Em meio à onda crescente de denúncias envolvendo o cancelamento unilateral de planos de saúde, a Câmara dos Deputados começou a discutir a criação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI). Mas foi a Assembleia legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj) que saiu na frente e abriu uma CPI para investigar o descumprimento de contratos de pessoas com deficiência (PCDs). Com isso, o Parlamento fluminense tornou-se referência nacional no enfrentamento aos planos de saúde.

A CPI em âmbito estadual foi instalada nesta quarta (12/6), em solenidade concorrida, e terá o prazo de até 90 dias para concluir seus trabalhos. Esse tempo limite é prorrogável por igual período. A primeira reunião oficial será no dia 20, às 15 horas, na sede da Alerj. O grupo deverá atuar na fiscalização da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), reguladora dos planos de saúde, e verificar se as operadoras prestam o serviço necessário.

Deputados que integram a CPI dos Planos de Saúde da Alerj ganham apoio da vereadora cadeirante Luciana Novaes (Fotos: Divulgação Alerj)

Além de cancelamentos unilaterais de contratos, a CPI da Alerj vai investigar negativas de pedidos de reembolso; suspensão de consultas e terapias, extinção de planos de saúde extintos sem aviso prévio, redução na oferta de especialistas e procedimentos, entre vários outros problemas que ameaçam e colocam em risco a vida de usuários de planos de saúde no Estado do Rio.

A CPI será presidida pelo deputado Fred Pacheco, presidente da Comissão das Pessoas com Deficiência da Alerj, e terá como relator o deputado Júlio Rocha (Agir), que hoje atua como vice-presidente do colegiado. A deputada Carla Machado (PT), coordenadora da Frente Parlamentares das Pessoas com Autismo, foi escolhida para ser a vice-presidente da nova comissão.

Júlio Rocha, o principal objetivo é solucionar a questão no Estado do Rio de Janeiro, mas espera que a iniciativa seja replicada em todo território nacional. “É um desejo nosso que os relatórios que produzirmos nesta CPI sirvam de parâmetro nacional para podermos trabalhar em conjunto e assim mudar a qualidade de vida das pessoas com deficiência”, afirmou.

Deputado Munir Neto defende raros, crianças e idosos

Munir Neto defenderá os direitos das pessoas com doenças raras, idosas, crianças e adolescentes na CPI dos Planos (Foto: Divulgação Alerj)

Não são apenas pessoas com deficiência que serão ouvidas na CPI. Denúncias de pessoas que vivem com doenças raras, pessoas com TEA e outros transtornos, pacientes com doenças crônicas – como o câncer – serão acolhidas, principalmente as que envolvem crianças, adolescentes e pessoas idosas.

O problema é nacional, mas vem sendo sentido fortemente no Estado do Rio. Já temos recebido em nosso mandato inúmeras denúncias. Nesta CPI, serei a voz das pessoas com doenças raras, de crianças, adolescentes e pessoas idosas e de muitas famílias atípicas que lutam para garantir dignidade e qualidade de vida para seus pacientes”, disse o deputado Munir Neto (PSD), membro efetivo da CPI.

Segundo ele, o novo trabalho se soma à sua atuação como presidente da Comissão da Criança, do Adolescente e da Pessoa Idosa e coordenador da Frente Parlamentar das Doenças Raras, além de integrante da Comissão da Pessoa com Deficiência e da Frente das Pessoas com Autismo da Alerj. E será um marco de uma luta muito mais abrangente.

Desde o início do mandato, venho recebendo inúmeras denúncias de todo o Estado do Rio de situações em que a vida de uma pessoa depende de um cálculo matemático, em que ela não seja um peso financeiro para as operadoras de planos de saúde”, disse o parlamentar.

Também vão integrar a CPI como efetivos a deputada Martha Rocha (PDT) e os deputados Rodrigo Amorim (União) e Thiago Gagliasso (PL). Como suplentes foram definidas as deputadas Elika Takimoto (PT) e Tia Ju (REP), e os deputados Marcelo Dino (União) e Vinícius Cozzolino (União).

Leia mais

Famílias de autistas se mobilizam contra cancelamento de planos
Plano de saúde cancela contrato de idosa de 102 anos
Cancelamento do plano de saúde: como se proteger?

Fim à injustiça e ao sofrimento das famílias

À frente da CPI, Fred Pacheco pontuou que há mais de um ano a Alerj vem buscando maneiras para solucionar os casos de planos interrompidos. O deputado explicou que a proposta de abertura da comissão, apresentada por ele, ocorreu após uma série de ações para garantir o direito à saúde de muitos pacientes PCDs que tiveram de ir à Justiça para terem suas demandas atendidas

Estamos debatendo o assunto desde o ano passado por meio de audiências públicas, convidamos os presidentes dos planos e as associações responsáveis, mas infelizmente ninguém nunca compareceu. Sendo assim, com a CPI, iremos ter o instrumento necessário para pôr fim nessa injustiça que causa tanto sofrimento para familiares de PCDs”, disse o parlamentar.

Já a vice-presidente da CPI, Carla Machado, lembrou a responsabilidade social que as empresas de saúde devem ter, que é uma premissa constitucional garantida por lei.

Essa responsabilidade das operadoras é uma questão que devemos chamar atenção nos nossos debates, visto que diversos pacientes regridem em seu desenvolvimento ao terem os tratamentos interrompidos. É estarrecedor o sofrimento vivido pelos familiares de uma pessoa com deficiência que precisam lutar para que os seus filhos, que tanto precisam, tenham acesso à saúde”, comentou a deputada.

Ex-presidente da Apae em São João da Barra, cidade em que foi prefeita quatro vezes no Norte Fluminense, Carla conhece bem de perto essa realidade. Hoje, ela hoje toca a Casa de Pedro, um projeto social que atende muitos casos de crianças com autismo.

 

 

Vereadora tetraplégica desabafa: ‘é a pauta da minha vida’

Tetraplégica após um tiro que a atingiu dentro de uma universidade no Rio de Janeiro e dependente de ventilação mecânica, a vereadora Luciana Novaes (PT), que preside a Comissão da Pessoa com Deficiência na Câmara Municipal do Rio, esteve presente na instalação da CPI da Alerj. E fez um desabafo:

Essa é a pauta da minha vida porque eu sei o quão prejudicial é para um PCD ter o seu tratamento interrompido, são consequências que podem levar até a morte. Além disso, eu sei como as mães atípicas se sentem sozinhas na luta e precisam de um apoio, por isso precisamos ter essa união para garantir que os direitos dessas pessoas sejam garantidos”, observou.

Vereadora que ficou tetraplégica após bala perdida manifesta apoio à CPI dos Planos da Saúde da Alerj (Foto: Divulgação Alerj)

Segundo Luciana, nesta quinta-feira (13), um grupo de mães realizaria um protesto na porta da sede da ANS, que fica no Centro do Rio. No último dia 15, um grupo de mães atípicas protestou contra o cancelamento unilateral, por parte da Amil, do plano de saúde de pessoas com TEA, na porta do Palácio Guanabara, sede do governo estadual.

Mãe de menino com autismo pede que Lira também abra CPI

Famílias de crianças e adolescentes considerados ‘atípicos’ comemoraram a decisão da CPI, que promete colocar fim aos abusos praticados pelas operadoras. Segundo eles, as empresas ameaçam suspender até home care (atendimento médico domiciliar) de pessoas que dependem do suporte total, incluindo respirador, colocando vidas em risco.

“A CPI dos Planos de Saúde é de suma importância, pois vai tirar o pano que esconde o que está por trás das medidas que as operadoras estão colocando em prática. Eles querem tirar até home care”, disse a fisioterapeuta Fabiane Alexandre Simão, que é mãe do Daniel, de 9 anos, diagnosticado com paralisia cerebral e autismo. “Os planos estão negando direito à saúde e, consequentemente, à vida dos nossos filhos, os deixam em risco de morte, sem  possibilidade de tratamento médico”, disse.

Presidente da associação Nenhum Direito a Menos, que defende centenas de pacientes, Fabiane engrossou o coro do protesto no Palácio Guanabara. De acordo com as manifestantes, isso vem ocorrendo em outros estados e envolve outras empresas de planos de saúde. Por isso, pediu ao presidente da Câmara Federal, Arthur Lira, para seguir o exemplo do presidente da Alerj, Rodrigo Bacellar, que permitiu a instalação da CPI cujo objetivo é restituir os direitos dos pacientes.

Sei que muita gente grande vai se incomodar’, diz Bacellar

Segundo Bacellar, a Alerj abriu as portas para mães e pais de filhos com deficiência que se desesperaram com cancelamento de contratos, deixando os pacientes sem tratamento.

Eles vêm enfrentando diversos problemas com os constantes cancelamentos dos planos de saúde. Entre as reclamações estavam ausência de reembolso, atendimento e terapias negados e planos de saúde extintos sem aviso prévio. Isso é inaceitável, absurdo”, disse Bacellar.

O presidente da Alerj diz estar ciente que essa batalha envolve altos interesses. “Sei que muita gente grande vai se incomodar, mas não fui eleito para me esconder. Estou aqui para lutar ao lado da população que sofre com esse descaso dos planos de saúde”, completou Bacellar.

Tentativa de acordo com planos de saúde em Brasília

Enquanto isso, em Brasília, o deputado federal Aureo Ribeiro (Solidariedade-RJ) protocolou na última semana o pedido de abertura de uma CPI para investigar os planos de saúde. Ele apresentou assinaturas de 310 parlamentares favoráveis a investigar a atuação das operadora e a regulamentação feita pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS).

Nos bastidores, fala-se, no entanto, que a CPI não deverá ser instalada, a depender da vontade do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL). No último dia 28 de maio, ele anunciou um acordo com as operadoras dos planos de saúde para suspender os cancelamentos realizados recentemente com relação a algumas doenças e transtornos.

Embora a fala de Lira, que foi compartilhada em sua conta no X (antigo Twitter), tenha sido encarada como uma boa notícia, até o momento, a reunião não culminou em nenhum tipo de acordo formal para reverter cancelamentos unilaterais (por decisão do plano de saúde) ou evitar novos.

Com informações da Alerj e da Agência Brasil (atualizado em 12/6/2024)
Gostou desse conteúdo? Compartilhe em suas redes!
Shares:

Related Posts

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *