J. sofreu todos os tipos de agressões enquanto viveu com o ex-marido. O primeiro tapa veio quando eram ainda namorados na adolescência – ele com 16, ela com 14. “Depois que deu a primeira bofetada, ele passou a agredir sempre, sem demonstrar arrependimento”, lamenta. Foram incontáveis as vezes em que J. apanhou em casa, em seis anos de convivência.
Em algumas ocasiões, ela chegou a usar os filhos como escudo; em outras, acabou desmaiando de tanta dor. Tudo só terminou quando o ex-marido decidiu sair de casa porque conheceu outra mulher. Na avaliação dela, a espiral de violência foi intensa porque naquela época não existia a Lei Maria da Penha. “Hoje as pessoas falam mais, abordam mais o problema. Se fosse nos tempos de hoje, tudo seria diferente”.
Símbolo da luta das mulheres por uma vida sem violência, a farmacêutica cearense Maria da Penha foi vítima de uma dupla tentativa de feminicídio pelo ex-marido em 1983, quando ficou paraplégica. A postura combativa de Maria da Penha em busca de justiça fez com que a Corte Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA) condenasse, em 2001, o Estado brasileiro por omissão e tolerância à violência contra a mulher.
O caso inspirou a criação da Lei federal 11.340/06, a chamada Lei Maria da Penha, que completa 15 anos neste sábado (7). Mas o que essa legislação mudou, na prática, no combate à violência de gênero? Para a juíza Juliana Cardoso, da 2ª Vara Criminal de Itaboraí e do Juizado de Violência Doméstica e Família Adjunto, é a impossibilidade de aplicação de medidas despenalizadoras, além do tratamento que crimes de lesão corporal passaram a ter.
“A lei trouxe aos olhos da sociedade uma maior visibilidade para uma das principais formas de violência contra a mulher, que é a violência doméstica, ao positivar uma questão que era negligenciada. Trouxe a seriedade de como a questão deve ser tratada, de forma transversal”, acrescenta.
De 2015 até junho de 2021, deram entrada no Judiciário fluminenses 573 casos novos de feminicídio, sendo 263 deles por tentado. O crime de lesão corporal contra elas, por exemplo, respondeu por 52,81% (74.018) das ações penais distribuídas de janeiro de 2013 a junho de 2021 no universo da violência doméstica. Já as ações penais por estupro somam, no mesmo período, 608, sendo 70 delas de janeiro a junho de 2021 – veja mais aqui.
App Maria da Penha Virtual ajuda vítimas
O Tribunal de Justiça do Rio informou que vem trabalhando em diferentes frentes de combate à violência doméstica e familiar contra a mulher, como a preventiva, a protetiva e a de acolhimento. Causa assumida pelo presidente do TJRJ, desembargador Henrique Carlos de Andrade Figueira, desde o início de sua atual gestão, o enfrentamento se faz cada vez mais necessário diante dos alarmantes índices de crimes contra a mulher em razão de seu gênero.
Uma das ferramentas desenvolvidas pelo TJ-RJ é o Maria da Penha Virtual. O web app (página que se comporta como um aplicativo) pode ser acessado de qualquer dispositivo eletrônico, por meio de um link. Por isso, não precisa ser baixado, não ocupa espaço na memória do aparelho e mantém a segurança da vítima da violência doméstica.
Ao acessar o Maria da Penha Virtual, a vítima preenche um formulário com dados pessoais, dados do agressor e sobre a agressão sofrida, podendo anexar foto e áudio como meio de prova. De acordo com o caso, escolhe as medidas protetivas alinhadas ao que diz a Lei Maria da Penha. Ao final, é gerada uma petição de pedido de medida protetiva de urgência, que será distribuída para um dos juizados com competência em violência doméstica e familiar.
A juíza Katerine Jatahy, em exercício no VI Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher da Leopoldina, acredita que o aplicativo traz inúmeras vantagens, como ajudar as vítimas a vencerem o medo e denunciarem. “O maior motivo da mulher não denunciar é o medo. Eu diria para essa mulher que nós não merecemos viver uma vida de violência. Nós somos dignas de viver com respeito. A nossa casa deve ser um local de proteção, de solidariedade. Não seja a próxima vítima, procure ajuda”, alerta.
Policia tem que comunicar casos à Justiça
A Polícia Civil do Rio de Janeiro deve comunicar à Justiça casos de iminência ou de prática de violência doméstica e familiar contra a mulher imediatamente após o registro de ocorrência, pedindo a adoção, quando for o necessário, das providências para a concessão de medida protetiva. É o que determina a Lei 9.106/20, publicada no Diário Oficial do Estado em novembro de 2020.
Segundo a norma, a comunicação poderá ser realizada, com ciência expressa à vítima, de forma eletrônica ou física, desde que seja assegurada a celeridade do processo. Nos casos de ajuizamento da tramitação processual, a vítima dever ser informada dos direitos a ela conferidos, inclusive os de assistência judiciária gratuita. A medida regulamenta o Artigo 10 da Lei Maria da Penha no Estado do Rio.
O objetivo do projeto é acelerar o procedimento de comunicação da ocorrência registrada junto à autoridade policial ao juízo competente, de modo a resguardar a integridade física e psicológica das mulheres vítimas de violência doméstica e familiar, conforme explicou o autor da medida, deputado Waldeck Carneiro (PT).
Com Assessorias