Doce, exagerado e…fotogênico, muito fotogênico. O chamado “morango do amor” — uma mistura da fruta com leite condensado e leite em pó e coberta por uma casquinha vermelha crocante, semelhante à da antiga maçã do amor — virou uma verdadeira febre no Brasil, impulsionada por vídeos virais nas redes sociais.
Em poucas semanas, o doce simples, vendido em praias e comércios populares, ganhou filas em docerias, versões caseiras e até debates acalorados entre os que defendem e os que criticam a sobremesa, enquanto confeiteiros celebram ganhos que superam os de datas como a Páscoa.
A nova febre digital ganhou holofotes nas redes sociais após um vídeo viral. A partir dali, surgiram filas, buscas desenfreadas e milhares de conteúdos replicando a experiência de saborear o doce — muitas vezes sem que a pessoa sequer soubesse se realmente gostava do sabor ou da combinação.
Escolhas alimentares determinadas por modismo e pressão social
Para a nutricionista Sophie Deram, autora do livro O peso das dietas, o fenômeno revela algo mais profundo do que a simples popularização de uma receita: o quanto nossas escolhas alimentares ainda são influenciadas por fatores externos, como modismos e pressão social.
Não há nada de errado em experimentar um alimento novo, inclusive esse – que chama a atenção de nosso cérebro por gritar ‘açúcar, açúcar, açúcar!’. O problema é quando comemos algo apenas porque todos estão comendo, sem nos perguntar se temos vontade verdadeira. A alimentação é um ato de conexão com o corpo e com o prazer, não uma forma de agradar ou pertencer a um grupo”, explica Sophie.
Para a especialista em comunicação estratégica Tatiana Fanti, fundadora da Prima Donna — agência de relações públicas — o fenômeno vai além do entretenimento e escancara um padrão de comportamento digital preocupante: o da busca por pertencimento e validação social a qualquer custo.
As pessoas não estão mais consumindo por desejo ou afinidade. Elas estão performando preferências para pertencer. Comer o ‘morango do amor’ virou um ato simbólico: não importa o gosto, importa estar no feed certo, no tempo certo. O mais preocupante é ver que muitos estão deixando de lado suas preferências pessoais para surfarem na onda de uma moda que, como sabemos, vai passar”, explica Tatiana.
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Chocolate Dubai viralizou e depois desapareceu
A nutricionista Sophie Deram alerta que, mesmo fora da lógica das dietas restritivas, muitas pessoas ainda vivem sob regras não ditas sobre o que devem ou não comer — e as tendências alimentares, mesmo as mais indulgentes, podem ser apenas outro tipo de controle disfarçado.
Às vezes, o hype é só mais uma forma de dizer ‘coma isso para ser aceito’. A cultura da dieta veste muitas fantasias. Já foi o suco verde, agora é o morango do amor. O importante é recuperar a autonomia sobre o que comemos”, afirma.
A especialista em comunicação estratégica Tatiana Fanti lembra que esse tipo de comportamento já foi visto em outros casos recentes, como o chocolate Dubai, que também viralizou rapidamente e, da mesma forma, desapareceu do radar em poucas semanas.
Tudo bem querer experimentar uma novidade (assim como foi o chocolate Dubai, lembra?). Afinal, a curiosidade é parte de uma relação saudável com a comida. Mas a motivação não deveria vir da pressão por ‘não ficar de fora’ de uma modinha”, pondera Sophie.
O sabor do hype: por que seguimos consumindo o que viraliza sem saber se gostamos?
Para Tatiana e sua equipe, que acompanham diariamente as mudanças na cultura digital, isso reforça um alerta: a autenticidade está sendo trocada pela estética.
Quando tudo vira trend, a pergunta que fica é: o que ainda é escolha genuína? Isso vale para consumidores, criadores e também para marcas que, muitas vezes, param toda a sua produção para ganhar a fatia do mercado do hype quando, muitas vezes, nem sentido ao seu negócio faz”, pontua Tatiana.
A especialista defende que, mais do que seguir hypes, marcas e pessoas precisam encontrar e sustentar uma narrativa coerente. E completa: “Autenticidade pode não render milhões de views, mas constrói autoridade e consistência — o que nenhuma trend entrega, pelo contrário…surfar na trend errada pode trazer uma gestão de crise indesejada”.
O impacto das tendências alimentares nas escolhas do dia a dia
Segundo Tatiana Fanti, o caso do “morango do amor” é mais um exemplo de como a viralização pode dizer muito sobre o momento cultural que estamos vivendo — e também sobre o que estamos deixando para trás.
Para Sophie, o mais saudável é cultivar uma relação de escuta com o próprio corpo e fazer as pazes com todos os alimentos — sem culpa, sem modinha e com muito mais prazer. “Coma o ‘morango do amor’ se quiser e não porque precisa postar nas suas redes, combinado?”, finaliza a nutricionista.
Com Assessorias