“Sou conhecida como ‘Camila Pé na Porta’ porque luto pelo acesso de mulheres pretas, pobres e faveladas aos seus direitos”. Com esse forte depoimento, usando uma expressão muito conhecida por moradores de favelas que são vítimas de ocupações policiais muitas vezes truculentas, Camila Aparecida Silva Santos, de 37 anos, recebeu o ‘Diploma Mulher Cidadã Leolinda de Figueiredo Daltro’ nesta segunda-feira (7), na Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj).

Nascida em um lugar chamado Grota, faz parte da quarta geração de uma família que vive em uma das comunidades do Complexo do Alemão. Desde os 5 anos ela acompanha sua mãe, na luta pelos direitos, principalmente pelos direitos das mulheres. Realiza um trabalho com diversas atividades sociais e de desenvolvimento para os moradores. “Acredito que as mulheres são a força motriz para produzir as ferramentas necessárias para transformação da sociedade, mas também são as que mais sofrem com a realidade”, diz ela

Camila ‘Pé na Porta’, que luta por direitos de mulheres no Alemão, foi uma das homenageadas com o Diploma Mulher Cidadã, da Alerj (Foto: Alex Serro)

Assim como ela, outras nove mulheres foram condecoradas:  Cláudia Vitalino, Conceição Cassano, Fátima Cidade, Gloria Heloiza,  Hildelene Lobato Bahia, Jandira Rocha de Oliveira, Marina Barros Ferreira Sobrinha e Nilce Naira Nascimento (saiba mais sobre cada uma delas abaixo). Entregue pela presidenta da Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher (CDDM) da Alerj, deputada Enfermeira Rejane (PCdoB), e pela deputada Tia Ju (REP), o diploma marca o início das celebrações da Casa pelo Dia Internacional da Mulher.

“São mulheres que se destacam na luta contra o racismo, o sexismo, a misoginia e atuam em movimentos sindicais, trabalhistas, abrindo caminhos para o fortalecimento da cidadania e direito à igualdade de gênero”, disse Enfermeira Rejane. Tia Ju também destacou a relevância de homenagear pessoas que atuam na luta pela defesa dos direitos das mulheres em diferentes campos, especialmente na saúde.

Conheça as demais homenageadas

Cláudia Vitalino, do Fórum de Mulheres Negras do Rio (Foto: Alex Ferraz)

Cláudia Vitalino – Aos 56 anos, atua incansavelmente na defesa dos direitos das mulheres negras. É membro da Comissão Estadual da Verdade da escravidão negra no Brasil, do Fórum de Mulheres Negras do Estado do Rio de Janeiro e da comissão organizadora da Marcha de Mulheres Negras RJ. Foi escolhida pelo “conjunto da obra” na luta contra o racismo, sexismo e movimento sindical dentro do Sindsprev-RJ e CTB.

Conceição Cassano é epidemiologista pela Fiocruz (Foto: Alex Ferro)

 

Conceição Cassano – Formada em Nutrição pela UFRJ e epidemiologista pela Fiocruz, tem 71 anos e há mais de 40 dedica sua vida em defesa dos direitos das mulheres e dos trabalhadores. É vice-presidente da Confederação das Mulheres do Brasil (CMB), que tem como entidade filiada no Estado do Rio a Federação de Mulheres Fluminenses – FMF.

 

Fátima Cidade atua no Fórum de Mulheres Negras de São Gonçalo (Foto: Alex Ferro)

Fátima Maria dos Santos, a Fátima Cidade – Militante do Fórum de Mulheres Negras de São Gonçalo,  tem forte atuação em defesa da mulher negra e na luta antirracista e misógina. Em conjunto com mais duas enfermeiras, implantou a Roda de Conversa com Gestantes, Amigos e Familiares. Tem 62 anos e há mais de sete anos este trabalho vem atendendo mulheres no período grávido e puerperal, sendo uma referência regional e estadual. É secretária executiva do Conselho Deliberativo do Cedim-RJ.

Subsecretária estadual de Políticas para Mulheres, Glória Heloiza (Fotos: Alex Ferro)

Gloria Heloiza – Tem 54 anos e desde junho e 2021 é subsecretária estadual de Políticas para Mulheres. Neste período, realizou a entrega de três Centros Especializados de Atendimento a Mulheres (Ceams) nos municípios de Mendes, Tanguá e Magé. Hoje, a Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social e Direitos Humanos conta com 10 Ceams, que em 2021 ofertaram 10.311 atendimentos a mulheres vítimas de violência doméstica e de gênero.

 

Hildelene Lobato Bahia foi a primeira comandante de um navio mercante no Brasil (Foto: Alex Ferro)

Hildelene Lobato Bahia – Aos 48 anos, foi a primeira mulher a ocupar o posto mais alto da hierarquia da Marinha Mercante, sendo a responsável pela abertura deste mercado para mulheres como oficiais. Nascida em Icoaraci, distrito de Belém (PA), assumiu o comando do navio Carangola, com capacidade para transportar 18 mil toneladas de derivados escuros de petróleo.

Jandira Rocha de Oliveira é produtora rural e artesã em Magé (Foto: Alex Ferro)

Jandira Rocha de Oliveira – Natural de Itamarajú (BA), com 52 anos, é produtora rural e artesã, atualmente moradora de Magé,  município da Baixada Fluminense. Como aluna da ONG Capina, promove rodas de conversas que dialogam sobre a violência contra as mulheres, doenças sexualmente transmissíveis, participação feminina na política, entre outros assuntos de fortalecimento do poder social.

Marina Barros da União de Mulheres de Mangaratiba (Foto: Alex Ferro)

Marina Barros Ferreira Sobrinha – Bailarina clássica, de danças afrobrasileiras, jazz e dança cigana. tem 53 anos e iniciou seus trabalhos como bailarina em alguma companhias de dança do Rio de Janeiro. Hoje dirige o Stúdio de Dança Marina Barros e é ativa integrante da União Brasileira de Mulheres de Mangaratiba (RJ).

Mãe Nilce coordena projetos sobre Direitos Humanos na Ilê Omolu Oxum, desde 1985 (Foto: Alex Ferro)

Nilce Naira Nascimento – Mãe Nilce, como é conhecida, tem 71 anos e desde 1985 atua como coordenadora de projetos voltados para as questões de Direitos Humanos na Ilê Omolu Oxum. A instituição, desenvolve projetos sociais e culturais, preservando a memória e a ancestralidade do povo negro. As ações e lutas incluem o resgate e o tratamento científico de objetos sagrados apreendidos pela ditadura civil e militar de 1964. Também é conselheira no Cedim/RJ.

A professora Vânia Bretas épresidente estadual da UBM-RJ (Foto: Alex Ferro)

Vânia Bretas Vilarinho – Aos 63 anos, é professora aposentada, mestre em educação pela Universidade Federal Fluminense (UFF), presidente estadual da UBM-RJ e diretora do Sinpro-Rio. Atua desde os anos 90 defendendo a igualdade racial e de gênero e a garantia e ampliação dos direitos individuais, combatendo o racismo, a violência contra as mulheres e todo o tipo de opressão.

Diploma Mulher Cidadã

Em sua 19ª edição, o Diploma Mulher Cidadã Leolinda de Figueiredo Daltro foi criado na Alerj em 2003 e desde então já condecorou cerca de 200 mulheres, após criterioso processo de seleção e votação. Este ano, a premiação ganhou um clima maior de celebração, já que as duas últimas edições (2020 e 2021) foram promovidas virtualmente, em função da pandemia do coronavírus.

A presidenta do Conselho Estadual dos Direitos da Mulher (Cedim), Edna Calheiros, lembrou que nos últimos dois anos o movimento perdeu mulheres combativas, como Altamira Rodrigues Sobral Prestes, viúva do líder comunista Luís Carlos Prestes. Maria Prestes, como era conhecida, morreu no início de fevereiro, vítima da covid-19, e seu corpo foi velado no Palácio Tiradentes, antiga sede da Alerj. Ela foi uma das agraciadas pelo diploma em 2019.

Realizada no plenário da nova sede da Alerj (o Alerjão), a cerimônia foi aberta ao público, respeitando as medidas sanitárias impostas pela pandemia, sendo prestigiada por várias representantes de movimentos de mulheres e de órgãos que atuam em defesa da mulher no Estado do Rio de Janeiro.  “Março é um mês emblemático para as mulheres. Nele, reforçamos e damos visibilidade à luta contra a violência, o feminicídio, a empregabilidade, a saúde”, disse Rejane.

‘Não se nasce mulher, torna-se mulher’

Primeira mulher trans negra a se tornar doutora por uma universidade pública, a professora da UFRJ Dani Balbi, presidenta da Fundação Maurício Grabois, de pesquisas sobre a temática da mulher, citou a filósofa francesa Simone de Beauvoir em uma das principais frases do movimento feminista: “Não se nasce mulher, torna-se mulher”.

Karoline Mendes, coordenadora do Programa Desenvolve Mulher, do Governo do Estado, disse que a iniciativa começa nesta terça-feira (08/03), recebendo 450 jovens mães de 16 a 30 anos, chefes de famílias monoparentais do Jacarezinho, que durante 10 meses serão capacitadas em projetos de requalificação profissional. Também participaram da mesa a secretária municipal de Políticas para Mulheres, Joyce Trindade, e a coordenadora do Nudem, Matilde Alonso.

Quem foi Leolinda, a ‘mulher do diabo’

Considerada uma revolucionária para o seu tempo, a professora Leolinda de Figueiredo Daltro foi precursora do feminismo no Brasil e uma das principais defensoras do voto feminino. Nasceu na Bahia em 1859 e dedicou grande parte de sua vida à implantação da República, na construção do magistério público e laico, na defesa dos indígenas e na afirmação dos direitos das mulheres, em particular na luta pelo direito ao voto para as mulheres.

Uma das presentes na mesa, a juíza Katherine Jathay, do Juizado de Violência Doméstica e Familiar, destacou a importância do trabalho dessas mulheres na luta contra a violência ainda existente de diversas formas. Lembrou que, por ser separada, Leolinda Daltro era chamada de ‘mulher do diabo’. Segundo Rejane, ainda no  século XIX, Leolinda se separou de um marido opressor para poder estudar. “Ao se mudar para a capital em busca de ‘melhores condições de vida’ e na afirmação de sua independência deixou um exemplo que certamente inspirou muitas de nós!”, contou a deputada.

Militou na política, e em 1910, fundou o primeiro partido político feminista brasileiro: o Partido Republicano Feminino. Também fundou três jornais dedicados à mulher e publicou dois livros onde contou aspectos de sua vida. Em 1917, liderou uma passeata exigindo a extensão do voto às mulheres, em plena república oligárquica. Em 3 de maio de 1933 e em 14 de outubro de 1934, a mulher exerceu pela primeira vez o seu direito ao voto. Leolinda faleceu no Rio em 1935.

 

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