Quando o assunto é preconceito, as mulheres negras são as que mais sofrem, em todas as idades, especialmente acima dos 60 anos. No Dia Internacional da Luta pela Eliminação da Discriminação Racial (21 de março), é importante refletir sobre as questões de violência de gênero, racismo e etarismo, sobretudo contra a população feminina negra.
Uma pesquisa realizada pelo Centro Universitário São Camilo mostrou que a violência de gênero é uma realidade marcante na vida de mulheres pretas e pardas de Heliópolis, a maior comunidade de São Paulo.Muitas relataram episódios de abusos físicos, psicológicos e financeiros, principalmente no ambiente familiar.
A violência conjugal, iniciada ainda na juventude, foi um tema recorrente, com algumas mulheres só conseguindo romper o ciclo após a viuvez. No entanto, para outras, a violência persistiu, assumindo novas formas com o avanço da idade, como abusos cometidos por filhos e netos.
Além da violência de gênero, o racismo estrutural e ambiental também se mostrou presente na vida dessas mulheres. O etarismo se manifestou de forma silenciosa, mas impactante. Muitas idosas relataram sentir-se invisíveis, desvalorizadas e até mesmo temidas por familiares. A pesquisa apontou que 20% das entrevistadas disseram ter sido prejudicadas por alguém próximo, enquanto 17% relataram insultos e humilhações por parte de familiares.
Coordenada pela professora Maria Elisa Gonzalez Manso, entrevistou 58 mulheres de 60 a 88 anos e revelou que, embora muitas tenham rompido ciclos de violência de gênero, continuam a enfrentar o etarismo (discriminação por idade) e o racismo em suas vidas cotidianas.
Esse estudo foi essencial para redirecionar os serviços sociais prestados a estas mulheres, as quais estão sendo atendidas em suas efetivas necessidades. Através do estudo também se resgatou a dignidade destas idosas, as quais puderam contar, e ser ouvidas, através da pesquisa”, destacou a professora.
Local de moradia é fator de discriminação
A coabitação intergeracional, muitas vezes vista como uma solução para o cuidado dos idosos, mostrou-se um ambiente propício para violências psicológicas e financeiras. O local de moradia, muitas vezes associado a estigmas sociais, foi apontado como um fator de discriminação, afetando desde o acesso a empregos até o tratamento recebido por familiares e vizinhos.
A pesquisa destacou que 18,7% das pessoas pretas ou pardas na cidade de São Paulo residem em aglomerados subnormais, em contraste com 7,3% das brancas, evidenciando a segregação racial e social.
Em relação à escolaridade, a maioria das entrevistadas tinha apenas o ensino fundamental incompleto, refletindo a realidade de desigualdade de acesso à educação entre homens e mulheres de gerações mais antigas. A maioria trabalhou ou ainda trabalha como diarista, evidenciando as desigualdades históricas enfrentadas por mulheres negras no Brasil.
Violência contra a pessoa idosa e a violência de gênero estão ligadas
A pesquisa também destacou a importância de políticas públicas que considerem as interseccionalidades de gênero, raça e idade. “Há uma cegueira de geração nos estudos sobre gênero”, afirmam os pesquisadores, ressaltando a necessidade de abordagens mais específicas para o envelhecimento de mulheres negras.
O estudo sugere que a violência contra a pessoa idosa e a violência de gênero estão intrinsecamente ligadas, ambas reforçadas por estruturas patriarcais e idadistas. Os resultados da pesquisa foram apresentados em um vídeo que, embora não traga as vozes das entrevistadas, busca ampliar a discussão sobre a violência institucional e a necessidade de mudanças culturais e políticas.
Como serão atendidas as pessoas que já envelheceram? Que futuro fica?”, questionam os pesquisadores, destacando a urgência de ações que promovam equidade e dignidade para todas as idades.
O estudo “Diversidades na Velhice: Vulnerabilidades Sociais e Programáticas segundo recorte de Cor de Pele e Gênero”, realizado em parceria com a ONG Velho Amigo e financiado pelo programa Itaú Viver Mais e Portal do Envelhecimento, analisou os serviços de saúde, assistência social e economia social para mulheres negras acima de 60 anos.
A pesquisa, que já está influenciando as práticas da ONG Velho Amigo e da Secretaria de Saúde, continuará a ser aprofundada, com o objetivo de contribuir para a construção de uma sociedade mais justa e inclusiva para as mulheres negras que envelhecem no Brasil.
Mulheres negras: protagonistas da transformação social
Apesar dos desafios impostos pelo racismo e pelo machismo estrutural, as mulheres negras vêm ampliando sua participação na cultura, na política, na economia e nos movimentos sociais do Brasil, rompendo estereótipos e reforçando seu protagonismo.
São elas, as mulheres negras, as principais agentes de transformação da sociedade na busca por um mundo mais justo. Elas estão na linha de frente da luta contra o racismo e o sexismo, ressignificando suas identidades e ocupando espaços antes negados, promovendo autoestima e orgulho da cultura afro-brasileira.
A gente faz o que faz, porque a gente quer qualidade de vida, a gente quer o bem-viver para nós e para todos”, diz Ana Maria Siqueira, assessora da Fundação Banco do Brasil.
De acordo com o estudo Esgotadas, quase metade (45%) das mulheres entrevistadas possuía, em 2023, um diagnóstico de ansiedade, depressão ou algum outro transtorno mental. E, assim como outras estatísticas e pesquisas já demonstraram historicamente, são as mulheres negras as que vivenciam maior sofrimento com essas condições.
Ainda segundo o estudo da ONG Think Olga, esse adoecimento psíquico das mulheres não pode ser desvinculado do contexto social e cultural em que vivem. As estruturas de opressão como o machismo, o racismo e a exclusão econômica e social têm um papel crucial nessa matemática.
Empreendedorismo feminino negro ganha força
Embora ainda persistam desigualdades, o número de mulheres negras no ensino superior cresce a cada ano. Dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) revelam que, dos participantes do Enem 2024, as mulheres são maioria (60,59%), sendo que 55% das inscritas se consideram pardas ou pretas.
Da mesma forma, o empreendedorismo feminino negro ganha cada vez mais força e visibilidade. Segundo uma pesquisa da plataforma MaisMei, 53,9% das microempreendedoras se identificam como negras. A maioria tem uma base educacional considerada sólida – 37,6% com ensino médio e 20,9% com ensino superior — e prevalência na faixa etária dos 35 a 44 anos (31,7%). Há, ainda, movimentos, como o afrofuturismo, que trazem novas perspectivas sobre a presença negra na tecnologia, na moda e no cinema.
Muitas destas conquistas são fruto da atuação de mulheres como Lélia Gonzalez, intelectual pioneira no feminismo negro no Brasil, Djamila Ribeiro, filósofa e escritora influente no debate público sobre racismo e feminismo, Conceição Evaristo, escritora premiada que é referência na literatura afro-brasileira, Benedita da Silva, primeira senadora negra. Essas mulheres, como muitas outras, abriram caminhos e influenciaram novas gerações, ampliando o debate sobre questões raciais e de gênero, dando visibilidade a pautas antes ignoradas.
A filósofa e doutora em Educação Sueli Carneiro ressalta a importância de compreender o impacto do racismo e do sexismo na vida das mulheres negras. “Para Lélia Gonzalez, o feminismo brasileiro padecia de um viés eurocentrista, que negligenciava a centralidade da raça nas desigualdades de gênero. Essa perspectiva permitiu que compreendêssemos a interseccionalidade como fator determinante nas dinâmicas de exclusão social”, afirma.
A ativista também destaca a relevância de políticas afirmativas para a inclusão dessas mulheres em espaços de decisão e mercado de trabalho, ressaltando que “o empoderamento vai além do discurso, exigindo ações estruturadas e investimentos em capacitação”.
Segunda Década Internacional para Afrodescendentes
A Segunda Década Internacional de Afrodescendentes, promulgada pela ONU, vai de 2025 a 2034, tem como base o progresso dos últimos 10 anos no avanço dos direitos humanos das pessoas afrodescendentes em todo o mundo, com o tema “Pessoas Afrodescendentes: Reconhecimento, Justiça e Desenvolvimento”, a resolução foi proposta pelo Brasil, em parceria com Antígua e Barbuda, Bahamas, Bolívia, Burundi, Colômbia, Costa Rica, Jamaica, Santa Lúcia e Estados Unidos.
Por meio da Primeira Década (2015-2024), as Nações Unidas forneceram um plano de ação para que Estados e sociedade civil se unissem para efetivar e promover os direitos das pessoas afrodescendentes, focando em três aspectos principais: reconhecimento, justiça e desenvolvimento.
Ao longo desse período, mais de 30 países mudaram suas leis e políticas para combater a discriminação racial, e iniciativas das Nações Unidas capacitaram jovens líderes afrodescendentes, celebraram a herança e cultura afrodescendentes e, em 2021, levaram à criação do Fórum Permanente de Afrodescendentes.
um objetivo importante é a elaboração e adoção de uma declaração da ONU sobre o respeito, proteção e cumprimento dos direitos humanos das pessoas afrodescendentes.
A justiça racial exige ação coletiva. Para garantir os plenos direitos e liberdades das pessoas afrodescendentes, os Estados e todos nós devemos confrontar efetivamente os legados da escravidão e colonialismo, desmantelar o racismo sistêmico e entregar justiça reparatória. São necessárias ações ousadas para promover mudanças reais”, declarou o Alto Comissário da ONU ara os Direitos Humanos, Volker Türk,
Para saber mais, siga @onuderechoshumanos nas redes e visite a página da Primeira Década de Afrodescendentes, em português: https://decada-
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