Já virou tradição: basta as temperaturas lá fora subirem para que comecem as discussões dentro das empresas e, até mesmo dentro de casa. É que ao longo do verão muita gente opta pelo uso de ventiladores e aparelhos de ar-condicionado para ajudar a refrescar o ambiente. Mas é bom ficar alerta: o ar-condicionado sem a devida limpeza e manutenção pode causar doenças respiratórias e até uma pneumonia grave, causada pela Legionella pneumophila, bactéria que pode levar à morte.

“Esses aparelhos podem causar o ressecamento das vias aéreas e, com isso, diminuem as defesas naturais do corpo. Fica mais fácil desenvolver resfriados e doenças respiratórias, como rinite, sinusite e até pneumonia”, alerta a médica Maura Neves otorrinolaringologista da Associação Brasileira de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico-Facial – ABORL-CCF.

Com as vias aéreas ressecadas, as mucosas deixam de filtrar vírus e bactérias que acabam entrando no organismo. Manter a hidratação em dia é essencial ao longo de todo o ano, mas sob o risco de ressecamento das mucosas, é preciso redobrar a atenção com a quantidade de líquidos ingerida.

O choque térmico causado pela diferença de temperatura interna e externa também não faz bem. “O ideal é manter o ambiente a uma temperatura de 23°C. Nunca abaixo ou acima disso”, diz Dra. Maura, que destaca que esta é uma indicação da própria Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e vale para o carro, casa e trabalho.

“O ventilador, quando sujo, acumula poeira, ácaros, fungos, vírus e bactérias que podem ser nocivos à saúde. Usá-lo sem a correta higienização pode desencadear espirros e até crises mais sérias”, diz.

Risco de bactéria letal em dutos de ar-condicionado

No verão de 2023, a Argentina confirmou a causa de quatro falecimentos e 11 infecções por uma pneumonia até então misteriosa. A bactéria Legionella, que pode se espalhar por encanamentos de água doce ou dutos de ar-condicionado, por exemplo, foi identificada como fonte do surto.

O pneumologista Gleison Guimarães alerta que as resoluções de vigilância sanitária não citam a bactéria, o que pode esconder muito mais casos do que os relatados, não apenas na Argentina, como no mundo. Ele lembra que, em meados dos anos 1990, por exemplo, a limpeza dos equipamentos de ar ganhou notoriedade na mídia brasileira, como preocupação com a saúde da população.

“Foi em meados de 1998, em rede nacional, horário nobre, no principal programa jornalístico da televisão brasileira, que o então ministro da Saúde, José Serra, anunciou que iria formar um grupo de estudo para publicar uma legislação que obrigasse os responsáveis por sistemas de ar-condicionado em todo o País a mantê-los limpos para que não fizesse mal à saúde da população brasileira”, relembra o especialista.

Isso porque a infecção pela Legionella pneumophila  pode trazer dificuldade para respirar, falta de ar e dor no peito, entre outros sintomas — daí a necessidade de ser identificada e tratada por um pneumologista ou clínico geral, evitando possíveis complicações. Sinais como esses e outros podem surgir até dez dias após o contato com a bactéria.

Por que a bactéria se instala no ar-condicionado?

Apesar de a contaminação acontecer por diferentes meios, o médico destaca que o aparelho de ar-condicionado sem a devida limpeza e filtros segue sendo um dos maiores potenciais para proliferação e difusão da bactéria.

“Tem também a torre de resfriamento do sistema de água de condensação, muito utilizada em prédios comerciais, shopping centers, hospitais e sistemas de médio e grande porte em todo o mundo. Nesse local, o micro-organismo encontra condições favoráveis para seu crescimento e uma grande dispersão de vapor de água pelo processo de evaporação causado nesse equipamento, considerado um trocador de calor”, explica.

Considerando o cenário, as torres de resfriamento devem ficar pelo menos dez metros distantes da captação de ar exterior do sistema de climatização do prédio, conforme NBR 16.401 da ABNT, além de longe da circulação de pessoas.

Quando os cuidados são tomados e os aparelhos que podem ser criadouros de bactérias recebem a manutenção correta, ela não cresce e nem se prolifera. Mas, quando em contato com as pessoas, a Legionella pode causar dois tipos de problemas.

O primeiro é benigno e pode ser comparado à gripe, com sintomas leves que desaparecem entre dois e cinco dias e sem tratamento. O segundo é comum entre pessoas com a saúde mais fragilizada e traz uma infecção pulmonar que chega a ser fatal em 15% dos casos.

Primeiro surto em 1976, em hotel nos EUA

Apesar de a negligência com o tratamento dos equipamentos que trabalham com circulação de água ser o principal fator para que a bactéria se desenvolva, o setor hoteleiro tem uma história antiga com o problema. O primeiro surto documentado foi em 1976, no Hotel Bellevue Strafford, na Filadélfia.

Foi o impulso para que, dez anos depois, fosse iniciada a colaboração internacional de vigilância na Europa, com a formação do European Working Group for Legionella Infections. Em 1987, foi implantada a vigilância europeia de infecções por Legionella em viagens.

De acordo com o pneumologista, os usos típicos em um hotel que representam risco podem ser bastante variados. Os pontos críticos tradicionais incluem os sistemas de resfriamento (especialmente torres e condensadores evaporativos), fan coils, unidades de tratamento de ar e os chuveiros (tanto os das acomodações quanto dos chuveiros para os colaboradores).

“Contudo, há outros sistemas, dependendo da complexidade do empreendimento, que também devem ter atenção. São eles duchas para piscinas, spas, jacuzzis, fontes decorativas em lobbies e áreas externas, sistema de irrigação para áreas ajardinadas, entre outros”, destaca o especialista.

Prevenção

Para evitar que doenças sérias comprometam os dias quentes, Dra. Maura sugere organização e planejamento. Dessa forma, é possível, semanas antes das grandes ondas de calor chegarem, realizar a higiene adequada tanto nos filtros do ar-condicionado quanto nas hélices e grades do ventilador.

Além de higienizar corretamente os aparelhos antes do uso e caprichar no consumo de água durante o verão, o uso de soro fisiológico 0,9% para lavar as narinas faz toda a diferença na hora de evitar o ressecamento das mucosas e a contaminação por micro-organismos.

“O soro pode ser nebulizado diretamente nas narinas, por meio de aplicador próprio da embalagem ou conta-gotas, ou ainda ser vaporizado no inalador por 15 minutos por dia – pela manhã e antes de dormir”, orienta Dra. Maura.

Doenças associadas

Algumas enfermidades podem ser desencadeadas pelo mau uso do ventilador ou do ar condicionado:

Doença do Legendário: um tipo de pneumonia bem grave causada pela bactéria Legionella pneumophila. A doença desenvolve-se entre 2 a 10 dias depois de se respirar ar quente e húmido contaminado.

Asma: é uma doença inflamatória crônica nas vias respiratórias. Causa falta de ar, cansaço, chiado, aperto no peito e grande mal-estar.

Rinite: quando alérgica, infecciona a mucosa nasal e causa sintomas parecidos com os da gripe, como espirros, coriza fluída, coceira nas vias aéreas, congestão nasal, irritação nos olhos etc.

Com Assessorias

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