De acordo com pesquisa realizada pelo INCA – Instituto Nacional de Câncer, entre os anos 2020 e 2022, o Brasil terá cerca de 625 mil novos casos de câncer diagnosticados. Mais do que preocupantes, os dados incluem ainda um número triste, que demanda a atenção e a solidariedade de toda a sociedade: o câncer infantil equivale a 3% desse total de novos casos. No Brasil, o câncer infantojuvenil é a segunda enfermidade que mais mata crianças e adolescentes abaixo de 19 anos, segundo o Inca.
Todos os anos cerca de 12 mil crianças e adolescentes são diagnosticados com a doença no Brasil, uma média de 32 casos por dia, a maioria entre crianças de quatro a cinco anos de idade. O Instituto estimou, para o triênio de 2020 a 2022, mais de oito mil novos casos de cânceres infanto-juvenil, por ano. Somente para 2021 devem ser diagnosticados 8.460 novos casos (4.310 em garotos e 4.150 em garotas). Esses valores correspondem a um risco estimado de 137,87 casos novos por milhão no sexo masculino e de 139,04 por milhão para o sexo feminino.
É provável que quando os dados sobre diagnósticos de câncer infatojuvenil de 2020 sejam computados e divulgados tenha um déficit nos números esperados, para São Paulo, por exemplo, o previsto era 2.110 casos. Contudo, infelizmente, isso não será necessariamente uma coisa boa, já que os hospitais lotados e profissionais voltados para o atendimento de pacientes com o coronavírus, afastou as famílias dos consultórios médicos.
Assim como nos países desenvolvidos, no Brasil, o câncer já representa a primeira causa de morte (8% do total) por doença entre crianças e adolescentes de 1 a 19 anos. Porém, em torno de 80% deles podem ser curados, se diagnosticados precocemente e tratados em centros especializados.
Os dados preocupam e acendem o debate sobre a doença. O dia 15 de fevereiro, Dia Internacional de Luta contra o Câncer Infantil, promove a conscientização e alerta para a importância do diagnóstico precoce. A data foi criada em 2002 pela organização Childhood Cancer International e simboliza uma campanha global para expressar apoio às crianças e adolescentes e suas famílias.
Além de levar informações à população sobre o câncer em crianças e adolescentes, a campanha mobiliza governos e sociedades na luta contra esse tipo de doença. Segundo especialistas, é importante relembrar e falar sobre formas de identificar os sintomas e sinais de tumores na infância, uma vez que a pandemia da Covid-19 dificultou o diagnóstico precoce.
Brasil está aquém do percentual de 80% de cura
Apesar de grave, o câncer infantil é curável, com índices que chegam até a 80% de remissão, se descoberto precocemente. Nos países desenvolvidos, a taxa de cura do câncer na criança e no adolescente supera esse percentual. No entanto, no Brasil, segundo o Inca, dados oficiais dos Registros Hospitalares de Câncer mostram que o país está aquém desse patamar, ficando em torno de 64% de chances de cura. Por isso, o diagnóstico precoce é de suma importância para a recuperação do paciente.
No Sistema Único de Saúde (SUS), o início do tratamento leva em média 270 dias para adultos, mas câncer em crianças é, geralmente, uma emergência, e o início do tratamento tem que ser imediato”, afirma Cláudio Galvão, presidente da Sociedade Brasileira de Oncologia Pediátrica (Sobope).
A defasagem do Brasil em relação a outros países se deve à demora na suspeita do diagnóstico que, se fosse realizado prontamente, com a realização dos exames específicos, como imagem, patologia, entre outros, agilizaria o encaminhamento dos pacientes, garantindo-se a qualidade do tratamento oferecido, tornando as condições bastante diferentes nesse imenso território.
O alerta é do Centro Infantil Boldrini, hospital filantrópico infantil especializado no tratamento de doenças onco-hematológicas em pediatria. Referência na América Latina, a instituição destaca a importância do diagnóstico precoce para o sucesso do tratamento dos cânceres da criança e do adolescente.
Por que o diagnóstico precoce é fundamental para a cura
Pacientes tratados em centros de referências de Câncer Pediátrico têm melhores resultados. Silvia Brandalise, presidente do Centro Infantil Boldrini, ressalta que a suspeita do câncer pelos pediatras da rede de atenção primária, associada à agilidade na realização de exames e pronto encaminhamento aos Centros de Referência são fundamentais para melhorar tanto o tempo para diagnóstico quanto as chances de sobrevida dos pacientes.
A sobrevida do paciente com câncer pediátrico está relacionada a diversos fatores, entre eles, os relacionados ao tipo do câncer, assim como a localização, extensão e marcadores genéticos do tumor. Entretanto, as questões inerentes à organização do sistema de saúde podem implicar em maior ou menor facilidade e oportunidade da comprovação do diagnóstico e pronto encaminhamento aos Centros de Referência. Além disso, promover discussões junto aos profissionais da rede de atenção primária é fundamental, assim como a existência de uma rede integrada e hierarquizada de assistência às crianças com suspeita de câncer”, avalia.
Um exemplo é o hospital Santa Marcelina de São Paulo (Itaquera), que oferece atendimento ao Sistema Único de Saúde, convênios e particulares, e é apoiado pela Tucca (Associação para Crianças e Adolescentes com Câncer), houve uma queda de 70% na taxa de ocupação do serviço de oncologia pediátrica entre janeiro e março de 2020. Os dados foram divulgados pela instituição e publicados pela Folha de S. Paulo.
Os tipos mais comuns de tumor
O câncer infantojuvenil corresponde a um grupo de várias doenças que têm em comum a proliferação descontrolada de células anormais e que pode ocorrer em qualquer local do organismo. Os tumores mais frequentes na infância e na adolescência (até 20 anos) são as leucemias (que afetam os glóbulos brancos), os que atingem o sistema nervoso central e os linfomas (sistema linfático).
Também acometem crianças e jovens o neuroblastoma (tumor de células do sistema nervoso periférico, frequentemente de localização abdominal), tumor de Wilms (tipo de tumor renal), retinoblastoma (afeta a retina, fundo do olho), tumor germinativo (das células que originam os ovários e os testículos), osteossarcoma (tumor ósseo) e sarcomas (tumores de partes moles).
É importante ressaltar que, diferentemente do câncer em adultos, o câncer infantil não está associado a fatores ambientais e hábitos de vida. “Na maioria dos casos, os tumores que aparecem na faixa-etária pediátrica têm relação com alterações genéticas, que nem sempre são herdadas do pai ou da mãe da criança, podendo ser adquiridas ao longo do período intrauterino ou durante o seu desenvolvimento”, disse o médico.
Pais devem estar atentos aos sinais do câncer infantil
A Sociedade Brasileira de Oncologia Pediátrica (Sobope) confirma que em sua fase inicial, os sinais e sintomas do câncer infantojuvenil podem se assemelhar aos de doenças comuns da infância, o que muitas vezes dificulta a suspeita e o diagnóstico correto. Os sinais e sintomas iniciais do câncer infantil são, muitas vezes, inespecíficos e podem ser confundidos com doenças benignas comuns na infância.
A campanha Fevereiro Laranja, de conscientização sobre a leucemia, alerta para a importância de que a família esteja atenta e busque tratamento adequado já no início. Caso persistam, precisam ser investigados por profissionais de saúde o mais breve possível. Por isso, é importante o acompanhamento constante com um pediatra.
Nas crianças, os tumores têm menor período de latência, maior rapidez de crescimento e maior agressividade; contudo, apresenta também uma melhor resposta ao tratamento e melhor prognóstico. Caso observe mudanças sem motivos aparentes ou que sejam persistentes, é necessário consultar um especialista para descartar todas as possibilidades e garantir o melhor tratamento para esses jovens”, orienta o médico Cláudio Galvão, presidente da Sociedade Brasileira de Oncologia Pediátrica (Sobope).
Os principais sinais e sintomas são: febre, dores pelo corpo, aumento de linfonodos localizados ou generalizados, dores ósseas, manifestações hematológicas como pequenos sangramentos embaixo da pele ou espontâneos, palidez, alterações oculares, neurológicas e o aparecimento das massas palpáveis em qualquer segmento corporal.
Também podem ocorrer dor na perna, caroços e inchaços indolores, perda de peso inexplicável, aumento da barriga, alterações nos olhos, dor de cabeça, fadiga, tontura, sonolência, vômitos pela manhã com piora ao longo do dia, tosse persistente, sudorese noturna e falta de ar.
Confira os principais sinais e sintomas:
- Palidez e manchas roxas (hematomas)
- Caroços e inchaços – especialmente se forem indolores e sem febre ou outros sinais de infecção
- Emagrecimento – quando a criança não ganha peso, perde peso ou ganha peso de forma insuficiente
- Dor de cabeça constante – especialmente se incomum, persistente ou grave, acompanhada de vômito (normalmente pela manhã ou com piora ao longo dos dias);
- Náuseas e vômitos
- Problemas de equilíbrio, visão turva
- Sonolência e convulsão
- Dor em membro ou dor nos ossos
- Aumento do abdômen
- Sangramentos no nariz ou gengiva
- Tontura
- Alterações oculares – pupila branca, estrabismo de início recente, perda visual, hematomas ou inchaço ao redor dos olhos
- Fadiga, letargia ou mudanças de comportamento – como isolamento;
- Febre e tosse persistente – ou falta de ar e sudorese noturna.
Mobilização para identificar sinais precoces na rede básica
Pensando nisso, o Centro Infantil Boldrini iniciou um movimento junto à Secretaria Municipal de Saúde de Campinas, SP, a fim de promover discussões com os profissionais da Rede de Atenção Básica, sobre os sinais precoces de câncer da criança e do adolescente, valorizando a ação de quem opera na atenção inicial junto ao paciente.
“Cabe a esses profissionais a difícil tarefa de identificar os sintomas precoces do câncer que, se diagnosticados precocemente, podem encaminhar prontamente para um tratamento efetivo e favorecendo a cura para os pacientes.
Não podemos medir esforços em mobilizar a comunidade científica, governos e sociedade em geral, a fim de promover maior comprometimento com o diagnóstico precoce do câncer pediátrico e rede de atendimento integrada, não só para agilizar o diagnóstico, como também para encaminhamento urgente ao tratamento especializado. É um grande desafio, que deve ser incorporado à agenda da Saúde Pública. O câncer da criança não pode esperar”, complementa Dra. Silvia.
Programa acelera diagnóstico da retinoblastoma
Segundo ela, o Boldrini vem trabalhando, há tempos, em prol do diagnóstico precoce. De forma pioneira no país, a instituição assegurou na cidade de Campinas, pela Lei Municipal 11598, de 2003, o direito de oferecer gratuitamente a todas as crianças de Campinas, SP, um programa de diagnóstico precoce do retinoblastoma (tumor ocular próprio da infância), minimizando as sequelas de doenças.
Segundo dados da Sociedade de Pediatria de São Paulo, o retinoblastoma é um câncer próprio das crianças nos primeiros anos de vida. Quando diagnosticado precocemente, a chance de cura é de mais de 95%. No entanto, cerca de 50% dos casos ainda são diagnosticados tardiamente.
Nosso desafio, como profissionais da saúde, é trabalhar para que seja implantada essa prática de realização do mapeamento de retina, além do teste do olhinho, em todos os bebês antes dos sintomas. O trabalho dos pediatras nesse cenário é fundamental para disseminar essa informação”, avalia Maristela Palazzi, oftalmologista do Centro Infantil Boldrini.
A proposta do Programa de Triagem do Retinoblastoma é examinar as crianças rotineiramente, aos 4 e 15 meses de idade (datas que coincidem com as vacinas dos bebês), para que, em caso se ocorrência do tumor ou mesmo malformações, elas sejam detectadas ainda no início – o que não é possível a olho nu, sem a realização de exame especializado. O mapeamento da retina (exame de fundo do olho), um procedimento simples e que leva apenas alguns minutos.
Novidades no tratamento
Por serem predominantemente de natureza embrionária, tumores na criança e no adolescente são constituídos de células indiferenciadas, o que, geralmente, proporciona melhor resposta aos tratamentos atuais. Compreende três modalidades principais (quimioterapia, cirurgia e radioterapia), sendo aplicado de forma racional e individualizada para cada tumor específico e de acordo com a extensão da doença.
Atualmente, o avanço nos tratamentos e na evolução da medicina oncológica tem proporcionado tratamentos eficazes e com altas taxas de respostas positivas, mas o desafio ainda é grande, segundo Lucas Hyodo. “O tratamento oncológico pediátrico tem avançado significativamente, com uma taxa de cura para algumas doenças acima de 80%, mas não é ainda o momento de comemorar. Nosso objetivo é a cura de 100% das nossas crianças”, aponta o médico oncologista pediátrico Lucas Teiichi Hyodo, da Fundação São Francisco Xavier.
Ainda segundo ele, os desafios do combate ao câncer no nosso país ainda são grandes com relação a conscientização e disponibilização dos melhores medicamentos utilizados no mundo para o tratamento dos diversos tumores pediátricos. “Nosso propósito é trazer não só a cura, mas uma possibilidade de vida futura sem sequelas ou efeitos colaterais graves e, para aquelas crianças cuja cura não é mais possível, trazer um alívio da dor e do sofrimento durante o enfrentamento dessa terrível batalha”, finaliza.
A melhor forma de atuarmos sobre os tumores nas crianças é por meio do seu diagnóstico precoce, quando a doença ainda está em seus estágios iniciais. Assim, há maior chance de sucesso no tratamento, muitas vezes menos agressivo, com um melhor prognóstico para a criança e com menor risco de efeitos colaterais”, reforça.
Aconselhamento genético pré-natal como prevenção
A hematologista e hemoterapeuta pelo Inca Maria Cunha Ribeiro Amorelli, que atende na clínica AngioGyn, no centro clínico do Órion Complex, em Goiânia, explica que em núcleos familiares nos quais se percebe um aumento no número de casos de câncer ou tumores graves, raros ou consanguinidade entre os pais, isto é, sejam parentes, é possível fazer o aconselhamento genético pré-natal.
Nas famílias onde já se detectou uma síndrome de hereditariedade do câncer, doenças genéticas herdadas ou raras está indicado o aconselhamento pré-natal para que a família entenda e calcule os riscos de surgimento da doença no seu filho”, destaca.
Ela, que também é especialista em hereditariedade do câncer pelo Hospital Albert Einstein, salienta que já existe a possibilidade de seleção do embrião para as famílias submetidas a reprodução assistida. “A técnica é um sequenciamento de nova geração feito nos genes do embrião que permite selecionar embriões que não possuam a mutação hereditária”, revela Maria Amorelli.
Com Assessorias