A morte de um dos maiores pugilistas do Brasil nas últimas décadas, José Adilson Rodrigues dos Santos, conhecido como Maguila, trouxe à tona mais conhecimentos sobre a encefalopatia traumática crônica (ETC), também conhecida como demência pugilística ou ‘síndrome do boxeador’. O ex-boxeador foi diagnosticado há 18 anos com a doença, provocada por repetidas lesões na cabeça, em atletas do boxe e do futebol, principalmente.
A família doou o cérebro de Maguila para pesquisas sobre a doença. A decisão foi tomada em vida pelo próprio Maguila. O cérebro do ex-boxeador agora está no “Banco de Cérebros”, como é conhecido o projeto do Biobanco para estudos no envelhecimento da Faculdade de Medicina da USP. Mesmo lugar para onde foram os cérebros do também boxeador Eder Jofre, em 2022, e do ex-capitão da seleção brasileira de futebol Bellini, em 2018. Ambos tiveram a mesma doença de Maguila.
É um ato de grandeza da pessoa que manifestou isso em vida. Eu me lembro de algumas vezes no consultório dele falar disso”, diz o médico neurologista Renato Anghinah.
Maguila morreu aos 66 anos nesta quinta-feira (24), em Itu, no interior de São Paulo. Apesar da confirmação da morte do icônico lutador, a causa precisa ainda não foi divulgada. Em entrevista à Record TV, Irani Pinheiro, esposa do boxeador, disse que ele estava internado há 28 dias, poucos dias depois de descobrir um nódulo no pulmão. O velório ocorre nesta sexta-feira (25/10), na Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp).
Ele ficou 28 dias internado, e a gente procurou não falar com a imprensa, porque eu procurei cuidar da minha família. É o momento de cada um. O Maguila estava há 18 anos com encefalopatia traumática crônica… Há 30 dias, foi descoberto um nódulo no pulmão, ele sentiu muitas dores no abdômen, tiraram dois litros de água do pulmão, não conseguimos fazer a biópsia”, disse a esposa.
Entenda os sintomas da demência pugilística
O neurocirurgião Feres Chaddad, professor e chefe da disciplina de Neurocirurgia da Unifesp e chefe da Neurocirurgia da BP – A Beneficência Portuguesa de São Paulo, explica que a encefalopatia traumática crônica é uma degeneração progressiva de células cerebrais provocada por diversas e repetidas lesões na cabeça. A doença também é muito comum entre jogadores de futebol, por conta de traumatismo causados pelo ato de cabecear a bola.
Esse problema pode causar diminuição de memória, lentidão em pensamentos e ações, além de, em casos mais avançados, doença de Parkinson. Há evidências que apontam que, ao longo dos anos, é possível que esses impactos repetitivos no crânio elevem as chances de desenvolvimento de doenças neurodegenerativas, especialmente entre os jogadores com o carreiras mais longas e aqueles que jogam em posições com a maior probabilidade de impacto na cabeça”, explica.
Marcel Simis, neurologista do Hospital Albert Einstein, disse à CNN que o processo neurodegenerativo é progressivo e os sintomas costumam surgir tardiamente, cerca de 10 a 15 anos depois dos traumas, um processo que tende a acontecer e ir se agravando ao longo do tempo.
Ao longo da carreira do boxeador, vão acontecendo pequenos traumas no cérebro resultantes dos impactos e esses microtraumas vão gerando alterações cerebrais que geram processos inflamatórios, induzindo a uma doença neurodegenerativa”, explica.
Entenda os sintomas da demência pugilística
Os sintomas da encefalopatia traumática crônica, ou da demência pugilística, podem incluir:
- Alterações no humor, podendo incluir sintomas depressivos;
- Mudanças no comportamento, com tendência a agir de forma impulsiva e impaciente;
- Alterações nas funções cognitivas, com dificuldade de memória, confusão mental e dificuldade para se organizar;
- Dificuldade para produzir a fala;
- Descoordenação motora.
Um dos sintomas mais comuns é a alteração no humor. O paciente pode ter sintomas de ansiedade e de depressão. Quando evolui para um quadro de demência, podem haver outras alterações cognitivas associadas, como perda de memória, dificuldade de atenção, mudanças de comportamento, podendo tornar-se mais agressiva ou impulsiva”, afirma Simis.
Demência pugilística e Alzheimer: qual a diferença?
O Alzheimer é um dos principais tipos de demência e, geralmente, a idade avançada é um dos principais fatores de risco. A causa do Alzheimer ainda é desconhecida, mas acredita-se que a doença se desenvolva por fatores genéticos, de acordo com o Ministério da Saúde.
No caso da demência pugilística, os primeiros sintomas podem acontecer em pessoas mais jovens, principalmente entre aqueles que sofrerem traumas cranianos repetitivos. “A história do paciente e algumas características diferem a demência do boxeador do Alzheimer”, afirma o neurologista.
Tratamento e prevenção
Segundo Simis, não existe um tratamento específico para esse tipo de demência. “Por vezes, é possível tratar os sintomas. Então, podem ser usados antidepressivos para pacientes com sintomas de depressão, por exemplo. Para sintomas como agressividade, impulsividade e perda de inibição, também existem medicamentos específicos para lidar com esses sintomas”, afirma.
Por vezes, em alguns casos, podem ser utilizados medicamentos comuns no tratamento do Alzheimer. De acordo com o neurologista, a principal forma de prevenir demência pugilística é evitar traumas cranianos. Nos Estados Unidos, houve alterações nas regras do futebol americano justamente para evitar o trauma de crânio pelas complicações que estavam acontecendo com os jogadores.
Existe essa discussão para outros esportes, incluindo o nosso futebol, descrito como um fator de risco para essa condição, no caso, por cabecear a bola. Então, evitar esse tipo de esporte é a principal prevenção. Quando isso é inevitável, não existe um tratamento profilático e não existe um tratamento para reverter essas lesões”, afirma.
Com informações da CNN e Terra