Dados divulgados pelo Ministério da Saúde apontam que cerca de 20% dos jovens brasileiros se automutilam, o que representa 14 milhões de pessoas. Para alertar para este grave problema de saúde pública que ameaça nossa juventudee, escolas da rede de ensino do Estado do Rio de Janeiro passarão a realizar a Campanha Estadual de Prevenção e Combate à Automutilação.
É o que determina a Lei 9.699/22, de autoria da deputada Martha Rocha (PDT), que foi sancionada pelo governador Cláudio Castro e publicada no Diário Oficial desta segunda-feira (30/05). A campanha será promovida por meio de palestras educativas, informativas e de conscientização ao longo do ano letivo, com objetivo de esclarecer os estudantes sobre medidas que podem ser adotadas para evitar esse sério problema, além da distribuição de cartilhas informativas sobre o tema.
“A Comissão de Saúde fez uma audiência pública e, conforme relatório da Secretaria de Estado de Saúde, vimos que a segunda maior causa para procura da rede pública é a saúde mental, que foi agravada com a pandemia. Essa lei retrata uma observação que tivemos dentro da rede de Educação, que é o sofrimento psicológico desses adolescentes. A automutilação é uma dura realidade na vida deles”, comentou a autora, que preside a Comissão de Saúde.
Para a pediatra Gesika Amorim, pós-graduada em Neurologia e Psiquiatria, mais do que nunca, hoje se faz necessário um debate profundo sobre os impactos negativos que a pandemia já causou e vem causando e as consequências que ainda virão, relacionadas à saúde mental da população mais jovem.
Segundo ela, em seu consultório, são frequentes os casos de crianças e adolescentes com quadros de automutilação, transtornos depressivos e tentativas de suicídio. No entanto, para Dra Gesika, só falar não resolve: é preciso ampliar o acesso ao tratamento de jovens.
“Isso porque qualquer negativa, qualquer falta de sucesso na vida real é uma experiência extremamente dolorosa para eles. São crianças que ficaram dois anos dentro de casa e desaprenderam, ou perderam, uma fase de grande aquisição e desenvolvimento da própria cidadania. Por isso elas não sabem lidar com o mundo real, não foram preparadas, não sabem nem ao menos nomear o que estão sentindo”, explica a especialista.
Pediatra avalia impacto negativo na saúde mental de crianças e adolescentes
Gesika Amorim explica que o impacto negativo para a saúde mental das crianças e adolescentes é também por causa da quebra de rotina e a vida social das escolas, pela experiência do isolamento social e/ou pela perda de familiares, além da dificuldade do acesso à assistência e tratamento da saúde mental, com o fechamento e a paralisação dos serviços de saúde, restando apenas o atendimento virtual.
Com relação aos jovens e jovens adultos, é preciso levar em conta o aumento dos casos de suicídio. Ela lembra que os adolescentes, na faixa de 12 a 16 anos de idade, ficaram dois anos em casa, em uma fase em que a socialização é muito importante na formação de ‘tribos’ e grupos, e isso não aconteceu. Esses adolescentes ficaram dentro de casa convivendo online, no mundo virtual.
“A consequência é que agora temos uma juventude que não sabe lidar com o embate, não sabe trabalhar o emocional. Estamos tendo um “boom” de adolescentes com transtornos comportamentais, transtornos de humor e quadros depressivos. Isso porque estes, não conhecem as emoções ruins e também não sabem viver em sociedade”, diz a Dra. Gesika.
Mestre em Educação Médica, com especialização em Tratamento Integral do Autismo, Saúde Mental e Neurodesenvolvimento, ela diz que sendo um evento tão adverso em uma escala global, considerado um fator de estresse e violência, a pandemia quebrou o ciclo do desenvolvimento das crianças, seja através de alterações na arquitetura cerebral, alterações imunológicas e hormonais.
]”Ainda sobre os impactos negativos, consideramos o estresse parental e social que pode prejudicar o crescimento e desenvolvimento da criança; o estresse crônico vai comprometer o desenvolvimento”, comenta. Ela fala também sobre os crianças entre 2 a 4 anos de idade, que perderam, praticamente, dois anos do início de suas vidas.
“São crianças que não conviveram em sociedade, elas não sabem brincar com outras crianças, não conviveram em família e, em muitas situações, não aprenderam a cumprir regras e ordens. São crianças que não tiveram infância, sem acesso a nossa realidade antes da pandemia, elas conhecem uma realidade completamente anômala, principalmente aquelas crianças que vivem fechadas em apartamentos”.
Outro impacto aconteceu também com a volta às aulas, quando essas crianças passaram a ser vistas de fora, pelos professores e por outras pessoas. “E esse é um outro momento, um novo capítulo, e certamente uma explosão de diagnósticos de transtornos de neurodesenvolvimento, algo que já vínhamos falando tempos atrás”, comentou.
‘Falar só não resolve, o jovem não procura tratamento’, diz especialista
Para a Dra Gesika, acesso ao atendimento e ao tratamento com qualidade deve ser prioridade para que a situação da saúde mental em nosso país seja de fato transformada. “O tratamento precisa vir a público, tornar-se mais acessível a todos. Outro ponto é o tratamento de transtornos mentais para a prevenção do suicídio, pois falar apenas, não resolve”, ressalta.
Segundo ela, os jovens não procuram tratamento. “Eles não têm nenhuma iniciativa. Eles só procuram quando veem que um outro jovem da mesma turma, algum amigo, conhecido, que tenha alguma identificação, procurando por algum tratamento”, explica.
Ainda segundo a especialista, o primeiro passo é a adaptação à nova realidade que estamos vivendo. “Em primeiro lugar precisamos nos adaptar ao novo, à essa nova realidade que se apresentou para todos nós. E precisamos ensinar aos jovens a reconhecer as próprias emoções. Precisamos ensinar aos pais a serem pais, porque hoje eles se encontram perdidos”, ressalta.
Diferentes de nós, que aprendemos a enfrentar as dificuldades e a viver a nossa verdade e liberdade, as novas gerações não sabem lidar com a adversidade, não aprenderam a lutar. Uma geração que não sofreu e, de repente, perdeu tudo o que tinha. Seu mundo deixou de ser cor de rosa”, comenta.
Outra coisa importante é a quebra do preconceito. É preciso trazer a discussão para a mídia, discutir o adoecimento que esses jovens estão passando. E também precisamos vencer as barreiras do preconceito do tratamento de saúde mental”, finaliza a Dra. Gesika Amorim.
Com Assessorias