Um vírus ainda pouco conhecido, mas que já infectou 2 milhões de brasileiros, pode assustar mais que o temido HIV. O novo perigo atende pela sigla em inglês HTLV (ou Vírus T-Linfotrópico Humano) e acaba de ganhar um dia mundial só para conscientizar sobre os riscos que representa à saúde pública e o impacto nas vidas de milhões de pessoas.

Pela primeira vez no calendário mundial da saúde, a data que acontece neste sábado (10 de novembro) busca chamar atenção para a infecção que pode causar sérias complicações. Um alto índice de soropositividade já foi detectado nos estados da Bahia, Maranhão, Minas Gerais e Rio de Janeiro.

Entre as quatro linhagens do vírus já identificadas, está o HTLV-1, o mais disseminado, que pode provocar síndromes graves, como a mielopatia associada ao HTLV – que afeta a medula espinhal – e a leucemia de células T humana do adulto, um tipo de câncer sanguíneo.

“Apesar de não haver vacina, é possível adotar medidas para prevenir a disseminação do HTLV”, afirma a geneticista Ana Carolina Paulo Vice, chefe do Laboratório de Genética Molecular e Microorganismos do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz), que está à frente das pesquisas sobre o novo microorganismo.

Convocado pela Sociedade Internacional de Retrovirologia, o esforço conta com a participação de cientistas, profissionais de saúde e pacientes de diversos países. No Brasil, haverá ações em Salvador, São Paulo e Belo Horizonte, além do Rio de Janeiro, com uma atividade de divulgação sobre a doença.

Por aqui, a ação é promovida ela associação de pacientes ‘Grupo Vitamóre HTLV’ e será realizada na orla de Copacabana, neste sábado (10), às 12h, no quiosque 21, na altura da Rua Siqueira Campos.

As cores vermelha e branca tomarão a fachada do castelo da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), em Manguinhos, na Zona Norte do Rio de Janeiro, nas noites de sexta-feira e sábado, 9 e 10 de novembro.

Confira a entrevista com a geneticista Ana Carolina Paulo Vice:

Por que foi criado o Dia Mundial do HTLV?

O HTLV é um vírus que impacta enormemente a saúde pública, mas permanece tão negligenciado que sequer faz parte da lista de doenças negligenciadas da Organização Mundial da Saúde (OMS). O HTLV é um retrovírus como o HIV e foi descoberto antes da epidemia de Aids, mas até hoje não existe nenhum tratamento específico para a infecção. O Dia Mundial do HTLV visa esclarecer a população e chamar atenção das autoridades da área da saúde para a doença. Apesar de não haver vacina, é possível adotar medidas para prevenir a disseminação do HTLV.

Qual o alcance do HTLV no mundo e no Brasil?

No mundo, estima-se que até 10 milhões de pessoas estejam infectadas pelo HTLV, com taxas de infecção muito elevadas em algumas regiões do Japão, da África subsaariana, da América do Sul e do Caribe. O Brasil tem possivelmente o maior número absoluto de casos no mundo. Pesquisas indicam que o vírus pode atingir 1% da população, ou seja, cerca de dois milhões de brasileiros, com índice de soropositividade maior nos estados da Bahia, Maranhão, Minas Gerais e Rio de Janeiro. É importante notar que esses dados estão provavelmente subestimados, uma vez que faltam levantamentos amplos e, em muitas regiões do planeta, a infecção pelo HTLV nunca foi investigada. Cerca de 10% dos indivíduos infectados desenvolvem doença e as síndromes associadas ao HTLV são graves e têm alto impacto na vida das pessoas.

Que síndromes a infecção pelo HTLV pode causar?

O HTLV é um vírus que infecta células do sistema de defesa chamadas linfócitos T e pode causar diversas síndromes. Entre as mais graves está a mielopatia associada ao HTLV, também chamada de paraparesia espástica tropical, que afeta a medula espinhal, provocando dificuldades de movimento, até mesmo com perda da locomoção. Outro quadro importante é a leucemia de células T humana do adulto, um tipo de câncer sanguíneo associado ao vírus. Além disso, o vírus está ligado a síndromes dermatológicas, oftalmológicas e urológicas.

Como ocorre a transmissão do vírus?

As formas de transmissão do HTLV são semelhantes às do HIV: por via sanguínea, através da transfusão de sangue, transplante de órgãos ou do compartilhamento de seringas; entre parceiros, por meio de relações sexuais sem proteção, e de mãe para filho, pela amamentação. Além disso, não está esclarecido se o vírus pode ser transmitido durante a gestação ou no momento do parto.

Mesmo sem vacina, é possível prevenir a infecção?

Sim, existem medidas que podem ser adotadas com potencial de reduzir significativamente os novos casos. Uma das ações fundamentais é incluir a triagem para o HTLV nos exames do pré-natal em países com transmissão do vírus. Dessa forma, é possível fazer o aconselhamento das gestantes com relação ao aleitamento materno, que é a via de transmissão mais expressiva atualmente. Nos bancos de sangue, o Brasil foi um dos pioneiros ao implantar a triagem para o HTLV ainda no começo dos anos 1990, mas essa ainda é uma questão em alguns países. Medidas como o não compartilhamento de seringas e uso da camisinha nas relações sexuais também são importantes para a proteção, da mesma forma que ocorre com o HIV.

Como é o tratamento para pessoas infectadas pelo HTLV?

Como não existem medicamentos específicos contra o vírus, a opção são tratamentos voltados para combater os sintomas das síndromes provocadas pela infecção.

O que apontam as pesquisas sobre a transmissão intrafamiliar do HTLV?

Os estudos mostram a disseminação silenciosa do vírus nas famílias. A partir de uma pessoa infectada, o HTLV se espalha para o parceiro, pela transmissão sexual, e para os filhos, por meio do aleitamento materno. No Laboratório, analisamos os genomas dos vírus isolados das amostras dos pacientes. Confirmada a identidade das sequências genéticas, podemos afirmar que o mesmo vírus infectou os diferentes membros da família, o que aponta para a transmissão intrafamiliar. Essas pesquisas são realizadas em colaboração com diversas instituições nacionais e internacionais, e os resultados publicados reforçam a importância da transmissão intrafamiliar na disseminação do HTLV. Por exemplo, no estudo realizado numa área endêmica da Argentina, a transmissão para, pelo menos, um familiar foi verificada em 19 das 28 famílias de soropositivos analisadas.

Diante da relevância do HTLV, por que essa infecção permaneceu negligenciada por tanto tempo?

O HTLV foi o primeiro retrovírus humano identificado, em 1980. Esse conhecimento contribuiu para a rápida identificação do HIV – que foi o segundo retrovírus humano detectado – como agente causador da epidemia de Aids que emergiu em seguida. Porém, em grande medida, a gravidade da infecção e a velocidade de disseminação do HIV fizeram com que o foco fosse desviado do HTLV. Agora, a expectativa é que este cenário mude com a mobilização de profissionais de saúde, cientistas e, principalmente, pacientes, que têm se unido em associações em diversos países com objetivo de chamar atenção para o impacto do vírus e a necessidade de mais investimentos em pesquisas e ações contra a doença.

Fonte: Fiocruz, com Redação

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