O comerciante Luiz Carlos Stefani, de 63 anos, não sabia que convivia com o diabetes tipo 2 até que recebeu o diagnóstico em 2013. “Minha glicemia em jejum era por volta de 170 e, ao longo do dia, chegava em até 460. Em 2015, durante um exame, foi diagnosticado comprometimento renal e gordura no fígado em níveis alarmantes em decorrência do diabetes. Minha vida estava em risco”, relembra Luiz.
A doença passou a ser resistente ao tratamento medicamentoso e a glicose no sangue de Luiz não chegava aos níveis adequados. Por isso, seu médico o orientou que uma alternativa seria a cirurgia metabólica. Naquele mesmo ano, o comerciante passou pelo procedimento, realizado pelo grupo liderado pelo médico Ricardo Cohen, coordenador do Centro Especializado em Obesidade e Diabetes do Hospital Alemão Oswaldo Cruz.
Ao longo dos anos após a cirurgia, Luiz perdeu peso, conseguiu controlar o diabetes, normalizou o nível de gordura no fígado e teve remissão da doença renal. “Meus níveis de glicose normalizaram, minha pressão arterial se estabilizou, não tenho mais gordura no fígado e meus rins funcionam normalmente. A cirurgia metabólica salvou a minha vida e acredito que nasci de novo”, celebra.
A cirurgia metabólica é recomendada para pacientes que, como Luiz, apresentaram resistência ao tratamento medicamentoso. O procedimento geralmente utilizado é o bypass gástrico, em que há a redução do estômago do paciente e pequeno desvio da comida diretamente para o intestino, para a melhora dos componentes da síndrome metabólica – pressão, glicemia e colesterol. A técnica é a mesma utilizada em cirurgias bariátricas, mas com objetivos distintos.
Esse procedimento é reconhecido pelo Conselho Federal de Medicina desde 2017 como opção terapêutica no tratamento de pacientes com DM2. Estudos recentes confirmam a necessidade de ampliar o acesso à cirurgia metabólica, é ainda maior, principalmente em casos mais graves, tanto no Sistema Único de Saúde (SUS) quanto com as operadoras de saúde.
O procedimento foi incluído na consulta pública da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) para integrar o rol de procedimentos pagos pelos operadores de planos de saúde, que pode ser acessada pelo site https://www.vidanovametabolica.org.br/. Após entrar na página, basta clicar em “Quero Participar” e depois em “Participar da Consulta Pública”.
Conheça os principais benefícios da cirurgia metabólica
A cirurgia metabólica é definida como qualquer intervenção sobre o tubo digestivo, que tem como finalidade o controle do diabetes tipo 2. Os resultados podem ser detectados já a curto prazo. Estudos indicam que 90% dos pacientes que são submetidos ao procedimento cirúrgico não precisam mais utilizar a insulina para manter o tratamento da doença, e muitos não necessitam mais de medicamentos via oral, além de obterem redução do peso, controle do colesterol, pressão arterial e redução de complicações renais.
Uma pesquisa inédita do Centro Especializado em Obesidade e Diabetes do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, publicado na Jama Surgery em junho deste ano, apontou que a cirurgia metabólica é o tratamento mais eficaz para impedir a progressão da doença renal crônica precoce em pacientes com diabetes tipo 2. O estudo detectou a remissão da albuminúria (perda da proteína albumina na urina e importante indicador de insuficiência renal), em 54,6% dos pacientes após tratamento clínico e 82% após a cirurgia metabólica por bypass gástrico em Y de Roux.
A remissão de mais de 80% da albuminúria e das lesões renais, com o tratamento cirúrgico significa evitar a progressão da doença e, consequentemente, reduz a necessidade de fazer diálise e transplante de rins. Além de diminuir fatores de risco que podem levar a infarto e Acidente Vascular Cerebral (AVC)”, avalia o cirurgião.
Além de trazer benefícios para o controle da glicose no sangue, pressão arterial e colesterol, o estudo liderado pelo Dr. Ricardo Cohen aponta que a cirurgia metabólica é um procedimento eficaz e seguro para diminuir os problemas renais em decorrência do diabetes, chegando a alcançar a remissão da doença renal crônica em estágio inicial em pacientes com diabetes tipo 2 e obesidade leve, com IMC de 30 a 35.
O estudo clínico, que recebeu o nome de MOMS (Resultados Microvasculares após Cirurgia Metabólica , em inglês ) , foi realizado por pesquisadores do Brasil e da Irlanda, com o apoio da Johnson & Johnson Medical Devices, por meio de sua franquia Ethicon. De acordo com o Dr. Cohen, os resultados foram animadores.
Em um período de dois anos, 82% dos pacientes que se submeteram a cirurgia metabólica tiveram remissão da doença renal crônica em estágio inicial, contra 48% nos pacientes que receberam os mais modernos medicamentos”, ressalta.
Os resultados do estudo MOMS jogam luz sobre novas opções de tratamento para o controle do diabetes e prevenção da doença renal crônica associada a essa doença. “Essas descobertas apontam para um novo paradigma de tratamento para reverter ou impedir a progressão da doença renal crônica em pacientes com diabetes e obesidade. O estudo MOMS conclui que a cirurgia é uma nova, segura e efetiva opção quando o tratamento medicamentoso não funciona”, explica Dr. Cohen.
Risco de morte cardiovascular cai em 30% após cirurgia
Em outubro, um estudo sueco publicado no New England Journal of Medicine, que comparou pacientes submetidos a cirurgias bariátricas e metabólicas versus os tratados clinicamente, após 24 anos de acompanhamento, comprovou que os submetidos à cirurgia têm 30% menor risco de morte cardiovascular, quando comparados aos que receberam apenas medicamentos. Os tratados cirurgicamente ainda tiveram 13% menos risco de morte por câncer, e ainda ganharam mais de três anos de sobrevida.
“O levantamento ainda apontou que quanto mais cedo o paciente é submetido a cirurgia, maiores são os benefícios em relação as possíveis complicações do diabetes tipo 2 e sobrevida. O procedimento cirúrgico deve ser considerado cada vez mais cedo como tratamento, assim como o medicamentoso. Isso pode salvar vidas”, esclarece Dr. Ricardo Cohen, que também fez parte do artigo. “Retardar as cirurgias metabólicas coloca pacientes em risco de complicações graves e mortalidade”, complementa.
Obesidade é um dos principais fatores de risco para diabetes tipo 2
O controle da doença sempre foi um problema enfrentado pelas pessoas com diabetes, que pode ter sido agravado com a chegada da pandemia. O coordenador do Centro Especializado em Obesidade e Diabetes do Hospital Alemão Oswaldo Cruz aponta um estudo brasileiro que mostrou que cerca de 70% dos pacientes com o tipo 2 da doença, não apresentam controle glicêmico adequado.
Vivemos há anos uma epidemia global do diabetes, uma doença crônica e progressiva. Os pacientes que não têm controle com medicamentos, a melhor opção é a cirurgia metabólica. Com a pandemia, podemos ter um aumento de pessoas que necessitem do tratamento cirúrgico”, diz o cirurgião Ricardo Cohen.
O diabetes tipo 2 (DM2) é considerado a versão mais comum da doença, tendo a obesidade como um dos principais fatores desencadeantes. O DM2 ocorre quando o organismo não consegue usar adequadamente a insulina que produz; ou não produz insulina suficiente para controlar a glicemia. Além das altas taxas de açúcar no sangue, essa doença causa outros problemas de saúde como danos à retina e falência renal.
Já se sabe que pessoas com diabetes estão no grupo de risco para desenvolverem o quadro grave da Covid-19. Porém, não é só esse risco que preocupa especialistas. Médicos, instituições e a Organização Mundial da Saúde, apontam a preocupação com o controle de doenças crônicas e progressivas, enquanto o mundo ainda enfrenta a crise provocada pela pandemia do novo coronavírus.
O receio é que, após a pandemia, seja detectado um aumento de casos graves do diabetes tipo 2 e outras complicações associadas à doença, provocados pelo estresse, dieta pobre em nutrientes e a falta de atividade física.
Segundo o Atlas de 2019 da International Diabetes Federation, o Brasil tem 16.8 milhões de pessoas com diabetes, ocupando 5º lugar no ranking mundial. A estimativa para 2045 é de 20 milhões. O Brasil ainda é o 6º país com maior número de pessoas não diagnosticadas, com 7.7 milhões, além dos possíveis 40 milhões de brasileiros com pré-diabetes. Nessa condição, a pessoa já apresenta alterações no nível de glicose e cerca de 30% de chance de apresentar complicações características do diabetes.
Esse cenário aumentou a preocupação de endocrinologistas neste momento de pandemia, como destaca a especialista do Centro Especializado em Obesidade e Diabetes do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, Tarissa Beatriz Petry.
Muitos casos podem ter se agravado durante o isolamento social. É importante salientar que estamos falando de uma doença silenciosa, podendo levar anos para manifestar sintomas, e as pessoas não devem negligenciar sua saúde. Além do uso correto das medicações já prescritas, o retorno ao médico é fundamental para ajustes necessários, a fim de manter a doença sob controle”, afirma.
A endocrinologista ainda aponta que é importante lembrar que os hormônios do estresse são contrarreguladores no equilíbrio da glicemia, ou seja, tem ação contraria à insulina, favorecendo o aumento da glicose no sangue. Nos últimos anos, novos medicamentos surgiram e ampliaram as opções para o tratamento desta enfermidade.
Entre os fármacos que podem ajudar no tratamento estão os análogos do hormônio GLP-1 e os inibidores da SGLT-2. Uma nova geração de insulinas também tem melhorado a posologia para os pacientes. Porém, mesmo com essas novas associações de medicações a adesão não é fácil. A maioria tem dificuldades em tomar medicações corretamente e manter o estilo de vida saudável.
Em 2019, a Pesquisa de Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas (Vigitel), feita pelo Ministério da Saúde, já mostrava que 44,8% da população geral relatou um nível insuficiente de atividade física, menos de 75 a 150 minutos por semana, e apenas 34,3% descreveu consumo regular de frutas e verduras.
Podemos ter esse ano uma piora ainda maior desses hábitos, por conta do período de isolamento e todo estresse causado pelo atual momento. As pessoas devem manter ou retomar urgentemente a atividade física, ter uma alimentação saudável e ficar de olho nas taxas de glicemia. Qualquer alteração, deve-se procurar atendimento médico”, explica Dra. Tarissa.
A perigosa relação entre obesidade e Covid-19
O cirurgião do aparelho digestivo Caetano Marchesini, especialista em cirurgia bariátrica do Hospital Marcelino Champagnat, em Curitiba, explica o porquê da relação perigosa entre obesidade e coronavírus. “O excesso de gordura é uma inflamação crônica do corpo, que leva à imunossupressão, à redução da capacidade do sistema imunológico. Ou seja, com a imunidade afetada, o organismo do obeso tem mais dificuldade em combater o vírus”, diz.
Marchesini conta que, na época do vírus H1N1, de 37 a 47% dos pacientes obesos infectados pelo vírus evoluíam a doença para quadros mais graves. Agora, com o coronavírus, a estatística quase dobrou. De 70 a 80% dos obesos infectados pela COVID-19 evoluem para sintomas graves da doença.
Para evitar complicações e manter a saúde e o bem-estar mesmo durante a pandemia, muitos brasileiros têm buscado encontrar formas adequadas a cada caso para combater a obesidade. Uma das alternativas médicas em pacientes com alto IMC é a cirurgia bariátrica. Marchesini conta que muitos pacientes obesos lhe procuraram preocupados em emagrecer, por entenderem o risco que a obesidade lhes trazia frente ao coronavírus.
Com pré-diabetes, o chef de cozinha Vavo Krieck, 48 anos, passou pelo procedimento que seguiu todos os rigorosos protocolos de segurança sanitária adotados pelo hospital. O paciente tinha 134 quilos (oito dos quais ganhou na pandemia), mas já perdeu 20, após pouco mais de 45 dias da cirurgia. “A pandemia serviu como um grande espelho na vida de todo mundo. Coisas que antes a gente achava que conseguia controlar, o tempo em casa mostrou que não dava mais pra varrer a sujeira para baixo do tapete. Eu achava que a hora que eu quisesse, eu conseguiria emagrecer. Mas notei que não é bem assim”, diz Vavo.
Somados à obesidade e ao pré-diabetes, outros fatores que fizeram com que o chef de cozinha optasse pela cirurgia foram a hipertensão, apneia e a falta de fôlego para brincar com os filhos gêmeos de cinco anos. “Já estou praticando atividade física três vezes por semana, meu fôlego já está melhorando, minha pressão arterial voltou completamente ao normal. Não poderia ter tido decisão melhor. Todos os aspectos da vida começaram a melhorar”, analisa o paciente.
Mas nem todas as pessoas acima do peso necessitam de cirurgia bariátrica. De acordo com a nutricionista, a cirurgia começa a ser indicada para pessoas com IMC maior que 35 para pacientes com comorbidades (diabetes, pressão alta) e 40 aos pacientes com obesidade mórbida. Ainda assim, cada caso é analisado individualmente. Abaixo desse patamar, o indicado é uma alimentação saudável e balanceada.
Com Assessorias