O aumento de ocorrências suspeitas de intoxicação por metanol em todo o Brasil acendeu o alerta das autoridades de saúde. A principal suspeita é a adulteração de bebidas alcoólicas por destilarias clandestinas e falsificadores. O consumo acidental de metanol, substância altamente tóxica usada indevidamente na produção de bebidas falsificadas, pode causar danos graves ao organismo e até levar à morte.
O grande perigo está no fato de que, nos primeiros momentos, os sintomas se assemelham aos de uma simples ressaca, o que pode atrasar a busca por atendimento médico. Casos confirmados e mortes em investigação acendem sinal de alerta sobre consumo de bebidas adulteradas. Especialistas reforçam que, diante desse cenário, é fundamental que a população saiba diferenciar os sintomas de uma ressaca comum daqueles que podem indicar intoxicação grave.
Também conhecido como álcool metílico, o metanol é utilizado industrialmente como solvente e combustível, mas é extremamente perigoso quando ingerido. Ao ser metabolizado pelo fígado, transforma-se em formaldeído e ácido fórmico, substâncias que atacam o sistema nervoso central, o nervo óptico, o fígado e os rins, podendo levar à cegueira irreversível, falência múltipla de órgãos e morte.
O tempo de aparecimento dos sintomas é uma das pistas mais importantes. Enquanto a ressaca aparece logo após o consumo excessivo de álcool, os sinais da intoxicação por metanol surgem geralmente entre 12 e 24 horas depois”, explica o endocrinologista Ramon Marcelino, do Hospital das Clínicas de São Paulo (HC-FMUSP).
O metanol pode ser absorvido por ingestão, inalação ou até pelo contato prolongado com a pele. No organismo, ele se transforma em ácido fórmico, que pode causar lesões graves no nervo óptico, alterações neurológicas e até a morte. “Pequenas quantidades já podem ser fatais, e por isso qualquer suspeita deve ser levada a sério”, alerta o especialista.
Sintomas que exigem atenção
– Comprometimento visual: visão borrada, manchas escuras e cegueira, que pode ser parcial ou permanente (relatados em até 72% dos casos);
– Dor abdominal intensa ou desconforto gástrico;
– Disfunções neurológicas: sonolência desproporcional, confusão mental, dor de cabeça intensa, tremores ou até coma;
– Complicações cardiovasculares, como infarto (mais raras).
De acordo com Marcelino, a persistência ou piora dos sintomas horas depois de beber deve acender um alerta. “Se após 12 horas a pessoa ainda apresenta sinais de embriaguez, confusão mental ou alterações visuais, não deve atribuir apenas à ressaca. É fundamental procurar imediatamente um pronto-socorro”, orienta.
Médico alerta para o risco do ‘binge drinking’
Para evitar a exposição ao metanol, a recomendação é reduzir o consumo de álcool ao máximo, até que o problema de saúde pública esteja controlado. Para quem ainda assim for consumir, a orientação é não comprar bebidas alcoólicas de origem duvidosa, especialmente vendidas em ruas ou festas sem fiscalização. O ideal é dar preferência a produtos lacrados, em latas ou garrafas fechadas, e adquiridos em estabelecimentos com alvará da Vigilância Sanitária.
O endocrinologista também chama atenção para os riscos do “binge drinking”, quando se ingere grande quantidade de álcool em pouco tempo. “Mais de quatro doses para mulheres ou cinco para homens em cerca de duas horas”, destaca.
Uma dose padrão tem aproximadamente 14 gramas de etanol, o que corresponde a 350 ml de cerveja com 5% de teor alcoólico, 150 ml de vinho com 12% ou 45 ml de destilado com 40%. O Ministério da Saúde orienta que casos suspeitos de intoxicação por metanol sejam notificados imediatamente para reforçar a vigilância em São Paulo e em outras regiões do país.
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Médico intensivista alerta para os sintomas neurológicos
O médico intensivista da UTI do Hospital Evangélico de Sorocaba, Pedro Novaes, explica que a intoxicação por metanol é, na verdade, uma ressaca atípica. “Passadas de 6 a 12 horas da ingestão do álcool, ao invés de melhorar, a pessoa vai piorando”, alerta o especialista.
Segundo ele, é fundamental buscar atendimento médico urgente se houver piora dos sintomas típicos de ressaca, como dor de cabeça, enjoo e mal-estar, após esse período. Um dos sinais mais característicos, destaca ele, é o sintoma neurológico ligado à visão. “A pessoa pode ter apagamento do campo visual, borramento, diplopia, que é a visão dupla, ou até cegueira absoluta. Esse é um sintoma muito característico da intoxicação por metanol”, explica Novaes.
O tempo é um fator determinante para evitar complicações graves. “Quanto mais grave o caso, mais breve deve ser o início do tratamento”, orienta o médico.
A gravidade depende tanto do organismo de cada pessoa quanto da quantidade de metanol ingerida. Por isso, ele recomenda que qualquer suspeita seja avaliada nas primeiras 12 horas após o consumo da bebida, o que permite um tratamento mais eficaz e aumenta as chances de reversão do quadro, minimizando sequelas.
Tratamento intensivo e desafios
No ambiente de UTI, o tratamento envolve uma série de medidas de suporte. O especialista explica que, ao entrar no organismo, o metanol é transformado em substâncias tóxicas que causam danos sistêmicos. “Nosso tratamento é basicamente constatar e tratar a acidose, que é a acidez elevada no sangue.
Se confirmada, chamamos a nefrologia para auxiliar na hidratação adequada, fazemos uso de ácido folínico na veia, que ajuda na eliminação, e inserimos um cateter de diálise para filtrar o sangue o mais rápido possível, removendo o metanol e seus metabólitos tóxicos”, explica.
Essas medidas são essenciais para reduzir as sequelas neurológicas e visuais, que podem ser graves e permanentes. “Nosso maior desafio é não ter, até o momento, o antídoto disponível no Brasil, o fomepizol, que impede a formação dos metabólitos tóxicos do metanol. Mas temos alternativas eficazes, como a diálise, em casos graves”, ressalta o intensivista.
Em caso de suspeita de ingestão de bebida adulterada ou aparecimento de sintomas incomuns após o consumo de álcool, como visão turva, fraqueza extrema, tontura ou confusão mental, a orientação é procurar imediatamente um pronto atendimento hospitalar.
Linha do tempo da intoxicação por metanol
Adriano Faustino, médico nutrólogo e especialista em metabolismo, explica os efeitos do metanol no organismo e a importância de atendimento rápido.
Primeiras 12 horas – sintomas discretos e enganosos
- Náuseas, dor abdominal, tontura e dor de cabeça podem ser confundidos com uma simples ressaca.
- O fígado já começa a metabolizar o metanol em formaldeído e ácido fórmico.
- “Mesmo que o paciente se sinta apenas mal, seu organismo já está sofrendo alterações metabólicas. Exames de sangue podem indicar acidose metabólica e aumento do osmolar gap, sinais de que o corpo caminha para uma intoxicação grave”, detalha o Dr. Faustino.
De 12 a 24 horas – os olhos sofrem primeiro
- O ácido fórmico inibe a produção de energia nas mitocôndrias. Tecidos que demandam mais energia, como retina e nervo óptico, são os primeiros a sofrer.
- Sintomas típicos: visão borrada, fotofobia e percepção de pontos luminosos (“chuva de pixels”).
- “O nervo óptico é extremamente vulnerável. A degeneração das fibras e a falta de energia podem levar à cegueira permanente se não houver intervenção rápida”, alerta o especialista.
- Além disso, instala-se acidose metabólica mais intensa, com respiração rápida, confusão mental e fraqueza.
Até 48 horas – risco de falência múltipla e morte
- O ácido fórmico se acumula e atinge de forma agressiva o sistema nervoso central, podendo provocar convulsões, coma e arritmias cardíacas.
- Coração, pulmões e rins entram em colapso progressivo.
- “Passadas 48 horas sem atendimento adequado, a reversão dos danos é extremamente difícil. Cada hora conta para salvar vidas e prevenir cegueira”, reforça Dr. Faustino.
Por que o metanol engana o corpo?
- Metanol e etanol disputam a mesma enzima no fígado: a álcool desidrogenase.
- Diferença: etanol → acetaldeído → ácido acético (metabolizável); metanol → formaldeído → ácido fórmico (altamente tóxico).
- “O fígado, que normalmente nos protege, acaba se tornando uma biofábrica de veneno no caso do metanol”, resume Dr. Faustino.
Tratamento exige rapidez
Antídotos: fomepizol (inibe a enzima que inicia a metabolização tóxica) ou etanol (compete pela mesma via).
- Hemodiálise: remove rapidamente metanol e ácido fórmico.
- Bicarbonato de sódio: corrige acidose metabólica.
- Ácido folínico/fólico: acelera detoxificação do ácido fórmico.
Dr. Faustino reforça que a prevenção é essencial: “Evitar bebidas de procedência duvidosa é a melhor maneira de não passar por esse risco. E caso haja qualquer suspeita de ingestão, buscar atendimento médico imediato pode salvar a visão e a vida.”