Nas últimas semanas, diferentes cidades do Brasil adotaram a flexibilização das medidas restritivas para conter o avanço da pandemia pelo Covid-19, permitindo a abertura de diversos estabelecimentos. As novas regras de circulação incluem a obrigatoriedade do uso de máscaras por todos nas ruas e ambientes de trabalho, além da restrição de horários de funcionamento de lojas e centros de compras.
Ainda assim, o país ainda está longe de ver o risco de contaminação pelo novo coronavírus desaparecer e, em muitas localidades, governos ainda não descartam por completo a adoção do chamado ‘lockdown’ (bloqueio total) caso os índices de contaminação pelo novo vírus atinjam patamares mais elevados.
Neste cenário, quem depende de tratamento médico continuado para doenças diversas tem vivido momentos de apreensão e dúvidas. É o caso de quem enfrenta o câncer, doença que, de acordo com o Centro Internacional para Pesquisa do Câncer (IARC) – agência especializada da Organização Mundial de Saúde (OMS) – afeta 1,3 milhão de brasileiros e corresponde à realidade de 43,8 milhões de pessoas pelo mundo.
Uma estimativa das Sociedades Brasileiras de Patologia (SBP) e de Cirurgia Oncológica (SBCO) aponta que, apenas no mês de abril, 70% das cirurgias oncológicas foram adiadas. Além disso, ao menos 70 mil brasileiros deixaram de ser diagnosticados com câncer devido à não realização de exames essenciais para identificar a doença entre março e junho.
Mesmo tendo o Ministério da Saúde incluído o câncer no rol de doenças cujo tratamento não pode ser considerado eletivo, desde o início da pandemia, há registros que mostram índices preocupantes de adiamento de cirurgias e de exames diagnósticos da condição, o que pode afetar diretamente as chances de cura.
Para alertar os pacientes oncológicos e a população em geral sobre como a demora em buscar cuidados médicos adequados pode comprometer, até irreversivelmente, o sucesso na luta contra o câncer, o Instituto Oncoclínicas – iniciativa do corpo clínico do Grupo Oncoclínicas para promoção à saúde, educação médica continuada e pesquisa -, em parceria com sociedades de especialidades médicas e entidades não governamentais de suporte a pacientes oncológicos, lançou a campanha “O Câncer Não Espera. Cuide-se Já”.
Aberta à participação de empresas, entidades ligadas à área médica ou qualquer cidadão engajado na luta em favor da vida e da saúde dos brasileiros, a iniciativa tem por objetivo alertar a sociedade brasileira para os riscos do adiamento de diagnósticos, exames, cirurgias e tratamentos contra o câncer em função do temor relacionado à Covid-19.
O tempo é decisivo em muitas condutas. Na pandemia que parou o mundo, a evolução da curva epidemiológica da Covid-19 impactará nossas vidas por um tempo indeterminado. O câncer é uma doença grave, e que antes da pandemia já ocupava o segundo lugar no ranking das principais causas de morte no Brasil. Assim como há serviços essenciais que precisam continuar, existem tratamentos essenciais que devem prosseguir, sob risco de perdermos vidas que podem ser salvas”, afirma um dos idealizadores da campanha, o oncologista Bruno Ferrari.
Para ele, que é também fundador e presidente do Conselho de Administração do Grupo Oncoclínicas, é imperativo que o combate ao câncer não fique em segundo plano. “A OMS afirmou que, mesmo durante a pandemia, o câncer é considerado uma doença de emergência. O câncer não negocia prazos”, alerta.
Assim como a continuidade do tratamento, o médico lembra que a atenção para que a doença seja detectada precocemente não pode ser descuidada. “É imprescindível garantir a segurança dos que precisam ir a laboratórios, clínicas e aos hospitais, com sistemas ainda mais rigorosos para evitar o contágio de Covid-19. Nossa intenção, a partir dessa campanha, é alertar o público sobre a necessidade de preservarmos os fluxos essenciais para a manutenção da linha de cuidado oncológico e propor uma reflexão para que a pandemia não gere outros reflexos negativos para a saúde dos brasileiros”, completa Bruno Ferrari.
Ao lado do Instituto Oncoclínicas, assinam a campanha as seguintes entidades: Sociedade Brasileira de Radioterapia (SBRT), Sociedade Brasileira de Patologia (SBP), Sociedade Brasileira de Mastologia (SBM), Sociedade Brasileira de Cirurgia Torácica (SBCT), Associação Brasileira de Linfoma e Leucemia (Abrale), Associação para Crianças e Adolescentes com Câncer (Tucca), Instituto Oncoguia e Movimento Todos Juntos Contra o Câncer (TJCC). Interessados em aderir podem encontrar mais informações no www.ocancernaoespera.com.br.
Na pandemia, pacientes com câncer enfrentam dificuldades
Um levantamento recém-divulgado pelo Instituto Oncoguia, realizado por meio de questionário online enviado a pacientes e familiares entre 15 de março e 10 de maio, buscou dimensionar alguns impactos da pandemia da Covid-19 no câncer. Ao todo, 566 pessoas responderam, sendo 429 pacientes atualmente em tratamento.
O resultado mostrou que 43% dessas pessoas teve o tratamento afetado no período, com procedimentos adiados, cancelados e dificuldade para marcar consultas. Dos pacientes afetados, 34% realizam quimioterapia, 31% hormonioterapia, 9% radioterapia e o restante imunoterapia e outros tratamentos. O percentual também foi maior entre pacientes do SUS (60%) em comparação aos do setor privado (33%). Questionados sobre os motivos para adiamento ou cancelamento, a maioria dos pacientes apontou que a decisão foi da instituição onde fazia o tratamento.
Para quem tem o diagnóstico de câncer, Bruno Ferrari lembra que é importante manter o tratamento e a população deve estar ciente de seus direitos com relação ao acesso às terapias de controle da doença. No caso daqueles que optaram diretamente por adiar suas condutas de cuidado oncológico, ele frisa que manter o contato com o médico responsável é sempre a melhor alternativa antes de qualquer definição.
“É essencial avaliar cada paciente oncológico de forma individualizada. Converse com o especialista responsável pelo cuidado para saber da real necessidade de ir ao hospital/clínica. Isso garantirá mais segurança na tomada de decisão sobre como proceder”, explica o médico.
Telemedicina e novas alternativas de tratamento podem assegurar fluxos
Diante das incertezas sobre o novo vírus, Bruno Ferrari acredita que a telemedicina pode ajudar muito em casos de pacientes que não necessitam de atendimento presencial, ou como pré-triagem até mesmo na avaliação de necessidade do deslocamento, sendo um suporte relevante. “Seguindo a legislação vigente, podemos proporcionar o acompanhamento de pacientes, tanto para um primeiro atendimento quanto para casos em seguimento, por meio dessa plataforma. Essa possibilidade de contato virtual segue, obviamente, critérios que o médico avaliará caso a caso”, diz.
Outra possibilidade que, adicionalmente, vem sendo discutida entre a comunidade médica e o poder público é a ampliação do uso de medicações orais em situações em substituição à quimioterapia endovenosa, que depende de deslocamentos até um hospital ou clínica para ser realizada. A proposta, já aprovada pelo Senado Federal, segue em debate e aguarda a votação pela Câmara dos Deputados.
Ainda sem data certa para ser transformada em Lei, essa linha de medicamentos, quando aprovada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), passará também a constar automaticamente no rol da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) e permitindo que pacientes com plano de saúde tenham acesso a esses remédios avançados de controle do câncer.
Demos um passo importante para facilitar o acesso dos pacientes oncológicos às melhores terapias disponíveis no mercado. Agora é essencial que seja dada celeridade à votação na Câmara dos Deputados para que este projeto seja sancionado como lei pelo Governo Federal. Essa disponibilidade deveria se estender ao sistema público de saúde. É um direito de todos os pacientes. É um tema que precisa ser tratado em caráter de emergência”, pontua o fundador do Grupo Oncoclínicas.
Em tempos de Covid-19, ele reforça que é essencial entender as especificidades da linha de cuidado oncológico e conferir o olhar humanizado. “Os pacientes precisam se sentir, acima de tudo, assistidos em suas individualidades”, finaliza Bruno Ferrari.
‘O paciente não pode esperar‘, diz oncologista
Por Bruno Ferrari*
O tempo é decisivo em muitas condutas. Na pandemia que parou o mundo, a evolução da curva epidemiológica da Covid-19 impactará nossas vidas nos próximos meses. Os oncologistas estão na linha de frente da luta contra o câncer e agora, como todos, travamos a batalha mundial contra o novo coronavírus.
Os tratamentos oncológicos não devem ser interrompidos. A atenção para a doença ser detectada precocemente não pode ser descuidada. O adiamento de cirurgias e de exames diagnósticos pode afetar chances de cura. Temos procurado informar pacientes que temem prosseguir tratamentos. Isso vale para profissionais em toda linha de cuidado oncológico. É imprescindível garantir a segurança dos que precisam ir às clínicas e aos hospitais, com sistemas ainda mais rigorosos para evitar o contágio de Covid-19.
Por terem a imunidade comprometida, pacientes em tratamento ativo fazem parte do grupo mais vulnerável a desenvolver a Covid-19 na forma grave. Como todos, é essencial seguir as orientações de higiene, como lavar sempre as mãos, e evitar contato com pessoas com sintomas de gripe, febre e falta de ar. Se não há necessidade de sair de casa, não saia. Neste cenário, a telemedicina desponta como aliada. Mas muitas pessoas com câncer terão de enfrentar a angústia e o mundo externo às suas janelas para combater uma doença que é terrivelmente letal se não tiver tratamento adequado.
Assim como há serviços essenciais que precisam continuar, existem tratamentos essenciais que devem prosseguir, sob risco de perdermos vidas que podem ser salvas. É preciso que cada paciente discuta com seu oncologista benefícios e riscos de manter ou adiar procedimentos. Condutas devem ser individualizadas. Se houver diagnóstico de Covid-19, o tratamento da infecção será priorizado. Mas o mantra é: converse com seu médico.
Já são conhecidos relatos em países severamente atingidos pelo novo coronavírus que enfrentam interrupções na cadeia de suprimento de remédios. A comunidade médica internacional avalia mudanças substanciais em como a pesquisa e a medicina serão praticadas. Nos adaptaremos até que os efeitos da crise se concretizem por completo.
Médicos lidam com situações limite. O desafio é imenso, mas lutaremos. Uma pandemia dessa magnitude requer extremo cuidado e equilíbrio. O mundo tem aprendido: para cuidar de si, deve-se cuidar de todos. Temos a missão de cuidar da vida dos pacientes como se fossem nossas vidas e saberemos dar o melhor de nós até que tudo passe, com segurança para todos.
Bruno Ferrari é oncologista clínico, fundador e presidente do conselho de administração do Grupo Oncoclínicas
Fonte: Oncoclínicas