O médico “S” — o nome do profissional foi omitido por questão de segurança – atuava com treinamento de primeiros socorros para o Exército no Afeganistão, mas teve que fugir do país. “Decidi me candidatar a um visto humanitário para o Brasil e que foi aceito. Escolhemos São Paulo porque minha esposa está lutando contra um câncer e sabíamos que aqui seria possível continuar o tratamento”, relata.
Ele é um dos afegãos atualmente abrigados na Casa de Passagem Terra Nova de Guarulhos (SP), inaugurada em fevereiro e que já acolheu 142 refugiados. S. pretende permanecer no Brasil para atuar como médico pediatra e retribuir a atenção e o cuidado recebidos no país.
“Para isso, tenho me empenhado nas aulas de português, que são ministradas diariamente no abrigo”, diz. Porém, ele não esconde o desejo de, um dia, poder retornar ao Afeganistão em segurança. “Mas somente se a situação política se modificar e não houver mais risco para a minha família.
O Brasil tem sido a esperança de reconstrução da vida de muitos refugiados, especialmente venezuelanos e afegãos. Desde o início do ano, São Paulo atendeu, acolheu e encaminhou cerca de 800 refugiados afegãos. O médico S. elogia a forma como ele, a mulher – vítima de câncer – e os cinco filhos foram recebidos após a saída do Afeganistão, em abril deste ano.
‘Encontramos atendimento humanizado e carinho’, diz afegão
“Minha família e eu recebemos acolhimento, alimentação e apoio para acesso aos serviços públicos. Encontramos um atendimento humanizado e muito carinho por parte da equipe”, afirma.
O afegão ainda relata que sua família está recebendo ajuda de técnicas e educadoras para necessidades cotidianas. “Por exemplo, meus filhos estão na escola e recebem apoio em contraturno para as atividades escolares”, diz.
Inaugurada em fevereiro deste ano em resposta à crise humanitária dos refugiados, especialmente vindos do Afeganistão, a Casa de Passagem Terra Nova Guarulhos abriga atualmente 48 afegãos, sendo oito famílias e 13 crianças. A iniciativa zerou o número de afegãos que estavam acampados no Aeroporto Internacional de Cumbica naquele momento. As duas vagas remanescentes estão em quartos ocupados por famílias.
‘No Brasil, tenho esperança no futuro’, diz afegão
A situação dos refugiados no Brasil não vem de agora. M. A., afegão de 32 anos que está no Brasil desde 2021, é um dos mais de 4.100 refugiados e migrantes acolhidos nos Centros de Acolhida e Integração da Organização das Nações Unidas (ONU) desde 2018 no Brasil. Ele conta por que teve que deixar seu país de origem e buscar abrigo no Brasil.
“Eu atuava como professor assistente de agricultura e ajudava as mulheres nos estudos. Minha atividade não foi bem-vista pelo novo regime e tive que buscar refúgio em outros locais. No Brasil, tenho esperança no futuro, quero aprender a língua portuguesa o quanto antes para entrar no mercado de trabalho e sustentar minha família”, comenta.
O propósito da ONU é promover a autonomia destas famílias, fornecendo aulas de português, capacitação profissional, inserção das crianças no Ensino Regular e cuidados de saúde, com o apoio de serviços públicos. A Organização acompanha e auxilia os migrantes em processos de obtenção de documentos, validação de diplomas e renovação de vistos, em parceria com outras instituições especializadas em ajuda humanitária.
Dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), do Ministério do Trabalho e Previdência, apontam que cerca de 500 cidadãos se encontram empregados formalmente no país, sendo 37,1% mulheres. Em relação à escolaridade, a maioria (75% dos homens e mulheres) possui Ensino Médio completo e 13% têm ensino superior completo ou em andamento.
Venezuelanos têm 65% menos chances de conseguir emprego
Os desafios enfrentados pelos migrantes no Brasil são significativos e os vizinhos vindos da Venezuela são os que mais sofrem. Segundo a ACNUR, os venezuelanos têm uma probabilidade 64% menor de conseguir emprego em relação aos brasileiros, mesmo possuindo níveis de educação similares. Além disso, as crianças venezuelanas têm 53% menos chances de frequentar a escola.
“Saí da Venezuela só com R$ 100 no bolso, a indicação de um amigo com lugar para morar em Boa Vista (RR) e sem saber o idioma direito. Me candidatei para diversas vagas de emprego e passei pela situação de ter o currículo rasgado na minha frente ao dizer que era venezuelano”, conta Pedro Luis Zamora Malave, 25, venezuelano que está no Brasil desde 2018.
Apesar da dificuldade relatada pelo jovem venezuelano, hoje a realidade é bem diferente. Acolhido na Aldeias Infantis SOS do Rio de Janeiro, ele acabou sendo contratado pela ONU e hoje integra a equipe do Núcleo de Apoio às Famílias naquela localidade, contribuindo ativamente para o fortalecimento das famílias que residem na região do Morro do Banco, na Barra da Tijuca.
Um levantamento realizado pela Organização Internacional para as Migrações (OIM) revelou que apenas 9% dos venezuelanos que ingressam no Brasil por Roraima conseguem um emprego formal nas primeiras semanas após a chegada, antes de se dirigirem a outros destinos.
O mesmo estudo destaca que 59% dos refugiados e migrantes venezuelanos estão desempregados e um em cada três enfrenta dificuldades para obter alimentação adequada. Além disso, 29% dos venezuelanos possuem alguma formação especializada, com 15% tendo frequentado uma universidade, embora sem concluir o curso. O relatório também ressalta que 61% dos entrevistados concluíram ou pelo menos iniciaram o ensino médio.
Mundo tem 35,3 milhões de refugiados
O Dia Mundial do Refugiado, que ocorre anualmente em 20 de junho, foi estabelecido pela Organização das Nações Unidas (ONU) para homenagear as pessoas que foram forçadas a deixar seus países de origem devido a conflitos armados, crises humanitárias ou catástrofes climáticas.
São considerados refugiados aqueles que, em razão de perseguição por motivos de raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opiniões políticas, encontram-se fora de seu país de origem.
De acordo com dados recentes do Alto-comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), existem aproximadamente 108,4 milhões de pessoas em todo o mundo foram forçadas a deixar suas casas. Entre elas estão 35,3 milhões de refugiados, sendo metade deles crianças e adolescentes.
A Aldeias Infantis SOS é uma das referências no Brasil no acolhimento de famílias em situação de refúgio, trabalho reconhecido pelo Acnur, que está como parceiro da ONU na assistência aos refugiados desde 2018. A ONG vem concentrando esforços no programa “Brasil Sem Fronteiras”, que tem foco no acolhimento e na assistência de famílias venezuelanas e afegãs, em situação de refúgio ou migração.
Como funciona a Casa de Passagem em São Paulo
Vinculada à Secretaria de Estado do Desenvolvimento Social, a Casa de Passagem Terra Nova Guarulhos funciona como um ponto de apoio ao posto humanizado da Prefeitura de Guarulhos. Seu objetivo é oferecer abrigo e apoio para estrangeiros em processo de integração à sociedade no Brasil. Os refugiados recebem suporte para acessar serviços e políticas públicas, como benefícios de assistência social e acompanhamento médico.
Com funcionamento 24 horas, a casa oferece apoio social, psicológico e jurídico, com atividades de convivência, pedagógicas e culturais. Além disso, o abrigo tem cursos de português de segunda a sábado, auxiliando os refugiados a aprender o idioma local e facilitando a adaptação ao país. Essa iniciativa dá condições para que os refugiados tenham melhores oportunidades de inserção social e autonomia.
Para marcar o Dia Mundial dos Refugiados nesta terça-feira (20), haverá uma ação voltada às crianças refugiadas, com a presença da ONG Palhaço Sem Fronteiras. O grupo realiza apresentações com pedagogia especializada no atendimento a crianças em situação de crise humanitária.
Outras ações – Além da Casa de Passagem em Guarulhos, o Governo do Estado oferece a Casa de Passagem Terra Nova 1 – localizada na zona leste da capital, com 50 vagas, e cinco repúblicas para refugiados com 10 vagas cada uma, totalizando 50 vagas. O restaurante Bom Prato de Guarulhos também fornece refeições a refugiados que permanecem no aeroporto.
Foram investidos R$ 2,5 milhões na abertura da Casa de Passagem Terra Nova Guarulhos e em imóveis compartilhados por refugiados na capital. O abrigo faz parte da Proteção Especial da Assistência Social e é gerido pela OSC Asbrad -Associação Brasileira de Defesa da Mulher da Infância e da Juventude.
Avião Solidário já foi abrigo temporário para quase 200 pessoas
Há mais de 10 anos o programa Avião Solidário, da ACNUR, coloca à disposição da América do Sul toda a sua experiência logística e conectividade para o transporte gratuito de pessoas, animais e cargas em emergências de Saúde, Meio Ambiente e Desastres Naturais. No Dia Mundial do Refugiado, a Latam celebra o primeiro ano de sua parceria com a agência para refugiados da ONU, que já resultou no apoio a mais de 3 mil pessoas com o transporte gratuito de 61 toneladas de ajuda humanitária pelo Avião Solidário.
No Brasil, desde abril de 2022, quando a parceria foi firmada, 48 unidades habitacionais foram transportadas e serviram de abrigo temporal para cerca de 190 pessoas. Também foram entregues mais de 7 toneladas de kits de higiene, fraldas e roupas para os refugiados no país. Todas essas cargas tiveram como destino as cidades que mais recebem pessoas refugiadas no Brasil, como Manaus, Boa Vista, Rio Branco, São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Curitiba e Porto Alegre.
As cargas são transportadas gratuitamente pelas afiliadas da Latam Cargo. No último mês de junho, a parceria entre Latam e ACNUR resultou em um feito histórico: o transporte de 600 tendas da Colômbia até o Panamá, totalizando 40 toneladas, que servem de abrigo temporário para milhares de refugiados que chegam à região. Já no Chile, durante todo o período foram transportadas 2 toneladas de lonas plásticas impermeáveis usadas também para a construção desses abrigos.
Para José Samaniego, diretor geral da ACNUR para as Américas, a parceria pode motivar outras empresas latino-americanas a se unirem para apoiar milhões de pessoas refugiadas e deslocadas em todo o mundo em meio à crise migratória sem precedentes que enfrenta a região.
“Essa parceria tem ampliado nossa capacidade de fazer a diferença na vida das pessoas refugiadas e de outras populações vítimas de guerras, conflitos e violações dos direitos humanos, entregando assistência e soluções especialmente para aquelas que se encontram em situações de maior vulnerabilidade. Buscamos garantir que essas pessoas estejam salvas e recebam o apoio necessário para refazer suas vidas”, afirma.
Ao longo desta terça-feira (20), clientes que voam pela Latam recebem mensagens da companhia de conscientização sobre a causa lidas pelos comissários de bordo antes da partida dos voos.
“O programa Avião Solidário permite que a Latam atue em conjunto com a sociedade e esteja cada vez mais próxima e ativa nas comunidades onde opera. Desta forma, tornamos nossa empresa em um ativo social, ambiental e econômico para a região” afirma Johanna Cabrera, gerente de Sustentabilidade do grupo Latam.
Com Assessorias GovSP, Aldeias Infantis e Latam