Por tabela, acompanhei os jogos da Copa do Mundo de Clubes deste ano – que termina neste domingo (13/7). Moro com familiares que adoram futebol. Muitas vezes acho um saco ter que acompanhar os caras correndo atrás da bola, quando há tanta coisa mais interessante para se ver. Mas, dessa vez, gostei de acompanhar os procedimentos dos protocolos que tiveram como resultado a interrupção de quatro partidas, em diferentes cidades norte-americanas. Tudo porque foram emitidos alertas de tempestades e condições climáticas adversas, principalmente com a possibilidade de incidência de raios.

Uau, a cultura da prevenção superou a força do lobby e do negacionismo de tantos setores estadunidenses, pensei na hora. Já pensaram no que isso pode significar na realização da Copa do Mundo do ano que vem? Será que a Globo e outras redes poderosas vão suportar ficar à mercê do clima? Na terra do Tio Sam, essas interrupções não são novidade.

O National Weather Service (NWS), serviço de meteorologia dos Estados Unidos, tem um poder que impressiona quem é do país do jeitinho brasileiro. Não interessa se tem novela, se o dono do time que está no campo é influente, seja o que for, o jogo ou qualquer outra atividade ao ar livre, só prossegue se não há risco. Ou seja, a transmissão que envolve uma baita grana é afetada por aquilo que todo mundo já deveria ter se dado conta. Quem dá as tintas, a tela, o pincel, o lápis hoje é o clima!

Se qualquer raio for notado num entorno de oito quilômetros, a atividade esportiva é paralisada por 30 minutos. Só voltam a jogar ou competir (pois isso não é só com relação ao futebol) se não houver trovoadas – o que antecede o raio – pelo período de meia hora. Ou seja, o tempo de retorno depende das condições à medida que o tempo é analisado.

Conforme reportagem da ESPM, cada estádio e cada estado têm regras diferentes sobre questões climáticas. Mas a decisão é tomada em consenso entre a federação do futebol, os administradores e autoridades locais sobre a paralisação ou não. E lá, os protocolos seguem à risca as recomendações de cientistas e as estatísticas para as interrupções.

A cada ano, tempestades produzem cerca de 20 a 25 milhões de eventos com raio nos Estados Unidos – cada um deles é um potencial assassino. Alguns atingem diretamente a área, mas outros se estendem para longe, onde as pessoas percebem que a ameaça é baixa ou inexistente, e são pegas de surpresa”, segundo a agência governamental.

O NWS orienta que, para atividades ao ar livre, organizadores tenham um plano de segurança contra raio e o sigam à risca. Esse planejamento deve fornecer diretrizes de segurança claras e específicas para não haver erros de julgamento. A comunicação de risco foi previamente articulada e, na hora de agir, todos os tomadores de decisão sabem o que fazer conforme o seu papel.

Os protocolos já são antigos. Em 2012, um espectador morreu ao ser atingido por um raio durante uma etapa da National Association for Stock Car Auto Racing (NASCAR, em inglês), que em português a tradução ficaria Associação Nacional para Corridas de Carros de Série, mas que significa a Stock Car deles. O caso aconteceu no Autódromo de Pocono, na Pensilvânia. Desde então, o país passou a ter maior cautela com tempestades que possam ser potencialmente prejudiciais tanto aos atletas quanto ao público.

Ideia de que o Brasil não tem terremotos e furacões precisa ser revista

Voltando para Porto Alegre, recordo de um episódio que vivi anos atrás. O Roger Waters abreviou sua apresentação com o Beira Rio lotado, em um show animadíssimo. Foi ao microfone, se desculpou, mas disse que precisava terminar devido à previsão de chegada de uma grande tempestade.

Na hora, fiquei indignada. Achei que era exagero. Saí do estádio a pé e no caminho caiu uma bomba d’água. Cheguei em casa encharcada. Ou seja, a cultura da prevenção precisa ser trabalhada por vários lados. Nossa ideia de que no Brasil não tem terremotos, furacões etc., precisa ser revista.

Por aqui, autoridades, empresas, políticos ainda insistem em ignorar a nossa situação. Em reportagem da Agência Brasil, consta que só entre 2020 e 2023, o Brasil teve 7.539 desastres climáticos causados por chuvas intensas (nem incluiu o maior episódio da história, o do ano passado no RS). Um aumento de 222,8% em relação a toda a década de 1990, quando foram registrados 2.335 episódios dessa natureza.

São enxurradas, inundações, temporais e deslizamentos de solo, que, desde 2020, ocorreram com mais frequência e intensidade. Os dados são do relatório Temporadas das Águas: O Desafio Crescente das Chuvas Extremas, segundo estudo da série Brasil em Transformação, produzido pela Aliança Brasileira pela Cultura Oceânica e coordenado pelo Programa Maré de Ciência da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).

Essas situações expõem vários indícios. O primeiro é que nós, gaúchos, que achamos que podemos fazer tudo faça sol ou chova canivete, precisamos aprender a respeitar a natureza e o que apontam as previsões meteorológicas, mesmo que nem sempre se concretizem.

Ou seja, estamos vivendo um momento em que não dá para entrar com o carro onde a água avança na pista ou há correnteza. A nossa cultura é vulnerável justamente porque achamos que nunca vai dar nada. Que podemos nos arriscar. Ao sair de casa, feche bem todas as janelas. Mesmo que o Quintana já tenha escrito, que o seguro morreu de guarda-chuva.

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