Em meio à gravidade dos recentes casos de intoxicação por metanol em bebidas alcoólicas, que resultam em perdas humanas e riscos aos consumidores, o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos) preferiu a galhofa. “No dia que começarem a falsificar Coca-Cola, eu vou me preocupar”, brincou o político bolsonarista, em uma coletiva de imprensa justamente no dia em que foi anunciado o aumento nas mortes por intoxicações pela substância em seu estado, epicentro da crise.
Bastou a declaração para começarem a circular boatos nas redes sociais sobre suposta contaminação de refrigerantes da marca, o que foi imediatamente negado pela fabricante. O posicionamento gerou uma enorme repercussão negativa em todo o Brasil, com memes comparando a fala no mínimo desastrada do governador às declarações negacionistas do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) durante a pandemia de Covid-19: “Da mesma escola que ‘e daí, eu não sou coveiro’, postou um jornalista nas redes sociais.
Alertado sobre a crise de imagem que poderia manchar a sua pré-campanha presidencial – sim, Tarcísio se autoproclama representante da extrema direita na disputa pelo Planalto em 2026 -, o governador decidiu pedir desculpas publicamente. Nas redes sociais, publicou um vídeo em que admitia que havia “errado na forma” e que a fala não foi adequada para o momento.
Abstinência por motivação religiosa ou mensagem aos evangélicos?
Declaração infeliz configura crime contra a saúde pública?
- Epidemia (Art. 267): Causar uma epidemia mediante a propagação de germes patogênicos.
- Infração de medida sanitária preventiva (Art. 268): Infringir determinação do poder público destinada a impedir a introdução ou propagação de doença contagiosa.
- Falsificação de produtos (Art. 272): Falsificar, corromper, adulterar ou alterar produto alimentício ou de uso terapêutico, como no caso do metanol, ou produto de interesse médico-sanitário, tornando-o nocivo à saúde.
Por que a fala não constitui um crime
- Não é uma ação concreta de risco: Foi uma fala isolada, não uma ação que propagou a doença ou adulterou produtos. O governador não foi o agente do crime de adulteração; ele estava em uma coletiva para falar sobre o combate a essa prática.
- Não houve intenção (dolo) de prejudicar a saúde: A declaração foi classificada como uma piada de mau gosto, mas não tinha a intenção (dolo) de causar mal à saúde pública. Pelo contrário, o contexto era de uma resposta a uma crise.
- Não é uma violação de medida sanitária: Não foi uma infração a uma determinação sanitária, mas sim uma falha de comunicação durante a abordagem pública do problema.
Chacota dificilmente seria um crime de responsabilidade
- Ato isolado: A declaração foi um ato isolado de fala, que não corresponde a uma infração concreta e contínua contra a saúde pública, como o não cumprimento de uma lei ou a omissão em uma ação.
- Falta de dolo: Para configurar a responsabilidade, seria preciso provar que a intenção da fala era causar um dano à saúde pública, o que não foi o caso. A atitude foi vista como uma brincadeira de mau gosto, e ele se desculpou publicamente em seguida.
- Ausência de ação ou omissão grave: A legislação exige que o crime de responsabilidade seja uma conduta séria que afete o funcionamento do Estado ou de suas instituições. Fazer um comentário infeliz, embora reprovável, não se enquadra nessa categoria.
O que é crime de responsabilidade
Uma declaração infeliz ou desrespeitosa de um governador sobre uma crise de saúde pública, como a crise do metanol em São Paulo, embora seja eticamente e moralmente questionável, dificilmente configura, por si só, um crime de responsabilidade. A legislação que define esse tipo de crime é bastante específica e exige uma conduta que atente diretamente contra a Constituição e as leis.
- Atentar contra o livre exercício dos Poderes Constitucionais.
- Atentar contra a segurança interna do país.
- Infringir a lei orçamentária.
- Atentar contra o cumprimento das leis e das decisões judiciais.
Em resumo, a declaração de Tarcísio de Freitas foi uma polêmica política, não um crime legal. Sua responsabilidade política foi avaliada pela opinião pública e pela mídia, levando-o a pedir desculpas. No entanto, para se tornar um crime de responsabilidade, a conduta precisaria ser muito mais grave e encaixar em uma das categorias previstas em lei”, afirmam especialistas.
Preocupação só com a Coca-Cola: entenda o que aconteceu
- Em 6 de outubro de 2025, Tarcísio de Freitas participou de uma coletiva sobre a onda de casos de intoxicação por metanol em bebidas alcoólicas falsificadas em São Paulo.
- Em um momento da coletiva, ele disse em tom de brincadeira que só se preocuparia “no dia em que começarem a falsificar Coca-Cola”.
- A declaração foi amplamente criticada por ter minimizado a gravidade da situação, que já havia causado mortes e intoxicações, e por ter feito uma “piada” sobre o tema.
- No dia seguinte, em 7 de outubro, Tarcísio de Freitas publicou um vídeo e se desculpou, admitindo que havia “errado na forma” e que a fala não foi adequada para o momento.
- A fala do governador ocorreu em um momento em que as redes sociais eram inundadas por fake news e desinformação sobre a crise do metanol.
- Vídeos e posts falsos, alguns utilizando inteligência artificial, foram espalhados afirmando que a própria Coca-Cola e outras bebidas não alcoólicas estavam contaminadas com metanol, o que não era verdade.
- A agência de checagem UOL Confere e o Estadão Verifica desmentiram essas informações, confirmando que não havia registro de contaminação por metanol em refrigerantes da Coca-Cola.
- A fala de Tarcísio, embora tenha sido uma piada, acabou alimentando a onda de desinformação ao mencionar a marca em um contexto de crise sanitária.
Relação entre a crise metanol e o crime organizado
Tarcísio de Freitas também foi alvo de inúmeras críticas ao negar categoricamente que as prisões realizadas até o momento tivessem relação entre si e o vínculo com o crime organizado, o que vem sendo investigado pela Polícia Federal, por determinação do Ministério da Justiça e Segurança Pública.
O secretário de Segurança Pública de São Paulo, Guilherme Derrite, afirmou que não haver “nenhum indício de participação” do PCC nas contaminações. No entanto, é importante notar que a Polícia Civil, em outras investigações, apontou ligação entre a principal facção criminosa que age em São Paulo e bebidas adulteradas com metanol, indicando que o tema é complexo e há diferentes linhas de investigação e interpretação.
A principal linha de investigação é o uso de metanol para aumentar o volume de bebida adulterada. No entanto, a contaminação por metanol usado na limpeza de garrafas reaproveitadas também é uma hipótese.
Defesa de bancos, bets e bilionários
Além da polêmica sobre o metanol e a Coca-Cola e a defesa do PCC, o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, esteve envolvido em outros episódios recentes de controvérsia. Na mesma semana, o autoproclamado candidato à Presidência da República em 2026 comemorou a derrubada da Medida Provisória (MP) que visava taxar bancos, bets (casas de apostas) e bilionários, em oposição à proposta do governo Lula.
Em outubro de 2025, Tarcísio rebateu acusações de que teria atuado contra a medida provisória que trazia alternativas ao IOF, afirmando ser alvo de uma campanha de desconstrução de imagem por parte da esquerda. O governador foi criticado por Fernando Haddad por ter agido para proteger empresas da Faria Lima em relação à derrubada da MP do IOF.
Haddad afirmou que, apesar de Tarcísio ter agido contra o interesse nacional para proteger o mercado financeiro, o governo não retaliará o estado de São Paulo. Tarcísio, por sua vez, rebateu as acusações, dizendo que “chega de inventar bode expiatório”, que ninguém apoia aumento de impostos e defendeu a redução de gastos.
Outros episódios polêmicos envolvendo Tarcísio
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Defesa da Faria Lima – Semanas antes, Tarcisio também saiu em defesa das empresas instaladas na Rua Faria Lima, uma das mais tradicionais e caras do Brasil. Operações policiais, como a “Carbono Oculto”, revelaram um sofisticado esquema do PCC para lavar dinheiro, incluindo o uso de fundos de investimentos e fintechs sediados na Faria Lima, com um patrimônio estimado em R$ 30 bilhões. Essas operações têm o objetivo de desmantelar a infiltração do crime organizado na economia formal do país. O PCC utilizava, por exemplo, fundos fechados com um único cotista para ocultar a natureza criminosa das operações.
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Críticas do bolsonarismo: Em setembro de 2025, houve um racha no campo bolsonarista em relação ao governador, que estaria buscando moderação e se distanciando de pautas extremas. Isso levou a críticas públicas de figuras como Eduardo Bolsonaro em julho de 2025.
- Declarações sobre política externa e críticas a Lula: Em um seminário para empresários em agosto de 2025, Tarcísio criticou a política externa do governo Lula. Isso se soma a outras ocasiões, como em outubro de 2025, quando o governador voltou a criticar o presidente em um evento em Minas Gerais.
- Escândalo fiscal: Um esquema de fraude tributária de bilhões de reais envolvendo a liberação de créditos fiscais fraudulentos foi revelado em São Paulo em agosto de 2025. A mídia tem noticiado o caso, mas a ausência do nome do governador nas reportagens gerou críticas sobre uma suposta “blindagem midiática”, especialmente considerando a proximidade de Tarcísio com grandes empresas.
- Confronto com o STF: Em setembro de 2025, Tarcísio rompeu com sua postura de moderação e entrou em confronto com o Supremo Tribunal Federal (STF). Sua fala em apoio à anistia de condenados por golpismo, incluindo Jair Bolsonaro, foi mal recebida por ministros do STF.
- Ações da polícia: Ao longo de sua gestão, Tarcísio de Freitas enfrenta críticas e polêmicas por conta da atuação da polícia em São Paulo. Ações policiais controversas, como a que ocorreu na Baixada Santista, e o uso de câmeras em uniformes policiais geraram debates e críticas. Em maio de 2025, Tarcísio chegou a citar o uso das câmeras e afirmar que não toleraria violência policial, mas a pauta de segurança pública continua sendo um ponto de controvérsia.
Tarcísio enfrenta cenário de disputa e moderação
- Aprovação e apoio: A disputa interna e a busca por moderação colocam Tarcísio de Freitas em um dilema entre manter o apoio da base bolsonarista mais radical e buscar o apoio de eleitores mais ao centro. A percepção de que ele é um candidato mais moderado pode afastá-lo de alguns bolsonaristas mais fiéis.
- Aproximação e distanciamento: Tarcísio busca um perfil mais moderado para atrair um eleitorado mais amplo, o que tem gerado atritos com a ala mais radical do bolsonarismo, incluindo os filhos do ex-presidente. Ele é visto por alguns bolsonaristas como “oportunista” por seu posicionamento, mas, na prática, ainda é o nome preferido para muitos eleitores de direita.
- Michelle Bolsonaro: Considerada uma alternativa forte, especialmente para o eleitorado mais fiel a Bolsonaro, Michelle tem atuado de forma intensa no PL Mulher e construído uma estrutura política própria. Embora tenha negado publicamente a intenção de ser candidata em 2026, ela já admitiu a possibilidade, e pesquisas mostram que ela e Tarcísio aparecem empatados ou com pouca diferença nas intenções de voto.
- Eduardo Bolsonaro: Apontado como ‘traidor da Pátria’ por articular dos EUA uma ofensiva contra o Brasil em troca da liberdade do ex-presidente, o deputado federal já declarou que disputará a Presidência em 2026 caso seu pai não possa concorrer. No entanto, sua alta rejeição em pesquisas de opinião e as disputas internas no PL com a ala de Michelle Bolsonaro representam obstáculos significativos para a sua candidatura.
- Outros potenciais candidatos: Outros nomes, como os governadores Ronaldo Caiado (Goiás) e Ratinho Junior (Paraná), também são mencionados como potenciais candidatos de direita. Recentemente, o presidente do PP, Ciro Nogueira, defendeu um candidato “estilo Tarcísio”, indicando a preferência por um perfil menos radical.
Com informações de agências e sites