As imagens captadas pela câmera do elevador de um condomínio em Ponta Negra, bairro turístico de Natal (RN), chocaram o país na última semana. A promotora de vendas Juliana Garcia dos Santos, de 35 anos, foi brutalmente espancada com 61 socos desferidos em seu rosto e na cabeça durante um intervalo de apenas 36 segundos.
O autor das agressões é o então namorado de Juliana, o ex-jogador de basquete Igor Eduardo Pereira Cabral, de 29 anos, que está preso, acusado de tentativa de feminicídio. Outros crimes, como violência psicológica, que já vinham ocorrendo, também podem ser investigados.
A carioca que reside em Natal (RN) sofreu graves fraturas que desfiguraram o seu rosto. Com os olhos tomados por hematomas, Juliana não quis mostrar as imagens completas do seu rosto, antes de passar por uma cirurgia de reconstrução facial. Ela prefere que o ocorrido não seja retratado de forma explícita, pois não quer ser sempre lembrada “de maneira deformada, que é infelizmente como ela está hoje”.
O pior é quando me olho no espelho e não consigo enxergar a mulher vaidosa que eu sou”, disse, ao receber o jornalista Roberto Cabrini, do Domingo Espetacular, da TV Record – a reportagem foi ao ar neste domingo (4). “O ataque à face da mulher é violência de gênero, pois atinge a feminilidade”, reforçou a delegada que investiga o caso.
Nasce uma nova Maria da Penha
Ela agora pode se transformar em novo símbolo da luta contra a violência à mulher no Brasil – assim como Maria da Penha Maia Fernandes, de 80 anos, a farmacêutica cearense que ficou paraplégica após levar um tiro nas costas do ex-marido em 1983. Maria da Penha dá nome à lei que protege as mulheres que vai completar 19 anos no próximo dia 7, em pleno Agosto Lilás, mês de enfrentamento a esse grave problema social e de saúde pública no Rio.
Não tenho outra opção a não ser ser forte. Eu sobrevivi a tudo isso para dar voz a outras mulheres, para dar visibilidade pra quem acha que não tem voz”, disse ela, que agora quer representar tantas mulheres brasileiras vítimas da violência doméstica que sofrem em silêncio.
Sete horas de cirurgia para reconstruir a face
Na última sexta-feira (1/8) no Hospital Universitário Onofre Lopes (Huol), em Natal, Juliana passou por uma cirurgia de sete horas para tentar recuperar as feições do seu rosto, mutilado pelo então namorado, em uma crise de fúria, por ciúmes.
O médico responsável pela cirurgia de reconstrução facial de Juliana comparou a situação à de vítimas de acidentes de trânsito. “Era como se ela tivesse sofrido um acidente de moto, sem capacete”, afirmou o cirurgião bucomaxilofacial Kerlison Paulino ao programa Fantástico, da TV Globo, também no domingo (4).
Apesar da seriedade, o risco de sequelas neurológicas foi descartado pela equipe médica. A recomposição funcional e estética do rosto de Juliana será acompanhada por, pelo menos, dois meses na mesma unidade do SUS.
Para Juliana, as marcas no rosto agora são símbolo de resistência. “E isso é só o começo da minha nova vida”, disse ao jornalista Roberto Cabrini. Ela contou que conheceu Igor em uma academia de Natal, onde treinavam juntos todos os dias.
Ela admitiu que vivia uma relação tóxica e abusiva há dois anos com Igor, mas acreditava que o namorado pudesse mudar – assim como ocorre com tantas outras mulheres que são vítimas de violência praticada por seus parceiros.
Sete meses antes do episódio, Igor a agredira em mais uma briga por ciúme. Juliana conta que chegou a pensar em denunciá-lo na Lei Maria da Penha, mas desistiu. “Eu sempre soube do histórico de agressões com outras pessoas, mas nunca pensei que comigo fosse assim”, declarou.
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‘Uma prova inquestionável da vontade de matar”
Para a delegada-geral do Estado, Ana Victória Lisboa, as imagens são a “prova inquestionável da vontade de matar”. “Atrocidade, covardia, algo inaceitável para qualquer ser humano. Uma “selvageria que não reflete a evolução da sociedade. Não há desculpa que justifique’, disse.
“A sociedade brasileira é muito machista e patriarcal. Por que o homem ainda se sente dono da mulher?”, questiona. Ela reforçou ainda que a denúncia é a única forma de interromper a violência. Ainda segundo a delegada-geral, 90% dos casos de violência ocorrem no ambiente familiar, onde o Estado não está presente.
‘Eu pedi que ele parasse e ele só me batia’: entenda o crime brutal
O caso de violência doméstica que chocou o país ocorreu na manhã de 26 de julho, em Ponta Negra, bairro turístico da capital potiguar. As câmeras de segurança de um condomínio registraram Juliana e Igor Eduardo Pereira Cabral, de 29 anos, aproveitando a piscina.
Juliana Soares, de 35 anos, vítima de espancamento por seu então namorado — Foto: Reprodução/Fantástico
Naquele mesmo dia, outras imagens do condomínio captaram o casal discutindo dentro do elevador. Segundo as investigações, Igor teve uma crise de ciúmes e a briga escalou para uma “covardia brutal”. Juliana disse que decidiu permanecer no fundo do elevador para se proteger e garantir que as câmeras registrassem o ocorrido. Ter ficado no elevador e conseguir registrar as agressões foi o que a salvou, segundo policiais e advogadas que acompanham o caso.
Ele foi para o elevador em que eu tava para tentar me convencer a sair de lá. E eu não saí porque eu sabia que, se eu saísse, não ia ter câmera para filmar”, relatou a vítima.
Após a agressão, uma moradora do condomínio encontrou Juliana ensanguentada. O porteiro do condomínio acionou imediatamente a polícia. Policiais militares chegaram ao local e levaram Igor para a delegacia. Uma amiga de Juliana e um policial também contataram o SAMU, informando que a vítima estava “bem machucada”. O elevador, cenário do crime, ficou com “sangue, boné e chinelos” espalhados pelo chão ensanguentado.
No dia seguinte ao crime, policiais da Delegacia da Mulher foram ao hospital onde Juliana estava internada. Sem condições de falar, Juliana se comunicava por gestos. Em um dado momento, uma policial forneceu caneta e papel, e Juliana escreveu uma declaração crucial:
Eu sabia que ele ia me bater. Então não saí do elevador. E ele começou a me bater e disse que ia me matar”.
A advogada Caroline Mafra, que representa Juliana e a conhece há dez anos, confessou ter ficado estarrecida e não conseguiu assistir ao vídeo da agressão até o final. As duas se conheceram em um trabalho voluntário.
Trabalhei com pessoas carentes, incluindo população em situação de rua e crianças que tiveram a guarda destituída dos pais. Me identificava muito. Achava que eu tinha nascido pra fazer aquilo. A área social sempre me atraiu muito”, contou Juliana.
Agressor diz que estava sob efeito de cocaína
Igor foi preso em flagrante no local do crime e levado para a Delegacia de Plantão da Zona Norte de Natal, onde foi registrada a ocorrência. Com base nas imagens das câmeras de segurança do elevador, o juiz decretou a prisão preventiva de Igor no mesmo dia, durante a audiência de custódia.
Desde então, o agressor já mudou seu depoimento algumas vezes. Inicialmente, alegou que sofria de claustrofobia e por isso agrediu a namorada no elevador, já que ela se recusava a sair. Depois, Igor mudou a versão e disse que estava sob efeito de uma combinação de bebidas e cocaína. Em nota enviada por sua defesa, o ex-jogador de basquete diz “estar arrependido e ciente de toda a dor que causou”.
Igor diz ter sido ameaçado de morte e estupro na cadeia, onde foi trancado nu numa sala, onde foi espancado por agentes penitenciários com murros, chutes, cotoveladas e com uso de spray de pimenta – o que foi negado pela Secretaria de Administração Penitenciária do Estado.
Após passar pelo centro de triagem da Seap, ele foi transferido para a Cadeia Pública de Ceará-Mirim, onde foi colocado em uma cela isolada. A defesa do acusado alega que ele sofreu violência na prisão. Algemado e nu, ele teria sido agredido por policiais penais com murros, chutes, cotoveladas e com uso de spray de pimenta.
A Seap informou que “tomou providências imediatas ao tomar conhecimento das agressões sofridas por Igor, supostamente praticadas por policiais penais de plantão”. Na sexta-feira (31), Igor foi transferido para um presídio em Natal.
Tentativa de homicídio: pena pode chegar a 30 anos de prisão
Em nota conjunta, advogados e familiares do agressor afirmaram que ele está à disposição das autoridades para julgamento, e que os familiares não têm responsabilidade pelos atos cometidos. A pena para tentativa de homicídio pode variar, mas geralmente se enquadra na tentativa de homicídio qualificado, com pena de 12 a 30 anos de reclusão. No entanto, a legislação brasileira mais recente tem endurecido as penas para crimes contra a mulher, incluindo feminicídio e suas tentativas, com possibilidade de penas mais altas.
Juliana agora só quer Justiça.
A culpa não foi minha. A culpa não é da pessoa que sofreu a agressão. Eu não tenho responsabilidade sobre o ato dele. A responsabilidade dele é pública e ele tem que pagar por isso”, disse Juliana.
E vai, Juliana. O Brasil inteiro está com você.
Com informações da TV Globo e TV Record