De acordo com a psiquiatra Natalia Haddad, vice-presidente do Cisa, é fundamental que exista atenção especial para esse público. “A gente precisa ver o que vai ser implicado com essa lei, quais ações que vão ser implantadas e um prazo para essa implementação”, ponderou.
A pesquisadora ressalta ser necessário observar como deve ocorrer o apoio profissional em diferentes situações de vida. “É muito diferente tratar uma mulher alcoolista do que um homem alcoolista, uma gestante alcoolista do que uma não-gestante. Uma adolescente do que uma adulta”, exemplificou.
Outra ponderação feita pela psiquiatra é que “existe um recorte de gênero e também social que precisamos olhar para direcionar melhor esse tratamento”, afirma.
Diferenças biológicas entre homens e mulheres
Ela ressalta que o alcoolismo é uma doença crônica caracterizada principalmente pela incapacidade de interromper ou controlar o uso da substância. A pesquisadora contextualiza que as características biológicas da mulher são diferentes em relação ao impacto do álcool no organismo.
Como as mulheres têm menos quantidade de água no corpo e também menos enzimas hepáticas que conseguem metabolizar o álcool, elas conseguem ingerir a substância em uma quantidade inferior à do homem.
Além das condições orgânicas, a psiquiatra aborda que questões sociais e relacionadas a estigmas também fazem com que a dependência tenha um impacto diferenciado para as mulheres. “Elas, muitas vezes, têm jornadas duplas ou triplas, incluindo carreira profissional e atribuições em casa”, explica.
Outra atenção especial que políticas públicas devem ter, segundo acredita a especialista, relaciona-se a mulheres que estão gestantes ou amamentando. Nesses casos, a dependência pode gerar doenças para a mãe e para o feto.
Nós sabemos que a mulher tem mais dificuldade de procurar ajuda do que o homem”, diz, acrescentando que pode ser em decorrência de sentimento de culpa e o estigma social.
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Procura de mulheres no AA aumentou 47,7% após a pandemia
No Alcoólicos Anônimos, cerca de 6,5 mil mulheres entraram em contato pelos canais de ajuda da Colcha de Retalhos, iniciativa que promove atividades com profissionais de diversas áreas sobre alcoolismo em mulheres para garantir maior visibilidade ao tema.
Segundo o AA, com a chegada de mais mulheres, as reuniões de composição feminina aumentaram 47,7%, comparando os períodos pré e pós-pandemia. Atualmente são 65 reuniões femininas realizadas semanalmente. A irmandade disponibiliza canais para pedido de ajuda.
A mulher alcoólica é extremamente vulnerável”, lamentou, em entrevista à Agência Brasil.Ela defende que são fundamentais serviços especiais em políticas públicas para amparar quem passa por esse problema.
Sandra*, de São Paulo, diz que há 24 anos não vai ao primeiro gole e que a realidade de muitas mulheres é de preconceitos até mesmo em família. Outra mulher ouvida pela reportagem, que prefere se identificar como Kika*, moradora do Rio de Janeiro, diz que é fundamental ter um ambiente em que se possa falar sem julgamentos.
É isso que encontramos nas salas femininas das reuniões de AA. As histórias são tão parecidas que, no final, juntando um pedacinho da fala de cada companheira, vejo ali a minha história sendo contada”, explica.
O Cisa recomenda que as mulheres tenham a opção de pedir apoio em grupos exclusivos para elas. A psicóloga Jaira Adamczyk, pesquisadora em tratamento e prevenção à dependência química, confirma a importância desse trabalho:
Relatos de muitas mulheres alcoólicas confirmam que, no espaço oferecido pelas reuniões de composição feminina, elas puderam expressar seus sentimentos, suas dores e os abusos que sofreram durante o período do uso compulsivo da bebida alcoólica”.
Confira aqui onde há reuniões do Colcha de Retalhos para mulheres.
Saiba mais sobre a lei que promove a assistência multiprofissional específica para mulheres usuárias e dependentes de álcool.
* Nomes das mulheres foram alterados a fim de se manter o anonimato dos testemunhos
Da Agência Brasil, com Redação




