O ginecologista e obstetra Walter Palis assumiu em junho a presidência do Cremerj (Conselho Regional de Medicina do Estado do Rio de Janeiro), em meio ao pico da pandemia do novo coronavírus, com hospitais lotados e falta de materiais e insumos necessários para o trabalho dos médicos. Em entrevista exclusiva ao ViDA & Ação, ele analisa em especial a crônica falta de recursos na “cadeia de assistência à mulher gestante na rede pública”, que pode contribuir para um aumento nos índices de mortalidade materna.
Aliás, os números alarmantes de mortes entre mulheres no pós-parto por causa da Covid-19 acenderam o sinal vermelho nos consultórios médicos de todo o país. Dr Palis faz coro com boa parte dos profissionais que recomendam que os planos para engravidar sejam interrompidos nesses tempos de pandemia ainda não controlada. E traz uma advertência importante neste Dia da Gestante (15 de agosto).
Pelo bom senso e diante dos riscos para as grávidas, é de boa norma que se aguarde um pouco mais, que se aguarde as curvas decaírem ou o aparecimento da vacina ou uma droga que possa tratar adequadamente a Covid-19. Não seria o momento ideal (para engravidar)“, aconselha, ressaltando, porém, que a autonomia do casal deve ser respeitada.
Confira a entrevista na íntegra e ouça o podcast:
15 minutos com o Dr Walter Palis:
1 – Quais os principais desafios que as mulheres grávidas enfrentam em tempos de pandemia?
No início da pandemia, até abril, não havia menção específica ao risco da gravidez. A partir de dados externos, observou-se que havia um comportamento bastante ruim. Na gravidez, o estado imunológico se encontra um pouco menos responsivo. E passaram a adentrar no grupo de risco, primeiro para a ocorrência da patologia (Covid-19) e segundo para uma evolução desfavorável. A partir desse momento as grávidas passaram a ser vistas de forma diferenciada, com mais cuidado, com acesso priorizado no serviço público, já que no setor privado é um pouco menor. O desafio da mulher grávida é que, apesar de levar uma vida normal, muitas vezes já com filho, tiveram que se isolar e dar mais atenção aos cuidados de higiene. Ela passou a ter uma rotina de vida mais rígida.
2 – Um estudo mostrou que 8 em cada 10 gestantes e puérperas mortas por Covid-19 são brasileiras. Por que isso acontece?
Esse é um dado que nos chamou muita atenção. Se for mais específico, o Estado do Rio de Janeiro foi onde mais desses óbitos ocorreram. Não tem uma explicação única. Seria melhor se pudéssemos identificar que foi determinada por situação genética ou regional, mas não temos isso. Então temos que analisar vários dados por conta do que a gente já conhece em saúde pública. Sabemos que o acesso ao pré-natal na saúde pública não é o ideal, muitas vezes é feito por profissional não-médico, sem condição de identificar se é uma gravidez com risco.
Quando identificado (esse risco), muitas vezes não tem uma porta de entrada numa maternidade. E se tem, faltam nessa maternidade recursos para uma atenção terciária. A grávida que não complica, que a gravidez evolui bem, essa não nos traz problema. Mas a grávida com qualquer doença intercorrente, que faz a gestação ser de risco, sabemos que encontra problemas. Mas isso não vem da Covid-19. A Covid apenas agravou essa situação. E mostrou da forma pior possível esse déficit na cadeia de atenção às mulheres gestantes. Na esteira dessas deficiências, o resultado é esse que se apresentou: um número elevado de mortes maternas no Brasil e, particularmente, no Rio de Janeiro.
3 – Na prática clínica, o que mudou em relação às gestantes? Quais são os principais cuidados que elas devem tomar?
(A Covid-19) é uma doença que ainda não tem vacina, nem tratamento preventivo ou precoce. Muito se fala de várias opções, fica uma discussão por vezes políticas, por vezes técnicas. Mas o fato é que, consensualmente falando, não tem nem a vacina, que seria o método ideal para prevenir, nem uma droga que possa diminuir a chance de contágio ou droga específica para combater o vírus. Se não temos nenhuma dessas fases à disposição da grávida, então é certo que ela tem que fazer de forma bastante ostensiva os cuidados que são preconizados a todos. Lembrando que por serem grupo de risco, isso tem que ser radicalmente reafirmado.
Os cuidados são os que temos ouvido o tempo todo: distanciamento social, lavagem exaustiva das mãos, uso de máscara, evitar locais onde a contaminação possa se dar de forma mais ampla, como ambientes confinados, salas, reuniões, eventos. Ou seja, tudo o que é preconizado para a população em geral, mas, particularmente para a mulher gestante nesse período ela tem que se preservar com esse cuidado. É o que nós temos no momento a oferecer, não só para as grávidas, mas para a população em geral. Quiçá em breve poderemos ter a vacina e certamente as grávidas serão uma população que prioritariamente farão uso da vacina, por se encontrarem em grupo de risco, assim como profissionais de saúde, pessoas idosas com comorbidades. A grávida será priorizada, mas ainda não temos essa vacina em uso.
4 – O que o sr diria hoje para casais que pretendem engravidar? É melhor aguardar a pandemia passar e termos uma vacina segura?
A Medicina hoje valoriza muito o que a gente chama de autonomia do paciente. No caso, nem é paciente porque gravidez não é doença. Mas vamos pensar na decisão do casal em relação à gravidez. Evidente que essa autonomia deve ser respeitada. Porém, no aconselhamento – e isso é função nossa – o casal nos procura, querendo saber se engravida, não engravida, se suspende o uso da medicação contraceptiva ou não suspende. Pelo bom senso e pelo que acabamos de falar em relação ao risco da grávida, aos números da pandemia, é de boa norma que se aguarde um pouco mais, que se aguarde as curvas decaírem ou o aparecimento da vacina ou uma droga que possa tratar adequadamente a Covid-19. Não seria o momento ideal (para engravidar).
Mas repetimos: é uma decisão do casal. Como profissional da saúde, recomendo que se aguarde. Até quando? Eu não tenho essa resposta. É quando esses parâmetros caírem: o parâmetro da doença, da agressividade da doença, número de casos relacionados à gestão mortalidade relacionada à gestação. Enfim, que a gente consiga analisar vários parâmetros que nos mostrem mais segurança para permitir esse caminho. A prudência do ponto de vista científico nos levaria a recomendar que o momento (de engravidar) poderia ser postergado. Evidente que após a vacinação seria o momento ideal. Terá aquele tempo mínimo para saber quando a vacina começar a agir, a partir daí, aquelas que desejam engravidar pudessem realizar seus sonhos.
5 – Como presidente do Cremerj, como o sr avalia o papel dos ginecologistas/obstetras hoje neste cenário de pandemia?
A especialidade (Ginecologia/Obstetrícia) está inserida dentro desse grande contexto que foi a pandemia. Enquanto Cremerj, a gente não consegue diferenciar o que é o grupo de profissionais da unidade intensiva, das UPAs… Todos os médicos e não-médicos, profissionais de saúde, se envolveram de forma absoluta nos momentos anteriores que vivemos. Na nossa especialidade, o maior desafio foi exatamente com relação à gestante, por conta da redução no número de leitos, da falta de apoio de hospitais terciários para suporte crítico às mulheres que engravidam. Isso porque o grande número de maternidades são isoladas, não têm um hospital ou CTI acoplado. Esses foram os maiores entraves na pandemia relacionados à especialidade. Mas todos os médicos e todos se dedicaram de forma bastante expressiva para o enfrentamento da pandemia.
Com apoio da Assessoria de Imprensa do Cremerj