Os médicos têm procurado incansavelmente entender melhor a Covid-19 e os motivos que levam o vírus a se manifestar mais severamente em alguns pacientes do que em outros. A idade já foi constatada como um dos fatores mais importantes para decidir o risco de mortalidade em pacientes, mas agora a obesidade também foi identificada, conforme mostram estudos realizados na França, Estados Unidos e Reino Unido.
Coordenador do Programa de Cirurgia Bariátrica do Hospital Estadual Carlos Chagas, no Rio de Janeiro, o médico cirurgião Cid Pitombo já vinha alertando as autoridades brasileiras desde fevereiro para o alto fator de risco que a obesidade apresenta para agravamento de casos de coronavírus. “Muito se fala do cuidado para idosos, mas estamos esquecendo dos obesos. Obesidade apresenta, sabidamente, maior risco a epidemias de gripes e isso já foi comprovado nas epidemias do vírus influenza e H1N1”, afirma o especialista.
Ele explica que a obesidade tem relação direta com imunossupressão, ou seja, menor poder de reagirmos a doenças. Obesos, além disso, têm menor resposta a vacinas de gripe, hepatite e tétano, por exemplo. “É essencial que pacientes obesos tenham consciência de que são um grupo de maior risco para a doença. E que todos levem isso em consideração, já que os obesos possuem comorbidades associadas como hipertensão, diabetes e problemas cardíacos. E são hoje mais de 20% da população”, destaca Cid Pitombo.
Mas por que isso acontece? A explicação está no processo contínuo de inflamação no corpo, presente em pessoas obesas.A tese de doutorado de Pitombo na Unicamp foi justamente sobre os efeitos dos agentes inflamatórios produzidos pela gordura, principalmente pela gordura visceral, sobre a resistência insulínica e produção do diabetes, também sobre as doenças coronarianas e o fígado. “O obeso é um inflamado crônico. Por isso, vírus de alto impacto no organismo são mais graves entre os obesos por conta dessa condição da doença”, destaca.
Para o especialista, que é responsável pelo recordista em cirurgias bariátricas por videolaparoscopia no SUS, o comportamento do coronavírus no obeso brasileiro deve ser similar ao constatado nos Estados Unidos. A boa notícia é que esse risco aumentado é apenas para obesos não operados, diz o médico “Aqueles que já passaram pela cirurgia bariátrica e estão no peso da meta não pertencem a este grupo de risco. Esses pacientes na sua maioria já resolveram as doenças associadas como diabetes e hipertensão, por conta da cirurgia, e tem risco igual ao da população saudável”.
A Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica (SBCBM) confirma que pacientes que perderam peso, inclusive os que passaram pela cirurgia bariátrica e metabólica, não são considerados grupo de risco.
“O paciente que passou pela cirurgia perdeu peso, reduziu as doenças associadas e teoricamente está com mais saúde. Sua respiração, sistema fisiológico e metabolismo estão melhores do que se estivesse ainda com a obesidade. Os benefícios da cirurgia bariátrica são importantes no enfrentamento de qualquer epidemia”, comenta o presidente da SBCBM, Marcos Leão Vilas Bôas.
Editor-chefe da publicação norte-americana ‘Obesity Surgery’, Cid Pitombo confirma: Ele é responsável pela cirurgia bariátrica no sistema público do Rio, com taxa de sucesso de 99% entre mais de 3.200 pessoas que passaram pelo procedimento
Obesos e ex-obesos, como prevenir
As recomendações e os cuidados não mudam para pessoas obesas. A orientação é que tomem todos os cuidados recomendados de segurança contra a contaminação, como o isolamento social e o uso de máscaras. Não sair de casa, lavar corretamente as mãos e higienizar as superfícies, evitar coçar qualquer parte do rosto e ter cuidados ao espirrar e tossir.
Segundo a SBCBM, os cuidados dos pacientes bariátricos devem ser os mesmos de uma pessoa normal – a não ser os pacientes com idade avançada que, assim como os demais devem redobrar os cuidados. Eles também devem manter dieta saudável, realizar exames e manter vitaminas em dia para os pós-operados bariátricos. Já o diabético deve prestar mais atenção à sua dieta e seu nível de glicose, o hipertenso precisa estar alerta à sua pressão arterial e diminuir a ingestão de sal.
O cirurgião bariátrico Caetano Marchesini recomenda que pacientes que passaram por bariátrica sigam uma dieta que contribua para aumentar suas defesas e tentar ser ativas em casa, exercitando-se por pelo menos uma hora por dia. “O paciente obeso deve começar a se conscientizar fazendo atividades físicas, a comer com mais qualidade nutricional e aumentar os cuidados consigo mesmo”, destaca.
O especialista comenta que temos cada vez mais oferta de alimentos altamente calóricos, de baixo custo e pouca ou nenhuma qualidade nutricional. Além disso, nosso organismo foi feito para o movimento e estamos cada vez nos exercitando menos. “Com tudo isso que está acontecendo, acredito que as pessoas vão aprender a mudar alguns hábitos e a tomar decisões importantes para melhorar a saúde. E que tudo passe logo, é o que todos queremos”, conclui Marchesini.
Vilas Boas lembra que a SBCBM trabalha para conter a epidemia da obesidade no Brasil. “Agora, mais do que nunca, precisamos de politicas mais eficazes para combater a obesidade e as doenças crônicas associadas a ela, Diabetes Tipo 2, problemas no coração, hipertensão e problemas respiratórios. Já que estes pacientes, uma vez infectados, correm um maior risco de exibir complicações sérias, se comparado a uma pessoa saudável”, completou Villas Bôas.
Apoio virtual – Para se manter conectado com os pacientes obesos em tratamento, Cid Pitombo e sua equipe multidisciplinar de psicólogos, nutricionistas e clínicos montaram grupos de whatsapp e estão postando vídeos nas redes sociais para orientar e confortar. Juntos, os vídeos já tiveram mais de 100 mil visualizações em apenas uma semana. Entre os vídeos, Dr Pitombo recomenda que pacientes operados façam uso devido das vitaminas adequadas e também alerta para o risco da automedicação para evitar o novo coronavírus.
Entenda o efeito inflamatório causado pela obesidade
A Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia Regional São Paulo (SBEM-SP) afirma que a obesidade é uma doença crônica que afeta o funcionamento das células e de suas superfícies, interrompendo sua função natural de barreira protetora e facilitando o ataque de vírus, como o coronavírus. Vários estudos em animais e em humanos demonstram que a obesidade diminui a imunocompetência. Isso significa que o excesso de peso tem efeitos negativos no sistema imunológico, como a diminuição da produção de proteínas vitais para defender o corpo contra possíveis infecções.
Pessoas com obesidade têm uma menor atividade citotóxica das células que detectam e destroem invasores, sejam vírus, bactérias e mesmo células cancerígenas. Por isso, pacientes com obesidade estão entre os grupos de risco para a infecção do novo coronavírus”, explica Marcio Mancini, endocrinologista especialista em obesidade da SBEM-SP.
Segundo a SBEM-SP, o coronavírus entra no corpo aderindo à enzima conversora da angiotensina, localizada principalmente nos pulmões, rins e vasos sanguíneos. O nível dessa enzima é aumentado em pacientes com diabetes, o que facilita a entrada e a infecção do novo coronavírus neles. Quem sofre de obesidade severa pode ter os pulmões afetados para respirar normalmente, ou mesmo sofrer de apneia do sono e problemas de oxigenação”.
Esta inflamação tem influência direta sobre o sistema imunológico principalmente sobre as células adiposas, e leva ao aparecimento de inúmeras doenças como diabetes, hipertensão , dislipidemia e também é o principal fator de risco de vários tipos de câncer, perdendo apenas para o tabagismo“, explica Caetano Marchesini, cirurgião bariátrico, pesquisador e ex-presidente da Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Metabólica.
Com Assessorias