Cristina Azevedo (Agência Fiocruz de Notícias)
Um estudo de pesquisadores da Universidade de Oxford indica que o risco de ocorrer trombose venosa cerebral (CVT, no acrônimo em inglês) em pessoas com Covid-19 é consideravelmente maior do que nas que receberam vacinas. Embora a magnitude do risco não possa ser quantificada com certeza, o risco após a Covid-19 é aproximadamente de 8 a 10 vezes o relatado para as vacinas, e cerca de 100 vezes maior em comparação com a taxa da população.
A pesquisa avaliou 513.284 casos de Covid-19 confirmados, em comparação com 489.871 pessoas recebendo vacinas baseadas na tecnologia de RNA mensageiro (mRNA), como os imunizantes da Pfizer, Moderna e Oxford/AstraZeneca – este último produzido no Brasil pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).
O aumento do índice de CVT com a Covid-19 é notável, sendo muito mais marcante do que os riscos aumentados para outras formas de acidente vascular cerebral e hemorragia cerebral. Os dados de trombose da veia porta (PVT) destacam que a Covid-19 está associada a eventos trombóticos que não se limitam à vasculatura cerebral.
O trabalho reuniu os pesquisadores Maxime Taquet, John R. Geddes, Paul J. Harrison (os três do Departamento de Psiquiatria da Universidade de Oxford e da Oxford Health NHS Foundation Trust), Masud Hussain (Departamento Nutfield de Ciências Clínicas da Universidade de Oxford e da Oxford University Hospitals NHS Foundation Trust) e Sierra Luciano (TriNetX, de Cambridge, Massachusetts).
Outros efeitos da doença
Usando uma rede de dados eletrônicos de saúde e da Agência de Medicamentos Europeia (EMA), eles analisaram a incidência de CVT e de PVT em pacientes duas semanas após o diagnóstico de Covid-19, comparando-os com casos associados à influenza e às vacinas.
A análise dos dados da TriNetX Analytics – que abrange 59 organizações de saúde, basicamente nos EUA — mostra que a incidência de CVT em pessoas infectadas pelo Sars-CoV-2 é de 39 para cada milhão de pessoas, bem acima dos observados naqueles que receberam as vacinas da Pfizer e da Moderna (4,1 por milhão). No caso da gripe, nenhum caso foi observado. Para o PVT, a incidência foi de 436,4 por milhão em pacientes com Covid-19; 98,4 por milhão após a influenza e de 44,9 após as duas vacinas.
Os testes laboratoriais de pacientes que contraíram o Sars-CoV-2 fornecem ainda indícios sugestivos “de dímero D elevado, fibrinogênio reduzido e uma taxa elevada de trombocitopenia” nos grupos que sofreram CVT e PVT, com uma taxa de mortalidade de 20% e 18,8%, respectivamente.
Esses dados mostram que a incidência de CVT cresce significativamente após a Covid-19, e é maior do que a observada em relação às vacinas BNT162b2 [Pfizer/BioNTech] e mRNA-1273 [Moderna]”, diz o estudo, referindo-se aos imunizantes mais aplicados no território americano.
A pesquisa destaca que “o risco apresentado pela Covid-19 é também maior do que a última estimativa da Agência Europeia de Medicamentos associada à vacina ChAdOx1 nCoV-19 [Oxford/AstraZeneca, 5 casos por milhão de pessoas], o que, segundo a pesquisa, ajuda a contextualizar riscos e benefícios dos imunizantes.
Sobre a preocupação de uma possível ligação entre as vacinas e a trombose venosa cerebral, e a suspensão por alguns países da aplicação dos imunizantes da AstraZeneca e da Janssen em determinadas faixas da população, o documento observa que “um componente-chave do cálculo de risco-benefício ainda é atualmente desconhecido: o risco absoluto de CVT após um diagnóstico de Covid-19”.
Com base na rede eletrônica, o estudo abrangeu um corte de pacientes que tiveram o diagnóstico confirmado de Covid-19 entre 20 de janeiro de 2020 e 25 de março deste ano, identificando outros problemas, como dímero D elevado, fibrinogênio reduzido e uma taxa elevada de trombocitopenia duas semanas após o diagnóstico da doença. Para comparação, também foram observadas as taxas de CVT e trombose esplâncnica em pessoas que receberam a vacina da AstraZeneca, com base em dados da EMA.
Dos 513.284 pacientes incluídos no estudo, 54,8% eram mulheres com idade média de 46,6 anos. Do número total pesquisado, 20 sofreram CVT nas duas semanas seguintes ao diagnóstico de Covid-19. O risco foi significativamente mais alto em pacientes com histórico de doença cardiovascular.
Entre os 20 casos, seis foram observados em pacientes com menos de 30 anos; quatro entre 30 e 39 anos; dois entre 40 e 49; dois entre 50 e 59; três entre 60 e 69; e três entre 70 e 79. Entre os que tomaram vacina foram observados dois casos: um que recebeu o imunizante da Pfizer e outro sobre o qual não foi possível precisar se recebeu Pfizer ou Moderna.
O risco relacionado de desenvolver CVT com a Covid-19 também foi maior do que o registrado pela EMA após a aplicação da AstraZeneca (169 casos para 34 milhões de pessoas). Em relação ao PVT, o risco também é significativamente maior: 436,4 por milhão contra 44,9 por milhão entre os imunizados.
Entre estes últimos, foram observados 22 casos: 11 após a vacina da Pfizer, dois após a Moderna e nove em que não se sabe qual o imunizante utilizado. Na Europa, os incidentes com PVT foram também maiores do que os registrados pela EMA para tromboses esplâncnicas após o uso da AstraZeneca (53 casos em 34 milhões ou 1,6 por milhão de pessoa.
O estudo destaca que os dados devem ser analisados com cuidado, já que a magnitude dos riscos de Covid-19 versus a população não é baseada em cortes combinados por idades e outros fatores demográficos. Diz ainda que não é possível concluir que as vacinas baseadas no mRNA aumentem o risco de CVT. Amostragens maiores seriam necessárias para abordar a questão.
Estudo no Brasil aponta relação da trombose com a Covid
No Brasil, um artigo publicado este mês na revista científica Memórias do Instituto Oswaldo Cruz chama a atenção para a relação entre o aumento da formação de coágulos (também chamados de trombos), que podem obstruir a circulação, e o Sars-CoV-2.
Seus autores, um grupo de dez pesquisadores, propõem que sua classificação seja mudada e que a Covid-19 seja a primeira infecção considerada uma febre viral trombótica. Atualmente, o agravo é classificado como Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG).
O estudo é assinado por especialistas em terapia intensiva, cardiologia, hematologia, virologia, patologia, imunologia e biologia molecular, que atuam em seis instituições de assistência médica e pesquisa científica no Brasil: Hospital Pró-Cardíaco, Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz), Faculdade de Medicina de Petrópolis (Unifase), Instituto Nacional do Câncer (Inca), Instituto Carlos Chagas (Fiocruz Paraná) e United Health Group. No IOC/Fiocruz, participam os Laboratórios de Virologia Comparada e Ambiental, de Aids e Imunologia Molecular, de Inflamação, de Patologia e de Imunofarmacologia.