Lucas Bernardo Alves, de 27 anos, é o primeiro homem trans a realizar um parto pelo Sistema Único de Saúde (SUS) na Maternidade Escola (ME) do Complexo Hospitalar da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) – conhecido como Hospital do Fundão. O jovem carioca iniciou o pré-natal na unidade federal no final do segundo trimestre de gestação e teve o parto marcado para este dia 12 de dezembro, perto de completar 39 semanas.
Maria Cecília nasceu forte e saudável. O parto foi acompanhado pela mãe de Lucas, Cleudia Penha, a pedido dela. “Pedi ao companheiro dele para que não tirasse esse momento de mim. Queria muito estar ao lado de Lucas e ver o nascimento da minha netinha”. Pedido feito, pedido aceito. O outro pai, Vinícius Freire Graciano, 43, celebrou essa alegria à distância por meio de uma videochamada feita por Cleudia.
A avó era a mais ansiosa dentro do centro cirúrgico e se emocionou quando viu a neta no colo do pai parturiente, logo após o nascimento. “Tá vendo, filho, como é sentir o maior amor do mundo? Como ela é linda!”, disse a avó, chorando de alegria, enquanto ajudava o filho a segurar Maria Cecília em seu colo.
Um dia após o nascimento, Vinicius registrou Maria Cecília como filha de dois pais, no cartório instalado na própria maternidade. “Eu já tinha até conversado com advogados, caso tivesse problemas nessa hora. Mas, pelo contrário, a atendente pediu a documentação e foi super simpática. O registro saiu rapidinho e ela só pediu para eu conferir. Enfim, a gente não teve problema nenhum com nada, foi excelente”, relata Vinícius, aliviado.
Às vezes, eu ainda me confundo com uso das palavras em relação a Lucas, mas sei que meu filho é muito responsável, é uma pessoa maravilhosa e o outro pai também. Tenho certeza que minha neta vai ser muito feliz, numa família com uma linda história para contar”, disse Cleudia, comovida e orgulhosa do filho.
Programa Transgesta em duas maternidades públicas
Lucas começou a ser atendido na Maternidade Escola após ser encaminhado pelo posto de saúde municipal do bairro de Santo Cristo, e recebeu apoio integral em todas as etapas, por meio do programa Transgesta, implantado em agosto de 2024.
A iniciativa da Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (Ebserh) oferece assistência especializada na gravidez de pessoas trans, acolhendo e fazendo o pré-natal para pessoas que se reconheçam e se declarem como transexuais, travestis, transgêneras, intersexo e outras denominações que representem formas diversas de identidade de gênero.
É a segunda instituição da Rede Ebserh a fazer o pré-natal especializado para atendimento à pessoa trans pelo Sistema Único de Saúde (SUS) – a primeira foi a Maternidade Climério de Oliveira (MCO), da Universidade Federal da Bahia (UFBA).
O acolhimento e o acompanhamento são realizados por uma equipe multiprofissional, composta por enfermeiro, nutricionista, assistente social, psicólogo, endocrinologista, nutrólogo, obstetra e psiquiatra, que definem o plano terapêutico e a rotina de cuidados para cada caso.
O pré-natal de Lucas transcorreu bem, o paciente teve o acompanhamento da equipe multidisciplinar, da psicologia, da psiquiatria, do serviço social, da nutrição e não teve nenhuma intercorrência, a avaliação pelo ultrassom seguiu normal”, informou a médica ginecologista Penélope Marinho, gerente de atenção à saúde da ME do CH-UFRJ/Ebserh.
‘Momento de felicidade para toda a equipe’, diz anestesista
Lucas já havia passado pelo processo de transição, então não fazia uso de hormônio. Ao iniciar o pré-natal na maternidade, no entanto, ele foi diagnosticado com asma, tendo sido encaminhado para tratamento no serviço de Pneumologia do Hospital Clementino Fraga FiIlho, que também faz parte do Complexo Hospitalar da UFRJ, gerido pela Ebserh.
Sou grato a isso também, a asma está totalmente estabilizada. Vivia muito cansado”, lembra Lucas. Ele tem o desejo de amamentar a neném pelo máximo de tempo e vai contar com o suporte da equipe da Maternidade Escola,
O chefe da Gestão de Qualidade e anestesista da maternidade, Sully Diderot, também participou do parto de Lucas e comemorou. “Foi um momento de felicidade para toda equipe. Lucas é uma pessoa muito gentil e nós o tratamos com muito carinho e respeito, da mesma maneira como tratamos todas as nossas pacientes. O atendimento humanizado é a regra em nossa maternidade, não a exceção”, expõe.
Jair Braga, chefe da Divisão Médica da maternidade e responsável pelo parto de Lucas, também comemorou: “O pré-natal de Lucas foi bem tranquilo. Nosso desejo é que ele e sua família tenham uma experiência maravilhosa, que todos tenham boas memórias da maternidade escola e que seja também um aprendizado para toda equipe”.
Letramento em diversidade de gênero e sexualidade
Lucas é só elogios para toda a equipe da Maternidade-Escola. Pouco antes de entrar no centro cirúrgico para realização da cesariana, ele falou do tratamento respeitoso que recebeu ao longo de toda a sua jornada.
Fui muito bem atendido. Não tenho nada a reclamar. Os profissionais daqui são excelentes e fui respeitado o tempo todo, inclusive com o uso correto dos pronomes. Eu não poderia estar em lugar melhor”, disse.
A questão do respeito ao nome social e à identidade de gênero, aliás, é um ponto fundamental no processo que envolve o acompanhamento médico e psicológico dos futuros pais e mães do programa Transgesta. No protocolo da linha de cuidado do projeto, o atendimento inicia-se na portaria, onde os funcionários fazem um acolhimento respeitoso e sem juízo de valor, independente do nome informado.
Uma vez solicitado o uso do nome social, este deverá ser utilizado durante toda a permanência da pessoa na instituição, inclusive nos registros em prontuário. A equipe da ME foi treinada incluindo todos os pontos de contato.
Estamos preparados para que esse paciente não sofra nenhum constrangimento. É muito importante que nossa equipe se aproprie dos termos corretos, do que deve e não deve ser usado junto à população trans”, diz Penélope Marinho, mostrando que humanização é a tônica do projeto.
Cartão pré-natal adaptado para o público trans
Segundo a gerente de atenção à saúde da ME do CH-UFRJ/Ebserh, outros hospitais do SUS já fizeram partos de pessoas trans. O diferencial da Maternidade Escola da UFRJ e da Maternidade Climério de Oliveira da UFBA é o serviço especializado de pré-natal para fazer esse acompanhamento dentro da rede SUS/Ebserh.
Para o programa Trangesta, a ME do CH-UFRJ, lançou o cartão pré-natal adaptado para a realidade do público trans, com a inclusão de informações como, o nome social, identidade de gênero, orientação sexual e parceria afetivo-sexual. Nele constam informações como o registro da história da gestação, com a descrição de exames, consultas, situações de saúde, pressão, batimentos cardíacos,
O atendimento à pessoa trans está sendo feito às quintas pela manhã e, para ter acesso ao projeto, a pessoa deverá procurar a unidade básica de saúde mais próxima à sua residência e ser encaminhada pela regulação ao pré-natal especializado na Maternidade Escola.
Sobre a Ebserh
A Maternidade Escola faz parte do Complexo Hospitalar da UFRJ, gerido pela Ebserh desde junho de 2024. Vinculada ao Ministério da Educação (MEC), a Ebserh foi criada em 2011 e, atualmente, administra 45 hospitais universitários federais. Essas unidades atendem pacientes do SUS. ao mesmo tempo que apoiam a formação de profissionais de saúde e o desenvolvimento de pesquisas e inovação.
Com informações da Ebserh (atualizado em 04/01/25)