilia no diagnóstico e intervenção precoce”, afirma.

Onde buscar ajuda

Adolescentes e seus responsáveis ou quaisquer pessoas com pensamentos e sentimentos de querer acabar com a própria vida devem buscar acolhimento em sua rede de apoio, como familiares, amigos, e educadores, e também em serviços de saúde. De acordo com o Ministério da Saúde, é muito importante conversar com alguém de confiança e não hesitar em pedir ajuda, inclusive para buscar serviços de saúde.

Serviços de saúde que podem ser procurados para atendimento: 

  • Centros de Atenção Psicossocial (Caps) e Unidades Básicas de Saúde (Saúde da família, Postos e Centros de Saúde);
  • UPA 24H, SAMU 192, Pronto Socorro; Hospitais;
  • Centro de Valorização da Vida – 188 (ligação gratuita).

Centro de Valorização da Vida (CVV) realiza apoio emocional e prevenção do suicídio, atendendo voluntária e gratuitamente todas as pessoas que querem e precisam conversar, sob total sigilo, por telefone (188), e-mailchat e voip 24 horas todos os dias.

Com Assessorias e Agência Brasil

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