Os desafios e caminhos para integrar a espiritualidade à formação médica e à prática clínica no Sistema Único de Saúde (SUS) foram destaque nos debates durante o Mednesp 2025, maior congresso mundial sobre saúde e espiritualidade, realizado de 18 a 21 de junho, em São Paulo (SP).

Casos apresentados durante o evento evidenciam como a espiritualidade fortalece a resiliência de pacientes e contribui na superação de traumas, lutos e conflitos familiares. Exemplos contundentes ilustram essa realidade: uma mãe solo que encontra na espiritualidade a força para seguir adiante, um paciente que supera o desespero após perder familiares próximos, e casais que redescobrem o perdão e a esperança por meio do reencontro com a fé.

Esses relatos comprovam que o componente espiritual não é um luxo, mas uma necessidade para manter a qualidade de vida e promover o engajamento emocional no tratamento”, declara o psiquiatra e coordenador do evento Marcus Ribeiro.

O evento reuniu especialistas e pesquisadores, enfatizando também a importância de estimular jovens profissionais desde a graduação, com programas de mentoring e incentivo à formação de pesquisadores comprometidos com rigor científico e inovação.

No ambiente acadêmico e clínico, a integração da espiritualidade na abordagem médica representa um desafio e uma oportunidade. Ensinar profissionais a valorizar os aspectos psicossociais e espirituais na anamnese, respeitando a individualidade e evitando doutrinação, amplia a capacidade de oferecer um atendimento humanizado e eficaz. A entrevista motivacional foi citada como método eficaz para conectar o paciente com seus valores e propósitos.

Do ponto de vista da pesquisa, apesar dos avanços tecnológicos e metodológicos que permitem explorar a relação mente-corpo, o paradigma materialista vigente ainda dificulta a aceitação plena desses achados. No entanto, segundo Ribeiro, a sobrevivência da consciência e o impacto da espiritualidade na saúde já contam com um robusto corpo de evidências científicas que continuam a crescer. “É preciso perseverança e visão para conduzir essa transformação paradigmática, sem apressar resultados, mas com a dedicação necessária”, afirma.

‘A espiritualidade é a raiz que sustenta toda a árvore do cuidado em saúde’

A presença da médica americana Christina Puchalski, diretora-executiva e professora de Medicina e Ciências de Saúde da Universidade de Washington, D.C., considerada líder internacional do movimento para integrar a espiritualidade na saúde, foi um marco que reforçou a urgência e a relevância da integração da espiritualidade na prática clínica, especialmente no cuidado de pacientes graves e em contextos hospitalares.

Médica com vasta experiência em cuidados paliativos e saúde espiritual, Christina trouxe à tona debates essenciais para a transformação da medicina tradicional, tão focada na biologia e pouco preparada para escutar o sofrimento espiritual dos pacientes.

Referência mundial no tema, ela reforçou que “a espiritualidade é a raiz que sustenta toda a árvore do cuidado em saúde”. Ela alertou que, mesmo em países espiritualizados como o Brasil, o isolamento espiritual no ambiente hospitalar ainda é comum. “Na prática hospitalar, o paciente pode se sentir isolado espiritualmente, mesmo em um país muito espiritualizado como o Brasil. Reconhecer isso é cuidado essencial, não luxo”, afirmou.

Christina compartilhou o caso de uma paciente católica com medo do purgatório que só foi compreendida com apoio de um capelão especializado. Ela defendeu que a história espiritual do paciente deve integrar o atendimento, com participação da família, e que é preciso também acolher quem não se identifica com religiões institucionais, oferecendo caminhos de transcendência acessíveis.

Congresso médico no Corpus Christi: público lotou todos os paineis (Foto: Divulgação)

Meditação e mindfulness

Além disso, a médica ressaltou a importância de oferecer caminhos para pacientes que não se identificam com religiões formais, indicando práticas como meditação e mindfulness, sempre respeitando o espaço e a vontade do paciente:

Nem todo paciente está confortável com religião formal. A abordagem precisa ser inclusiva, aberta, baseada na escuta compassiva”, declarou a médica, uma das primeiras na América do Norte a receber o Prêmio John Templeton Award for Spirituality in Medicine.

Christina alertou ainda para a necessidade de mudança cultural na Medicina, com médicos menos centrados na autoridade e mais focados na parceria com o paciente, construindo juntos o plano de cuidados: “Não somos ditadores, somos iguais. O clínico e o paciente co-criam o plano focado no que faz sentido para ele”.

Ao final de seu seminário, a médica reforçou a urgência da transformação na forma de cuidar: “A espiritualidade é invisível, mas é a raiz que sustenta toda a árvore do cuidado. Sem ela, o paciente pode estar biologicamente assistido, mas espiritualmente isolado. Essa realidade precisa mudar”.

A fala de dra. Christina no Mednesp 2025 reforçou que o futuro da medicina será integrativo, plural e centrado na pessoa, valorizando a dimensão espiritual como parte inseparável da saúde e do bem-estar.

 

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