Setembro ganha a cor amarela para debater a prevenção ao suicídio. E quando se fala em adolescência, isso se torna ainda mais necessário. Levantamento da Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP) da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), divulgado no ano passado, aponta que a probabilidade de casos de suicídio entre adolescentes no país teve um crescimento maior do que em outras faixas etárias.
Entre 2000 e 2022, o suicídio representou, em média, 4,02% das mortes entre pessoas de 10 a 29 anos. No grupo de 30 anos ou mais, ele foi a causa de 0,68% das mortes. Já entre adolescentes, ele corresponde a 3,63% dos óbitos. Entre jovens adultos, ficou em 4,21%.
O Setembro Amarelo é um momento oportuno para ampliar o diálogo sobre prevenção ao suicídio. Investir na saúde mental dos jovens é investir no futuro da sociedade. Que possamos, enquanto comunidade, construir redes de cuidado que acolham, protejam e transformem vidas desde os primeiros anos”, destaca a psicóloga Aparecida Tavares.
Segundo a especialista, os motivos para o aumento desses dados entre os jovens são vários. “Diversos fatores contribuem para esse cenário alarmante. A pressão social, as exigências acadêmicas e o uso excessivo das redes sociais têm sido apontados como gatilhos para o desenvolvimento de quadros de ansiedade, depressão e outros transtornos”, afirma.
Frente ao número crescente de casos de ansiedade, depressão e suicídio entre crianças e adolescentes, o Setembro Amarelo lança luz sobre essa realidade e reforça a necessidade de diálogo: um convite para a sociedade refletir sobre o cuidado com a saúde mental de crianças e adolescentes. Mais do que campanhas, trata-se de criar um ambiente em que pedir ajuda seja visto como ato de coragem, e não de fraqueza.
Adolescentes não precisam que os adultos tenham todas as respostas. Eles precisam saber que não estão sozinhos, que existe um espaço de escuta e apoio. Quando a família, a escola e a comunidade se unem, aumentam as chances de que esses jovens desenvolvam habilidades emocionais que os acompanharão pela vida adulta”, afirma orientadora educacional Leticia Panczel, da Escola Bilíngue Aubrick.
Dia do Adolescente: o peso dos desafios contemporâneos
O Dia do Adolescente, lembrado neste 21 de setembro, traz à tona a complexidade que é essa fase da vida. De acordo com especialistas, a adolescência é um período de transição marcado por um verdadeiro turbilhão emocional. Entre os 10 e os 19 anos, os jovens enfrentam mudanças físicas, hormonais, cognitivas e sociais que afetam diretamente a forma como percebem o mundo e a si mesmos.
Se na infância predominava uma visão mais lúdica, simples e protegida da vida, agora surgem questionamentos, inseguranças e desafios que tornam essa etapa uma das mais delicadas do desenvolvimento humano.
A confusão com relação às próprias emoções tem explicação biológica: o córtex pré-frontal, a região do cérebro humano que controla impulsos, que também é responsável pela regulação emocional, planejamento, definição de metas, avaliação de resultados e tomada de decisões, é a última desenvolver-se completamente, por volta dos 25 anos de vida do indivíduo.
Isso significa que o adolescente sente com intensidade e, muitas vezes, reage de maneira impulsiva, porque ainda não tem todos os recursos cognitivos para avaliar as situações de forma equilibrada”, diz a orientadora educacional da Escola Bilíngue Aubrick (São Paulo-SP), Isis Galindo.
Isis lembra a animação Divertidamente (Inside Out), que se tornou uma metáfora poderosa para explicar o que acontece na mente de um adolescente: ao longo do filme, as emoções disputam espaço no controle das decisões da protagonista Riley. “É justamente assim que muitos jovens descrevem suas experiências: uma mistura de sentimentos intensos, que chegam a parecer incontroláveis”.
A dificuldade de lidar com as próprias emoções não se restringe às transformações biológicas. A realidade contemporânea acrescenta novos elementos de pressão sobre os jovens. As redes sociais, por exemplo, criam um ambiente de comparação constante. “Padrões de beleza, fama e sucesso inatingíveis são projetados diariamente em vídeos e imagens que moldam a autoestima e a forma como os adolescentes se percebem”, acrescenta Isis.
Adultos tendem a minimizar os sentimentos dos adolescentes
Isis destaca que, muitas vezes, ao olharem para trás, os adultos tendem a guardar lembranças mais leves e afetuosas da adolescência, das amizades, descobertas e conquistas e acabam deixando em segundo plano as inseguranças e desafios que também fizeram parte desse período. Isso é natural, mas pode levar a uma percepção reduzida sobre o que os jovens enfrentam hoje.
Para quem já passou por essa fase, é comum que alguns conflitos adolescentes pareçam exagerados ou passageiros. No entanto, é importante lembrar que cada sentimento vivido pelos jovens tem um peso real em sua experiência. Reconhecer e validar essas emoções fortalece o vínculo entre pais, educadores e adolescentes, favorecendo um diálogo mais aberto, respeitoso e acolhedor.
Quando acolhemos os sentimentos dos adolescentes, mesmo aqueles que nos parecem pequenos, transmitimos a mensagem de que eles importam. Esse cuidado fortalece a autoestima e contribui para o desenvolvimento da autorregulação emocional”, afirma a orientadora Isis.
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O papel da família: presença e exemplo
Pais e cuidadores desempenham um papel central no processo de autorregulação dos adolescentes. A escuta ativa, sem julgamentos, é o primeiro passo para estabelecer um ambiente seguro. Mostrar interesse genuíno pela rotina, pelos desafios escolares e pelas relações de amizade ajuda o adolescente a se sentir acolhido.
Isis é categórica ao afirmar que o exemplo é essencial. “Crianças e jovens aprendem observando. Pais que demonstram estratégias saudáveis de lidar com frustrações, seja no trânsito, em situações de trabalho ou no convívio familiar, ensinam na prática, como regular as próprias emoções. O adolescente precisa entender que sentir raiva, tristeza ou frustração faz parte da vida. O que importa é a forma como lidamos com esses sentimentos”, ressalta.
A especialista da Aubrick reforça que ensinar autorregulação significa oferecer ferramentas para que o adolescente reconheça e compreenda seus sentimentos, em vez de reprimi-los ou ignorá-los. Técnicas simples, como respiração profunda, escrita de emoções em diários e pausas conscientes diante de conflitos, são estratégias que ajudam a reduzir a impulsividade.
A contribuição da escola
A relação entre o papel da família e a contribuição da escola é fundamental para o desenvolvimento emocional saudável dos adolescentes. Enquanto a família oferece o primeiro ambiente de acolhimento por meio da presença, do exemplo e da escuta ativa, a escola amplia esse suporte ao proporcionar espaços seguros de convivência e aprendizado prático sobre a gestão das emoções.
Juntas, família e escola formam uma rede de apoio essencial, em que a família ajuda o adolescente a reconhecer e regular seus sentimentos no dia a dia, e a escola reforça essas aprendizagens, promovendo a resiliência, o respeito às diferenças e o enfrentamento de desafios como o bullying.
A orientadora educacional Leticia Panczel, também da Aubrick, lembra que, antes, o bullying era restrito ao espaço físico da escola, mas hoje ele invade a vida privada do jovem por meio de mensagens, grupos e publicações online, acompanhando-o até dentro de casa. “Isso gera uma sensação de que não há lugar seguro, pois a violência simbólica ou verbal atravessa a fronteira do portão da escola e se instala na intimidade do adolescente, por meio do celular”, observa.
E como os adolescentes passam grande parte do tempo no ambiente escolar, as instituições de ensino assumem um papel decisivo na promoção da saúde emocional. Projetos de convivência, rodas de conversa, atividades artísticas e esportivas funcionam como canais para expressão e acolhimento.
Além disso, professores e orientadores podem ser figuras-chave de referência. “A escola é o espaço onde o jovem encontra uma diversidade de ideias, culturas e personalidades. É nesse ambiente que ele aprende a lidar com diferenças, a resolver conflitos e a desenvolver resiliência. Por isso, quando a escola se compromete com o bem-estar emocional, ela se torna parte importante de uma rede de apoio fundamental”, destaca Letícia.
Acesso à psiquiatria infantojuvenil e à psicoterapia
Para Aparecida Tavares, o acesso à psiquiatria infantojuvenil e à psicoterapia torna-se essencial e urgente. A presença de profissionais especializados permite não apenas o diagnóstico adequado, mas também o acompanhamento contínuo e humanizado, respeitando as particularidades do desenvolvimento emocional de cada criança ou adolescente”, completa.
A especialista ressalta a importância do envolvimento familiar com as crianças e adolescentes. “O engajamento dos pais na vida de seus filhos é essencial. De mais compreensão e menos cobranças, o desempenho e o bom comportamento é apenas uma consequência daquilo que vivemos dentro de nossos lares, nas nossas relações interpessoais. A família é o primeiro berço dessas relações, onde nós construímos o nosso caráter, onde desenvolvemos a nossa autonomia e as práticas de bem-estar”.
Dentro do ambiente escolar isso também se faz necessário, para a especialista. “Os professores devem atuar como aqueles que insere as crianças e adolescentes no mundo civil, o que é cidadania, o que ser humano numa sociedade que necessita tanto de valores, de condutas que gerem crescimento não só a esse próprio indivíduo, mas a sociedade e a humanidade como um todo. Na minha prática clínica eu tenho percebido muito as cobranças, tanto por meio das escolas quanto dos próprios pais, de que essas crianças sejam perfeitas, que não deem trabalho. Criança é movimento, adolescente é criação e eles sofrem uma poda nisso”.
Para a psicóloga a palavra chave é acolhimento. “O papel da família, da escola, da sociedade é favorecer um espaço de acolhimento, de aprendizagem e, acima de tudo, de saúde integral desse ser humano que está em formação. O acesso a orientação parental, psicoeducação e engajamento da família e da escola é fundamental. Primeiramente, é preciso não invalidar os sentimentos da criança ou adolescente, acolhê-los no seu jeito de descrever como se sentem diante de determinadas situações e emoções. Dizer que está ali para ajudá-los. Além de envolvê-los em atividades esportivas, de cultura, arte e lazer”, exemplifica.
Aparecida Tavares ressalta ainda que a prevenção faz toda a diferença quando se trata de saúde mental. “É urgente ampliar a rede de atenção psicossocial, integrar abordagens terapêuticas ao ambiente escolar e capacitar educadores para identificar sinais de sofrimento emocional. É importante que a rede credenciada e particular tenha a infância e juventude como alvo não somente de intervenções, mas também de prevenção. Quando o pediatra e o hebiatra realizam os devidos encaminhamentos à psicoterapia e psiquiatria, auxilia no diagnóstico e intervenção precoce”, afirma.
Palavra de Especialista
Nossos filhos, não tão nossos
Por Leonardo de Campos Melo*
Sou pai de uma pré-adolescente de 12 e de um menino de 10. Apesar das diversas atividades e eventos com amigos, eles ainda “são meus”. Estamos juntos na maior parte do tempo. Fazemos programas e viagens juntos. Seus pais (minha mulher e eu) ainda são a referência mais forte e central em suas vidas.
Nossos filhos, se Deus assim permitir, caminham para longe de nós. É o curso natural da vida. Conquanto os meus ainda “sejam meus”, sinto, conforme eles demonstram mais segurança, coragem e autonomia, que eles dão os primeiros passos de suas próprias jornadas. É um aprendizado silencioso e já saudoso: o de que o amor e o cuidado verdadeiros libertam, e que essa liberdade com autonomia é a maior herança que podemos lhes oferecer.
Desejo que descubram seus talentos e vocações, que conheçam o sabor de sonhar e conquistar, de criar, de transformar a realidade. Torço para que falhem, reconheçam seus erros e aprendam com o processo. Não desejo que sofram, mas muito pouco poderei fazer para deles afastar essa dolorida dimensão da condição humana. E rezo para que eles jamais percam a capacidade de sentir e de perceber o outro, na sua expressão mais ampla.
A vida é um eterno reiterar de ciclos: assim como meus filhos caminham para a autonomia, eu também fui, um dia, a despedida de meus pais, e eles dos seus, e assim sucessivamente. Salvo os imponderáveis da vida, há uma continuidade silenciosa entre as gerações, que se revela nas histórias contadas, nas lembranças preservadas e, principalmente, nos valores transmitidos.
Por isso, ao concluir estas linhas, guardo comigo a convicção de que o maior legado não está nos bens que acumulamos, mas na coragem de preparar quem amamos para viver plenamente. O amor e o cuidado que libertam, a autonomia que fortalece e a memória que acolhe formam o fio invisível que conecta as gerações, perpassando o passado, o presente e o futuro.
Leonardo de Campos Melo é advogado especialista em contencioso judicial e administrativo estratégico e em arbitragem, e Sócio-fundador do escritório LDCM Advogados – leonardo@ldcm.com.br
Com Assessorias