Ensinar não é fácil. Ainda mais em tempos de Covid-19. Quantos pais passaram a conhecer melhor seus filhos durante a longa quarentena que afastou crianças, adolescentes e jovens dos bancos escolares? E quantos tiraram nota 10 na tarefa de auxiliá-los – ou motivá-los – no aprendizado remoto?

Neste artigo, o professor universitário Rodrigo Augusto Prando, pai de Henrique, um garoto de 6 anos, relata a experiência de ensinar em casa em tempos de Covid-19 e traz reflexões sobre a importância do papel do educador nos dias atuais. Afinal, será que vamos aprender a lição e passar a valorizar mais esses profissionais tão fundamentais para a nossa formação e a dos nossos cidadãos do futuro? Confira!

O dia dos professores no bojo da pandemia

Por Rodrigo Augusto Prando*

A educação é tema dos mais relevantes para a Sociologia, tanto que há todo um conjunto de teorias e autores dedicados à Sociologia da Educação. Certamente, as reflexões sociológicas nos darão, brevemente, contribuições acerca da educação no bojo desta pandemia que tomou o ano de 2020 de assalto.

A comemoração do ‘Dia dos Professores’ reclama especial atenção a este profissional que, nas mais diversas escolas e nas mais distintas fases da educação formal, estão presentes nas vidas dos alunos. Ambos – alunos e professores – são cidadãos marcados pela sociedade em que vivem, pela situação econômica, política, social e cultural do país. Professores, junto aos seus alunos, mas, também, com os funcionários das escolas e universidades, daqueles que se dedicam à faxina até as secretarias, são parte deste dia de jubilo.

A educação é um processo social, parte fundamental da socialização das crianças e jovens e, por isso, deixa marcas indeléveis em nossas vidas: positivas e algumas, infelizmente, negativas. O Brasil continua amargando posições muito ruins nos rankings internacionais que aferem a qualidade do ensino e do aprendizado. E isso só mudará com esforço coletivo, dos professores, dos alunos, da família e de toda a sociedade. Ainda não optamos pela educação como elemento de desenvolvimento de nossa Nação.

Já não bastassem todas as dificuldades cotidianas do processo educacional, cujas diferenças são evidentes entre o ensino público e o privado, fomos, todos, neste ano, forçados a repensar nossas estratégias de ensino por conta do coronavírus. Professores, em muitos casos, tiveram que se adaptar, por conta e risco, ao ensino remoto, não presencial. Muitos outros nem sequer tiveram condições de dar continuidade às aulas, já que não possuem computadores, smartphones e acesso à Internet veloz e estável.

As desigualdades – de renda, de oportunidades, regionais, entre outras – são estruturais em nossa sociedade e, na conjuntura pandêmica, se agudizaram. Professores, gestores das escolas, pais, crianças e jovens ficaram (ou ainda estão) perdidos nessa situação atípica, anormal, de atividades com aulas síncronas e assíncronas. Colegas professores – do Ensino Fundamental até o Ensino Superior – buscaram conhecer melhor as ferramentas e as plataformas que permitem uma aula não presencial, a partir de suas casas.

Muitos professores, em seus computadores, dão aulas vendo apenas sua própria imagem, pois a grande parte dos alunos, por motivos diversos e muitas vezes justos, não se sentem à vontade para “abrir” sua câmera. Um parêntesis: leciono para seis turmas neste semestre e apenas dois alunos assistem as aulas com sua câmera aberta e isso já torna minha quarta e quinta-feira mais agradáveis!

Nossas casas, o reduto da intimidade da família, foi “invadida”. Não teve jeito. São aulas ministradas do escritório, das bibliotecas, da sala, da mesa da cozinha. E, desta forma, professores se esforçaram para não deixar “a peteca cair”. Quantos pais, hoje, conhecem melhor seus filhos? O comportamento em casa, durante a aula ou na realização das tarefas, é o mesmo na escola, na sala de aula?

Eu, que decidi ser professor lá pelos 15 anos, fui colocado na berlinda pelo meu filho, com seis anos. Aqui, em casa, minha esposa e eu estamos em aula remota, muitas vezes em horários iguais e, ainda, com as lives, aulas e tarefas de nosso filho. Meus alunos, universitários, têm maior maturidade para encarar esse período que vivenciamos. Meu filho e, confesso, eu mesmo, talvez não tenhamos toda a maturidade necessária.

Logo no começo da pandemia, terminei minha aula e fui ajudar nas tarefas do meu garoto. Estudamos o Egito Antigo, fizemos uma pirâmide de papelão, fizemos um desenho e construímos ferramentas. Foi tudo bem. Depois, veio a leitura de textos curtos. Aí, a coisa desandou. Não queria ler. E eu insistindo na importância da leitura. Não lia. Fazia provocação e queria ligar a televisão.

Irritado, dei um grito: “Vai ler, sim, depois, televisão”. Assustado, meu filho questionou: “Papai, você grita assim com seus alunos?”. Fiquei sem reação, olhando para ele. Depois, respondi: “Não filho, meus alunos, na maioria das vezes, fazem o que peço e não ficam me provocando, choramingando, querendo ver televisão”.

E devolvi com uma pergunta: “Você também se comporta assim na sala de aula, com sua professora?”. E ele, calmamente, me respondeu: “Eu não. Tenho vergonha, da professora e dos meus amigos. De você e da mamãe eu não tenho vergonha, falo o que quero”.

Fui ler o que os psicólogos e especialistas em educação infantil estavam publicando. Desisti. Muitos estavam teorizando em abstrato e, concretamente, a coisa era bem mais complicada. Filho de um amigo me disse, dias atrás, que nas tarefas de matemática, o pai fica tão irritado que “a veia do olhos até pula”!

Ensinar é um ofício, com elementos racionais de planejamento de uma aula, a forma mais pertinente de abordar o conteúdo, de relacioná-lo à vida do aluno, usando a didática apropriada à idade e à realidade social que estamos inseridos. No entanto, não há racionalidade pura, já que nossas emoções e nossos valores afloram e se fazem presentes.

Com tudo isso que estamos passando, será que os pais ou a sociedade, ao terminar a pandemia, vão rever – e valorizar – o papel do professor e da escola? Sairemos, coletivamente, fortalecidos desta pandemia? Doravante, os pais ou responsáveis pelas crianças e jovens estarão mais presentes neste processo, como indicam a Constituição e o Estatuto da Criança e do Adolescente?

Quero crer que sim. Quero acreditar que essa experiência nos ajudará a melhor compreender o papel do professor e da educação na vida das pessoas. Basta querermos. Que a educação seja, para todos, algo essencial e que seja uma bússola para seguirmos pelo caminho da formação cidadã e profissional. A todos os professores meu desejo de felicidade não pelo dia de hoje, mas pela escolha profissional e pela dedicação à causa da educação!

*Rodrigo Augusto Prando é professor e pesquisador da Universidade Presbiteriana Mackenzie, do Centro de Ciências Sociais e Aplicadas. Graduado em Ciências Sociais, Mestre e Doutor em Sociologia, pela Unesp de Araraquara.

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