A notícia da morte de Preta Gil, na noite do último domingo (20), pautou as redes sociais e provocou uma comoção coletiva. O luto e a comoção no mundo dos famosos, fãs e daqueles que se sensibilizaram com a garra da cantora em batalhar contra o câncer tomou conta da internet.

Artistas, personalidades, autoridades e milhares de pessoas anônimas pararam suas rotinas para lamentar a perda de alguém que nunca conheceram pessoalmente, mas que estava presente em suas vidas através da música, da televisão e dos momentos cotidianos nas redes. O Governo do Estado e a Prefeitura do Rio decretaram luto oficial de três dias.

A cantora e empresária de 50 anos, que lutava desde 2023 contra as complicações de um câncer colorretal, estava em Nova York, onde fazia desde maio um tratamento experimental contra a doença, diagnosticada em janeiro de 2023. A previsão era que esta etapa do tratamento terminasse somente em agosto quando, então, seriam divulgados os novos passos.

Em momentos de dor coletiva, entre lágrimas e homenagens, surge uma pergunta incômoda: por que precisamos da morte para lembrar que a vida é finita?”, questiona Betto Alves, psicanalista especialista em Desenvolvimento de Pessoas & Gestão e mestre em Administração pela Must University (Flórida). Segundo ele, a morte de uma personalidade pública funciona como um espelho cruel da nossa própria mortalidade.

Quando uma figura pública morre, não choramos apenas por ela. Choramos por nós mesmos, pelos sonhos que adiamos, pelas palavras não ditas, pelos abraços que deixamos para depois“, explica Alves. “Com sua energia contagiante e autenticidade, Preta representava para muitos a coragem de ser quem se é, algo que a maioria de nós ainda luta para conquistar”.

Desde março, a cantora relatou uma nova dificuldade: o esgotamento de tratamentos que possam ajudar na remissão da doença no Brasil (Foto: Redes Sociais, Reprodução)

Sem tempo para viver

Segundo o especialista, a partida de Preta Gil nos força a olhar para nossa própria vida. “É como se o universo gritasse: ‘E você? O que está fazendo com o tempo que tem?’”. A resposta, para a maioria, é desconfortável. Estamos ocupados demais trabalhando, planejando, adiando. Sempre adiando.

A escritora e trabalhadora de cuidados paliativos Bronnie Ware passou oito anos cuidando de pessoas em fase terminal e documentou os cinco maiores arrependimentos de quem está morrendo. O primeiro, e mais frequente, é ter a coragem de viver uma vida fiel a si mesmo, e não à vida que os outros esperavam.

Os outros arrependimentos seguem a mesma linha: trabalhar demais, não expressar sentimentos, perder contato com amigos, não se permitir ser feliz. Todos conectados por um fio comum: a ilusão de que sempre haverá um “depois” para consertar as coisas.

Eu vejo isso no meu consultório, muitas pessoas chegam até mim percebendo que construíram uma vida que não é delas. Escolheram profissões para agradar os pais, relacionamentos por conveniência, rotinas que as sufocam”, conta o psicanalista.

Vivemos numa sociedade que transformou o “estar ocupado” em medalha de honra. Vendemos férias, trabalhamos fins de semana, respondemos e-mails na madrugada. “Existe uma diferença brutal entre produtividade e produtivismo. A primeira te leva aos seus objetivos de forma inteligente. A segunda te mata lentamente, roubando sua vida enquanto você acha que está construindo algo”, resume Alves.

Equilíbrio entre vida pessoal e profissional

A ironia é cruel: corremos atrás do sucesso para ter uma vida melhor, mas no processo perdemos a própria vida. “Amanhã eu penso nisso”, “na hora certa”, “ainda não é a hora”. Quantas vezes você já usou essas frases? Betto Alves é direto: “essas são as palavras favoritas de quem tem medo de viver”.

A questão, diz o especialista, não é abandonar responsabilidades ou viver de forma irresponsável. “É sobre parar de terceirizar sua felicidade para um futuro hipotético que pode nunca chegar. É sobre entender que o equilíbrio entre vida pessoal e profissional não é luxo, é sobrevivência emocional”, afirma.

Quando uma pessoa famosa morre, as pessoas voltam a fazer promessas como ‘vou passar mais tempo com a minha família’, ‘vou realizar meus sonhos’, ‘vou dizer mais eu te amo’. “Mas em duas semanas, a maioria volta à mesma rotina destrutiva. Por quê? Porque mudança real exige coragem, e coragem dói.”

Gestão do tempo é um ato de amor-próprio

O caminho, diz o psicanalista, é o autoconhecimento e o gerenciamento do tempo. E gerenciar o tempo não é sobre fazer mais coisas: é sobre fazer as coisas certas. “Sobre criar espaço para o que realmente importa antes que seja tarde demais. É sobre entender que cada “sim” para algo irrelevante é um “não” para algo essencial. A gestão de tempo é, na verdade, gestão de prioridades”, explica o especialista. “E suas prioridades revelam quem você realmente é, não quem você diz ser.”

A morte de Preta Gil, como a de qualquer pessoa que admiramos, escancara um fato doloroso: não temos garantias, não sabemos se teremos amanhã. O que sabemos é que temos agora. “A pergunta que faço aos meus pacientes é simples: se você soubesse que tem apenas um ano de vida, o que mudaria hoje? A resposta a essa pergunta deveria guiar suas decisões, não apenas em momentos de luto coletivo, mas todos os dias.”

O luto passa. A comoção diminui. As homenagens param. Mas a vida continua, sua vida continua. E ela está esperando que você pare de adiar e comece a vivê-la de verdade. A questão não é se você tem tempo. A questão é: o que você vai fazer com o tempo que tem?

Luto: Como o acolhimento pode ajudar a superar perdas?

Em meio a tantas manifestações de pesar pela morte da cantora, fica a pergunta: como lidar com a perda de pessoas queridas, principalmente aquelas que partem de forma precoce, ainda jovens? Para o o psiquiatra Thiago Lemos de Morais, o luto é um processo doloroso e complexo, enfrentado por todos em algum momento da vida.

Perder alguém querido é uma experiência que pode abalar profundamente as emoções, gerando sentimentos profundos de tristeza, confusão e, em algumas vezes, até culpa. Nesses momentos, o acolhimento se torna fundamental para ajudar aqueles que estão passando por esse processo.

Cada pessoa lida com a perda de maneira única e o tempo necessário para processar essa dor pode variar consideravelmente. É importante reconhecer que não há um “caminho certo” para lidar com o luto, e as expectativas sociais muitas vezes podem complicar esse processo. “O acolhimento deve ser uma abordagem sensível e respeitosa, que permita espaço para a expressão dos sentimentos, sejam eles de tristeza, saudade e até mesmo raiva.”, explica

“O simples ato de escutar — sem pressa de oferecer conselhos ou tentar “resolver” a dor do outro — pode ser extremamente reconfortante.”, afirma o especialista. Gestos como um abraço, uma mensagem de apoio ou até mesmo a disposição de passar tempo juntos em silêncio podem fazer a diferença. Esses momentos de conexão humana ajudam a validar a dor da pessoa enlutada e mostram que ela não está sozinha.

Além do apoio emocional, é crucial que o acolhimento também considere as necessidades práticas, como oferecer ajuda com tarefas do dia a dia, como preparar refeições ou cuidar de afazeres. Muitas vezes, as pessoas em luto se sentem sobrecarregadas, e pequenas ações de apoio podem trazer um alívio significativo.

Profissionais de saúde mental, como psiquiatras, psicólogos e terapeutas também desempenham um papel importante no processo, oferecendo ferramentas para entender e navegar pela dor. “O luto é um caminho difícil, mas se compreendido da forma adequada pode proporcionar um espaço seguro para vivenciar a dor sem prejudicar outras áreas da vida daqueles que ficam.”, conclui dr. Thiago Lemos.

A empatia e o amor demonstrados durante esses momentos podem deixar uma marca duradoura, mostrando que a conexão humana é uma das forças mais poderosas na jornada da superação do luto.

Preta Gil e a luta contra preconceitos

Preta Gil marcou presença na cena musical em 21 anos de carreira, com muitos hits populares e também no Carnaval carioca, com o bloco que levava seu nome. A cantora também se notabilizou pelas inúmeras histórias de superação ao longo da vida. E não foi só pelo câncer, mas também outras adversidades.

Alvo constante de piadas racistas e gordofóbicas nas redes sociais, a cantora sempre fazia questão de mostrar sua luta em meio a preconceitos relacionados ao seu peso corporal e à sua bissexualidade. A artista ainda sofreu críticas por expor o fim do seu casamento após uma traição em pleno tratamento contra o câncer.

Em 2023, ao descobrir o diagnóstico de câncer colorretal, Preta falava abertamente em suas redes sociais e em entrevistas sobre todo o processo, a conscientização e a prevenção da doença. Ao completar 50 anos, no dia 8 de agosto de 2024, lançou sua biografia,Preta Gil – Os Primeiros 50”, uma celebração à sua vida e dedicada à neta Sol de Maria.

Além do filho Francisco, de 28 anos; da neta Sol de Maria, de 7, e de uma legião de milhares de fãs, Preta Gil deixa um legado de luta contra o racismo, em defesa das mulheres, da comunidade LGBTQIA+ e da aceitação dos corpos reais.

Com Assessorias

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