Dependência de combustíveis fósseis, queimadas e desmatamento agravam a crise no Brasil: quase 1.600 crianças morreram em 2021, internações respiratórias aumentaram 27,6% em 2024, e crianças em países pobres têm risco até 94 vezes maior que em nações ricas. É o que revela um novo relatório da Zero Carbon Analytic, ao avaliar o impacto letal da poluição do ar sobre crianças ao redor do mundo, com efeitos especialmente graves nos países em desenvolvimento.

Segundo o levantamento intitulado “Structural dependencies perpetuate disproportionate childhood health burden from air pollution” (“Dependências estruturais perpetuam o fardo desproporcional da poluição do ar sobre a saúde infantil”), mais de 25% das mortes de crianças menores de cinco anos no mundo estão relacionadas à poluição do ar, e crianças morrem em taxas até seis vezes maiores que adultos por causa da exposição.

Baseado em dados do Global Burden of Disease (GBD), o estudo mostra que, todos os anos, centenas de milhares de crianças morrem devido à poluição, enquanto milhões sobrevivem com danos permanentes à saúde. Esses efeitos são intensificados por vulnerabilidades econômicas e barreiras estruturais, como infraestrutura precária, práticas insustentáveis de uso do solo e dependência de combustíveis fósseis.

A poluição do ar é uma agressão invisível que corrói silenciosamente o futuro das crianças”, alerta o pneumologista brasileiro Felipe Saddy. “Partículas, gases tóxicos e oxidantes inflamam seus pulmões, comprometem o desenvolvimento pulmonar, aumentam o risco de infecções e agravam a asma. Na gestação, o ar poluído ameaça o feto, elevando riscos de parto prematuro e baixo peso ao nascer”.

A poluição começa a afetar ainda no útero e pode causar doenças crônicas ao longo da vida. As comunidades mais pobres são as mais impactadas, devido a vulnerabilidades estruturais e dependências econômicas de combustíveis fósseis. Tanto a poluição atmosférica externa quanto a doméstica causam sérios danos à saúde pública — provocando doenças crônicas e cardiovasculares, problemas respiratórios, câncer e até déficits cognitivos.

No Brasil, em 2021, quase 1.600 crianças morreram por causas ligadas à poluição do ar

Para ilustrar isso, o relatório analisa quatro estudos de caso: África do Sul, Brasil, Nigéria e Bangladesh e identifica fontes de poluição como geração de energia a carvão, incêndios florestais, cozinhas domésticas com combustíveis sólidos, emissões industriais e tráfego urbano. No Brasil, em 2021, quase 1.600 crianças morreram por causas ligadas à poluição do ar — quase quatro crianças menores de cinco anos por dia.

A poluição externa, causada por incêndios florestais e queima de biomassa, é um dos principais fatores. Incêndios são uma emergência recorrente de saúde pública: na Amazônia e regiões centrais, 60% da população está exposta a níveis inseguros de poluição do ar, com crianças pequenas e idosos sendo os mais afetados.

Secas impulsionadas pelas mudanças climáticas, somadas a práticas insustentáveis de uso da terra — principalmente desmatamento e queima de biomassa ligados à produção de carne bovina e soja — prolongam a temporada de incêndios e aumentam sua intensidade. A fumaça de queimadas percorre centenas de quilômetros, das áreas rurais da Amazônia até grandes cidades como São Paulo, provocando picos de doenças respiratórias e cardiovasculares.

Durante a temporada de incêndios de 2024, as internações por doenças respiratórias aumentaram 27,6% em todo o Brasil em relação a 2023, elevando o custo do atendimento em aproximadamente US$ 2,2 milhões. Em São Paulo, o número de crianças hospitalizadas por doenças respiratórias aumentou cerca de 77% em setembro de 2024.

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Incêndios florestais representam riscos graves à saúde pré-natal

Além dos danos respiratórios, os incêndios florestais representam riscos graves à saúde pré-natal e ao desenvolvimento infantil. A exposição materna à fumaça durante a gestação aumenta a probabilidade de parto prematuro em 41% no Sudeste e 5% no Norte, e de baixo peso ao nascer em mais de 18% no Sul. A exposição a PM10 e monóxido de carbono também está associada a menores pesos ao nascer em São Paulo, além de aumentar as chances de defeitos congênitos, como anomalias respiratórias e do sistema nervoso.

Em crianças em idade escolar, níveis elevados de PM2,5 e NO₂ prejudicam o desempenho acadêmico, sendo que alunos de escolas públicas são mais expostos do que os de escolas privadas, devido à proximidade com rodovias e áreas de incêndio.

O relatório alerta que esses impactos na saúde infantil são consequências diretas de um modelo de exportação baseado na conversão de terras para agricultura industrial, em que os preços das commodities raramente refletem os danos à saúde e ao clima nas regiões produtoras. Dentre as soluções estão padrões rigorosos de produção livre de desmatamento, rastreabilidade completa das cadeias produtivas e financiamento climático internacional, que apoiem a produção sustentável e a proteção das florestas.

As crianças nos países mais pobres enfrentam taxas de mortalidade por poluição do ar até 94 vezes maiores do que nas nações ricas. Isso não é apenas uma questão ambiental — é uma questão de justiça. As mais jovens e vulneráveis estão pagando o preço por sistemas que não criaram. Romper esse ciclo exige ação global e transição para energia limpa, e não a continuidade de subsídios aos combustíveis fósseis”, alerta Joanne Bentley-McKune, pesquisadora principal do relatório.

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