Dia desses recebi uma mensagem urgente de um conhecido pelo Whatsapp: me perguntava se eu sabia onde poderia encontrar a vacina da Pfizer. Moradora de um bairro distante da Zona Oeste, ele peregrinou por vários drive-thurs do Rio de Janeiro até conseguir encontrar a sua “vacina de estimação” num posto de vacinação na Zona Sul da cidade, bem longe da sua casa.
Fiquei chocada. Apesar de saber de inúmeros casos de pessoas que estão “se dando ao luxo” de escolher vacina nesses tempos escassos, não acreditava que uma pessoa esclarecida do meu círculo de amigos pudesse pensar de forma tão egoísta. Por que escolher qual imunizante tomar em meio à nossa dramática pressa pela imunização coletiva, que vai nos permitir respirar aliviados nessa pandemia?
Perguntei por que ele só queria tomar a vacina da Pfizer – a mesma que o presidente da República (candidato em que ele votou no segundo turno das eleições de 2018) preteriu, a exemplo da Coronavac, a qual chamava de ‘vachina’ do Dória. Ele explicou que pretendia viajar para fora do Brasil – coisa que ainda não conseguiu fazer no atual governo com o dólar na estratosfera – e que as demais vacinas não eram bem aceitas em outros países.
Retruquei, informando que todos os imunizantes disponíveis no Brasil são reconhecidos lá fora – inclusive a Coronavac, a vacina que a mãe dele recebeu em duas doses. Meu amigo desconversou, disse que não queria polemizar ou polarizar em torno dessa “narrativa”, palavrinha bem conhecida no universo bolsominion. Apenas era a vacina da sua “preferência” e que estava feliz e aliviado por ter conseguido a dose da Pfizer.
Provavelmente, recebeu ajuda dos amigos de grupos de Whatsapp dedicados a “dar uma forcinha” aos ‘sommeliers’. E não estranhem se criarem em breve um aplicativo, tipo o da ‘Lei Seca’, que indicava a motoristas que abusavam do álcool os caminhos para fugir da blitz. É o famoso e daninho ‘jeitinho brasileiro’, que, neste caso, revela a completa falta de empatia de uma fatia da população mais preocupada com a grife da vacina do que com a imunidade coletiva.
O exemplo pessoal serve apenas para ilustrar o aumento crescente dos chamados “somelliers de vacinas”, que se multiplicam em todo o país desde que passamos a ter mais opções de imunizantes. Na maioria, são bolsominions negacionistas que até já negaram a vacina – ou a tomam escondido – mas se acham no direito de escolher com qual imunizante querem encarar esse inimigo invisível, potencializado pelas novas variantes.
O fato é que muita gente querendo tomar a vacina da Pfizer ou da Janssen se esquece que “vacina boa é vacina do braço”. E mais: qualquer uma delas foi aprovada pela Anvisa, que está no topo entre as melhores agências de vigilância sanitária no mundo. Além disso, é importante mencionar casos de cidades que conseguiram zerar o número de casos e óbitos de Covid-19 graças à vacinação. E detalhe: apenas com doses da Astrazeneca e Coronavac, que têm sido as mais rejeitadas entre os sommeliers.
Cidades tomam medidas contra “sommelier de vacina”
Em algumas cidades, em apenas um dia, foram registrados mais de 200 casos de recusa da vacina. São pessoas que queriam escolher qual imunizante seria aplicado e desistiram na hora ao saber que não seria a dose que desejava. Diante do aumento dos casos, prefeituras e governos estaduais vêm adotando medidas aplaudidas pela grande maioria da população.
As cidades de São Bernardo do Campo e São Caetano do Sul, resolveram mandar para o final da fila quem quer escolher vacina. Outras 7 cidades do interior de São Paulo determinam que quem se recusar a receber a vacina disponível no post deve assinar um termo de responsabilidade e esperar que toda a população acima de 18 anos seja vacinada para então receber o imunizante de sua preferência – se estiver disponível.
Diante dos casos cada vez mais comuns de negativas de vacina pelas pessoas, algumas prefeituras têm tomado medidas intensas. Em São Bernardo do Campo, na Grande São Paulo, quem se recusa a tomar a vacina na tentativa de escolher uma farmacêutica, tem que assinar um termo de responsabilidade e é colocado automaticamente no fim da fila. A medida fez o número de recusas cair drasticamente, saindo de 222 para 20 por dia.
Também no Twitter, o prefeito Orlando Morando comentou a iniciativa: “Aqui em São Bernardo é assim: vacinar é um direito seu, ninguém faz nada obrigado. Mas também é um direito nosso te colocar no fim da fila, porque a vacina está disponível, você não vai tomar porque não quer. Escolher vacina nós não vamos permitir”.
A cidade de Imbu das Artes decidiu bloquear temporariamente o agendamento de quem escolher vacina – nova chance só quando a faixa etária for liberada. A cidade de SP informou que não adotou medidas para conter os somelliers porque ainda registra um número baixo de recusas de vacinas.
No Twitter, o prefeito de Recife, João Campos, informou que quem se recusar a receber o imunizante será bloqueado. “Vacina boa é vacina no braço. Quem se recusar a receber o imunizante contra a Covid-19 no centro de vacinação terá o agendamento bloqueado por 60 dias. Cada pessoa vacinada ajuda a salvar muitas vidas. É inaceitável atrasar o processo coletivo por querer escolher marca”, explicou o prefeito.
Para advogados criminalistas, a medida tomada pelos municípios é viável e surge como alternativa, já que não pode obrigar ninguém a ser vacinado. mas não significa que não possa impedir, sob o ponto de vista legal. Esta, no momento, é a melhor saída para prefeituras e estados, mas o melhor caminho mesmo é a conscientização, pouco importa a marca do imunizante.
Projeto de lei oficializa o ‘fim da fila’
Projeto de lei apresentado no dia 2 de julho pelo deputado federal Célio Studart (PV-CE) determina que aqueles que se recusarem a se vacinar contra a Covid-19 por preferirem outro imunizante sejam colocados no final da fila. A justificativa do projeto é que mesmo diante de um cenário de escassez de vacinas e com o andamento arrastado do Plano Nacional de Imunização, essas pessoas, apelidadas de “sommeliers da vacina”, negam-se a serem imunizadas e acabam atrasando ainda mais o processo de vacinação em massa.
Destaca ainda que todas as vacinas disponíveis tiveram liberação de uso pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária, considerada uma das mais rígidas do planeta. A Anvisa avalia estudos com embasamento científico, liberando apenas imunizantes comprovadamente eficazes e seguros.
Nunca tinha visto ninguém ficar escolhendo vacina. Alguém questiona a marca da vacina da gripe? Agora, em meio a uma pandemia, com mais de 520 mil mortos, com a dificuldade que estamos enfrentando pela escassez de imunizantes, tem gente querendo escolher? Pode até fazer isso, mas vai fazer do final da fila”, argumentou Célio Studart.
Com a proposta, aqueles que comparecerem ao estabelecimento de saúde para se vacinar e recusarem a aplicação do imunizante disponível não poderão ser vacinados até que todo o calendário do PNI seja cumprido. A recusa será documentada por um termo, que deverá ser assinado pela pessoa ou por duas testemunhas no local e deverá ser incluído nos sistemas disponibilizados pelo Ministério da Saúde.
Preocupação com a variante Delta
A meta do governo americano era vacinar 70% da população até o dia 4 de julho e o não cumprimento gera ainda mais preocupação quando se vê o crescimento de casos pela variante Delta no país. Estimativa-se que ela seja a responsável pelo maior número de casos por lá e, no Brasil, os primeiros casos foram observados há cerca de 30 dias e já foram registradas duas mortes. Nesta semana, a variante indiana do Coronavírus foi identificada pela primeira vez em um paciente da cidade de São Paulo.
Se nos EUA uma parte considerável da população ainda não escolheu se vacinar, seja por desinformação ou por questões políticas, no Brasil a disponibilidade de vacinas ainda é o principal problema, mas há também o medo que a descrença nos imunizantes prejudique a cifra mágica de 70% de vacinados, considerada necessária para se atingir a proteção da população.
Para o pneumologista do HC-FMUSP e professor de pós-graduação da Sanar, Felipe Marques, esses pensamentos são arriscados e podem trazer consequências graves. “Não se vacinar ou ficar escolhendo vacina é uma decisão que afeta a todos, cada dia perdido é mais uma chance das variantes se fortalecerem e o Brasil não pode permitir que aconteça uma terceira onda”, explica o especialista.
Nas redes sociais e nas filas dos postos de vacinação, é comum ouvirmos relatos de pessoas que estão tentando “escolher a vacina” na hora de se imunizar. “É importante lembrar que todas as vacinas aplicadas aqui têm eficácia acima de 50%, que é o recomendado pela Organização Mundial de Saúde”, destaca o médico e professor.
Sobre as pessoas que estão optando por não se vacinar esperando uma vacina que consideram “melhor”, a opinião do especialista é bem direta. “Adiar o recebimento da primeira dose significa se manter exposto, inclusive a variantes mais graves, sem nenhum tipo de proteção adicional, portanto é uma péssima escolha, além de não haver coerência científica ou racional”, finaliza.
Com Agências e Assessorias