Cerca de 15 mil pacientes em estado grave que realizam tratamento para a Hepatite C na rede pública de saúde não terão mais acesso ao Sofosbuvir, apontado como uma solução para 95% dos casos. Uma ordem judicial da 14ª Vara de Brasília (DF) impede o Ministério da Saúde receba e distribua o genérico do medicamento.
A medida foi expedida na última quarta-feira (19) após a farmacêutica norte-americana Gilead ter entrado com o pedido na Justiça. Uma liminar concedida no fim de setembro deste ano derrubava a patente concedida à empresa pelo Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI), vinculado ao Ministério da Indústria e Comércio.
O produto é o antirretroviral responsável por um dos tratamentos mais eficazes contra a hepatite C. Com a medida, apenas a Gilead poderá vender o remédio no Brasil, impedindo a produção de genéricos que é fabricada pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e Blanver (empresa brasileira), a partir de convênio registrado na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
A organização humanitária internacional Médicos Sem Fronteiras (MSF) emitiu nota oficial nesta sexta-feira (21) em que lamenta profundamente a decisão. “Essa decisão prejudica 15 mil pacientes que estão na fila de espera pela possível cura da doença. São vidas que dependem do medicamento”, argumentou Ana de Lemos, diretora-geral de MSF-Brasil.
O Conselho Nacional de Saúde também já havia se manifestado, quando houve a concessão da patente. “O CNS não ficará calado e não permitirá que os interesses de uma empresa de capital estrangeiro se sobreponham aos interesses da saúde pública do Brasil. Assim, solicita imediatamente que o conselho de ministros que compõe a Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos se reúna para emitir uma ação firme contra essa decisão”, diz a nota.
Para o MSF, com a decisão, ficará difícil para o Ministério da Saúde alcançar a meta de ampliar o acesso ao tratamento da hepatite C, sendo obrigado a comprar da Gilead a preços mais elevados. E com isso pode até mesmo não conseguir cumprir o compromisso já estabelecido de erradicar a doença até 2030. O compromisso da pasta era adquirir 50 mil tratamentos/ano, mas o ritmo é considerado insuficiente para eliminar a doença.
O genérico foi adquirido pelo Ministério em pregão realizado no último mês para atender em caráter de urgência 15 mil pessoas com hepatite C, em estado grave, que aguardam há um ano pelo tratamento. Com a decisão da 14ª Vara, os lotes do genérico não poderão ser entregues aos pacientes mais graves. No Brasil há quase 700 mil pessoas com a doença, segundo o Ministério da Saúde, e muitos não têm acesso ao tratamento devido ao alto custo.
O MSF informou ainda que adquire o tratamento completo com medicamentos genéricos da mesma qualidade dos remédios de marca a US$ 120 para os projetos em 13 países onde trata a doença. Ministério da Saúde e INPI ainda não se manifestaram a respeito.
Laboratório tenta negociar outra medicação
Em nota oficial, a Gilead esclareceu que a decisão liminar não suspendeu a entrega e, sim, a concretização de uma compra de medicamentos decorrente do pregão ocorrido em 27 de novembro de 2018. “Caso a compra fosse concluída, com a posterior entrega do medicamento, faria com que o tratamento da Hepatite C no Brasil continuasse sendo feito com a medicação lançada no país, em 2015, e com um custo aproximadamente 40% superior ao custo de drogas mais modernas, de última geração, lançadas no Brasil em 2018”.
E reafirmou informação divulgada em setembro, em que negava as acusações de prática abusiva de preços e exploração indevida da patente. Diz que está tentando negociar com o Ministério da Saúde a venda de medicamentos mais modernos para Hepatite C (sofosbuvir + velpatasvir), com preços inferiores ao Sofosbuvir genérico (U$ 1.506 em valores de setembro) e outro medicamento, ambos ofertados por outros laboratórios.
Explica ainda que, além do preço inferior, a combinação chamada Epclusa® (sofosbuvir + velpatasvir), aprovada recentemente pelo Ministério da Saúde para ser oferecida pelo SUS, evita a necessidade de testes de diagnóstico e prevê a tomada de apenas um comprimido diário por 12 semanas, durante três meses, para todos os pacientes. Veja abaixo, na íntegra, a nota oficial da Gilead:
Nota da Gilead sobre liminar que suspende a compra do sofosbuvir genérico
“A Gilead esclarece que a decisão liminar não suspendeu a entrega e, sim, a concretização de uma compra de medicamentos decorrente do pregão ocorrido em 27 de novembro de 2018.
Caso a compra fosse concluída, com a posterior entrega do medicamento, faria com que o tratamento da Hepatite C no Brasil continuasse sendo feito com a medicação lançada no país, em 2015, e com um custo aproximadamente 40% superior ao custo de drogas mais modernas, de última geração, lançadas no Brasil em 2018.
O Ministério da Saúde tem em suas mãos uma proposta em que a Gilead oferece a geração mais atual do tratamento completo em comprimido único (sofosbuvir + velpatasvir) para Hepatite C a preços inferiores ao tratamento com sofosbuvir genérico (ofertado pelo lab Blanver) + daclatasvir (ofertado pelo lab BMS).
Além do preço inferior, a terapêutica mais atual, denominada Epclusa® (sofosbuvir + velpatasvir), aprovada recentemente pelo Ministério da Saúde para incorporação no Sistema Único de Saúde (SUS), simplifica grande parte do processo de diagnóstico da doença, pois elimina a necessidade da realização dos testes e consiste na tomada de apenas um comprimido diário por 12 semanas (3 meses) para todo e qualquer paciente.
Por fim, apesar de não estar autorizada a comentar as ações judiciais em curso, a empresa reitera que não abre mão de ter os seus direitos, em especial os de propriedade intelectual, devidamente respeitados, conforme assegura a legislação brasileira
VEJA MAIS
Genérico contra hepatite C pode ajudar o Brasil a poupar vidas
Sofosbuvir: esperança no tratamento da febre amarela
Genérico para tratar Hepatite C é aprovado pela Anvisa
Molécula é capaz de eliminar o vírus da hepatite C
A Fapesp anunciou em novembro que um novo composto que inibe a replicação do vírus da hepatite C (HCV) em diversos estágios de seu ciclo – e é capaz de agir também em bactérias, fungos e células cancerosas – foi sintetizado por pesquisadores da Universidade Estadual Paulista (Unesp). O estudo foi descrito em artigo publicado na revista Scientific Reports, do grupo Nature.
“O que fizemos foi combinar moléculas já existentes, por meio de síntese em laboratório, para produzir novos compostos com potencial biológico. Esse método é chamado de bioconjugação. Por meio da bioconjugação, sintetizamos seis compostos e os testamos nos genótipos 2a e 3a do HCV. E conseguimos chegar a um composto com grande potencial terapêutico”, disse o químico Paulo Ricardo da Silva Sanches, um dos dois autores principais do estudo, à Agência FAPESP.
Molécula também age em bactérias, fungos e células cancerosas
“A ótima notícia é que essa molécula não age apenas no HCV. Pode agir também em bactérias, fungos e células cancerosas. Além disso, como os vírus do zika e da febre amarela apresentam ciclos replicativos bastante parecidos com o do HCV, vamos testar a efetividade do AG-hecate também em relação a esses vírus”, disse o professor Eduardo Maffud Cilli, orientador do doutorado de Sanches no Instituto de Química da Unesp em Araraquara (SP).
No caso do câncer, a molécula interage e destrói a membrana da célula afetada. Aqui, a seletividade da ação do AG-hecate deve-se ao fato de que a célula modificada pelo câncer tem uma quantidade maior de cargas negativas na superfície do que a célula normal. E o peptídeo tem carga positiva. Então, a ação se dá por atração eletrostática. No caso do vírus, o mecanismo de ação da molécula é mais complexo.
Segundo ele, “o tempo médio para o planejamento e desenvolvimento de peptídeos terapêuticos é de 10 anos. Acabou de sair um estudo com esses dados. Até agora, foram despendidos aproximadamente dois anos no desenvolvimento da molécula de AG-hecate”. “Considerando a média estatística, serão necessários mais oito anos antes que a droga chegue ao mercado.”
Composto ataca mais o vírus do que a célula hospedeira
Os pesquisadores testaram o AG-hecate tanto no vírus completo quanto nos chamados “replicons subgenômicos”, que possuem todos os elementos para a replicação do material genético do vírus nas células, mas são incapazes de sintetizar proteínas responsáveis pela infecção. E o composto foi eficiente em todos os testes.
Outra virtude apresentada pelo composto foi seu alto índice de seletividade. Isso significa que ele ataca muito mais o vírus do que a célula hospedeira. E, assim, tem potencial para ser utilizado como fármaco no tratamento da doença.
“Apesar de o composto apresentar pequena atividade nos eritrócitos, os ‘glóbulos vermelhos’ do sangue, a molécula precisa passar por alterações em sua estrutura para reduzir ainda mais a sua toxicidade. É nisso que estamos trabalhando agora, para que a pesquisa possa evoluir da fase in vitro para a fase in vivo”, disse o pesquisador da Unesp.
Fonte: MSF, CNS e Fapesp, com Redação