Dizem que entre quatro paredes vale tudo. Inclusive ciúme, possessividade, amor doentio… São muitos os nomes para o que hoje pode se classificar como um ‘relacionamento abusivo’, que culmina quase sempre em desavenças que descambam para a brutalidade e agressões físicas. A violência doméstica é um dos temas centrais da nova novela global ‘O Outro Lado do Paraíso’. Clara, interpretada por Bianca Bin, é estuprada pelo marido Gael (Sérgio Guizé) em plena noite de núpcias e dali em diante é vítima de uma sequência de horrores dentro da bela residência do casal, com sessões de espancamento em horário nobre da TV que vêm chocando muita gente.
Na noite desta quinta-feira (9), no entanto, Clara decide denunciar o marido, mas está prestes a descobrir que está grávida. Será que ela leva a denúncia até o fim? A mídia especializada diz que ela vai desistir de ir à delegacia com o médico Renato (Rafael Cardoso) quando ele chegar à sua casa e, depois, contará a Gael que ele vai ser pai. Uma atitude muito comum entre muitas brasileiras que sofrem muitas vezes caladas, mas voltam atrás na hora de denunciar o agressor, geralmente o pai de seus filhos.
Para Carla Ribeiro, psicóloga com abordagem em sexualidade humana e saúde do homem, controle, ciúmes, proibições, dedicação exclusiva, provas de amor são confundidos constantemente como uma forma de amar intensa, que é reconhecida atualmente no meio de jovens como um relacionamento saudável. Mas ao mesmo tempo é percebido nessa relação um dominante e outro vulnerável a esta “modalidade de amor”, ficando submisso a essas investidas destrutivas.
Numa relação abusiva, é possível encontrar a violência psicológica, física e até sexual, que em sua maioria são atos mantidos entre o casal, pois para ambos se tornou comum. “Normalmente, surgem muitas reações agressivas do dominante, como xingamentos, insultos,
Como identificar (e evitar) um relacionamento abusivo
Ciúmes e possessividade são dois sinais que muitas vezes passam despercebidos. Carla ressalta, entretanto, que nem toda pessoa ciumenta tem atitude abusiva no relacionamento e nem todo abuso é explicitado através de ciúme. Mas os dois podem se complementar, principalmente quando servem para isolar ou fazer com que a pessoa se sinta como uma propriedade da outra. “Este comportamento é indício de um relacionamento abusivo”, aponta a especialista.
Mas quando perceber e evitar um relacionamento abusivo? Para Carla, isso é possível logo nos primeiros meses de convivência desse casal. “Embora não exista o casal perfeito, nos primeiros meses o lado dominante da relação se mostra gentil e parceiro em todos os momentos, um comportamento desejado para quem está começando uma relação nova. Não que isso seja fingimento, mas se ao logo do relacionamento alguns comportamentos se tornarem mais ofensivos e agressivos, com a convivência isso revela a verdadeira personalidade do indivíduo dominador. Cabe à outra parte do relacionamento decidir continuar ou não”, explica.
“Pode-se dizer que no andamento da relação, todo relacionamento precisa ter um “sensor de alerta” para se identificar as mudanças de atitude que essa pessoa pode ter ao longo do caminho. Se as atitudes vão de um extremo a outro, de maneira crescente, a relação pode não ser aconselhável, principalmente quando apresenta desvalorização da autoestima do outro”. Ao Vida & Ação, Carla esclareceu outras questões:
Quando uma mulher sofre violência física e psicológica e permanece na relação é necessário se analisar o histórico desta mulher. É possível que ela tenha vivido uma situação de violência na fase infantil. E isso, pode desencadear uma dependência afetiva desta pessoa dominadora. Uma das características desta mulher é a baixa auto estima. Que faz o dominador levar vantagens no domínio desta mulher. Porque ele sempre pede perdão e diz que não fez por mal. Após o episódio violento de qualquer espécie ele tenta se retratar com a mulher fazendo tudo que ela deseja e espera de um bom marido. Por isso, a mulher começa a se sentir culpada porque acredita neste suposto arrependimento.2 – É possível atribuir o ciúme doentio a um transtorno patológico? Se positivo, há tratamento?
Sim. Quem ama não maltrata a pessoa amada. Não faz a pessoa amada se sentir humilhada. É o que chamamos de ciúme patológico, transtorno este que o indivíduo tem um comportamento compulsivo. Acredita que a maior parte das atitudes da pessoa amada é com intenção de enganá-lo. E com isso, irá ocorrer uma traição. Há tratamento através da psicoterapia individual e se necessário de casal. E também através de medicação para controle dos impulsos e da ansiedade.
3 – Diz o ditado: ‘em briga de marido e mulher ninguém mete a colher’. Você concorda?
É um ditado bastante popular. Que eu acredito que uma das interpretações deste ditado é que o casal possa ter uma privacidade para conversarem e discutirem sobre a própria relação a dois. Quando o casal não conversa sobre as próprias dificuldades haverão muitas dúvidas e isso pode abrir espaço para especulações de familiares e amigos que não estão vivendo com eles o dia a dia. Mas claro, a este familiar ou amigo que venha presenciar ou ter a suspeita de que no relacionamento do casal esteja ocorrendo à prática de violência física. O melhor é conversar primeiro com a vítima para se saber melhor o que verdadeiramente está acontecendo.
4 – Há realmente mulheres que “gostam de apanhar”?
Não acredito que esta colocação tenha algum fundamento. Apanhar com atos de violência e humilhações que a pessoa se sinta frustrada e com possibilidade de criar fobias e até e até Depressão. Assim, não é uma forma saudável de se viver.
5 – Como e quando estabelecer limites?
Para o indivíduo permitir uma relação abusiva na sua vida, é provável que ele tenha tido um modelo dessa relação na fase infantil. Em casos assim, a ajuda psicológica é fundamental para ambos. Tanto para a pessoa dominadora quanto o indivíduo que está sendo dominado. Infelizmente numa relação como esta pode ocorrer um homicídio como um suicídio.7 – Há uma tendência maior em abusos entre casados?
Uma relação abusiva independe do lado financeiro e do status do relacionamento seja casado, “ficante” ou namorado. Não podemos nos deixar ser movidos por uma questão do senso comum, que os homens são sempre mais dominadores e as mulheres mais emotivas. Esses rótulos precisam ser quebrados, para que o lado emocional não seja influenciado e atos descontrolados não venham ser justificáveis.
Riscos de transtornos psiquiátricos
Pessoas que passam por qualquer tipo de violência têm riscos de desenvolver transtornos psiquiátricos, trazendo danos à sua estrutura mental. “O tratamento psicológico para essas vítimas é essencial, pois vai auxiliar no entendimento dos fatos e na ressignificação de suas vidas. A sensação de menos valia e culpa é comum nesses casos e trabalhar em cima disso é um dos pontos da psicoterapia”, diz Edyclaudia Gomes de Souza, membro da Sociedade Brasileira de Psicologia-RJ.
Mas o que leva uma mulher a se manter tanto tempo numa relação violenta? “Os fatores são diversos como o medo das ameaças do parceiro e a vergonha de procurar ajuda são itens muito relevantes. A sensação de culpa e fracasso na escolha do par amoroso, o receio de sofrer discriminação e preconceito e a esperança de que o parceiro mude”, explica a psicóloga. Segundo ela, a mulher se sente isolada já que é comum não comentar as agressões com ninguém, e a maioria das vítimas possui uma dependência econômica e tem medo de perder a guarda dos filhos.
“Já que as mulheres são os alvos principais, os agressores se aproveitam da vulnerabilidade da pessoa para espancá-las ou humilhá-las. Os filhos, por viverem no ambiente familiar violento, podem se tornar jovens “problemáticos”, com comportamentos inadequados na sociedade como resposta à violência presenciada na infância. Chegam mesmo a ter dificuldades em manter relações afetivas ou empregos, sofrem com o mau entendimento de si mesmos e distúrbios psiquiátricos”, explica a psicóloga.
Uma em cada três brasileiras sofreu violência em 2016
A proposta de Walcyr Carrasco, autor da novela, é tratar o tema com muita profundidade e seriedade, colocando de forma realista para servir de conscientização de que muitas vezes a violência contra a mulher está dentro de casa. Pesquisa do Datafolha divulgada este ano mostra que uma em cada três mulheres sofreram algum tipo de violência no Brasil em 2016, sendo que 43% das mulheres em situação de violência sofrem agressões diariamente; 35%, a agressão é semanal e em média, a cada 11 minutos uma mulher é estuprada em nosso país.
Edyclaudia Gomes de Souza explica que o termo violência contra a mulher trata da violência contra o sexo feminino, pela simples condição de ser mulher. Já o termo violência doméstica é a que ocorre dentro de casa, nas relações entre as pessoas da família, também chamada violência intrafamiliar. A psicóloga acrescenta a importância em se apontar o fundamentalismo religioso e o despreparo da família e da sociedade para tratar o assunto.
No dia 25 de novembro a Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas comemora em todo mundo o Dia Internacional da Não-Violência Contra a Mulher, onde se incitam reflexões sobre a situação de violência em que vive considerável parte das mulheres em todo o mundo. A Lei nº 11.340/06, também conhecida como Lei Maria da Penha, estabelece providências legais para maior proteção à mulher em situação de violência doméstica e familiar, evitando que ela seja atendida de maneira inadequada. Para denunciar a violência, a vítima pode procurar o Ministério Público da sua cidade ou ligar para a Central de Atendimento a Mulher 180.
Fontes: Carla Ribeiro e Edyclaudia Gomes de Souza