O que a defesa de Jair Bolsonaro tentou classificar como uma “emergência médica” para justificar a prisão domiciliar transformou-se em uma estadia prolongada em um dos hospitais mais luxuosos do país. Após a perícia da Polícia Federal cravar que a cirurgia era eletiva, o ex-presidente de 70 anos cumpre agora um roteiro de procedimentos sequenciais que garantem sua permanência no Hospital DF Star pelo menos até o dia 1º de janeiro de 2026.
Nesta segunda-feira (29/12), ele foi submetido à terceira intervenção em menos de uma semana para tentar conter crises de soluços. O que começou como uma saída temporária para uma cirurgia de hérnia de menos de quatro horas transformou-se em uma uma maratona de intervenções médicas, garantindo uma estadia prolongada que certamente atravessará a virada do ano.
O cenário clínico, embora classificado como estável, revelou novas complicações — como crises hipertensivas e apneia severa — que servem de justificativa para manter o ex-presidente longe da cela da Polícia Federal. E quem sabe até reforçar a argumentação da defesa para um novo pedido de prisão domiciliar.
Enquanto a defesa utiliza o quadro clínico para tentar humanizar a imagem do ex-presidente, condenado por liderar a trama golpista, a realidade técnica mostra um paciente estável, mas “preso” a um quadro raro de soluços que prolonga sua estadia no luxo hospitalar.
Primeiro o nervo frênico direito, depois o esquerdo
Segundo o Hospital DF Star, a cirurgia desta segunda-feira (29) teve o objetivo de bloquear o nervo frênico esquerdo de Bolsonaro — responsável pelo controle do diafragma — para complementar o tratamento iniciado no último sábado (27), quando ele passou pelo mesmo procedimento no lado direito – a coincidência com a polêmica da Havaianas, em torno da campanha dos dois pés em 2026, pode não ser mera semelhança.
A nova intervenção foi concluída pouco antes das 15h, informou a esposa do ex-presidente, Michelle Bolsonaro, em postagem nas redes sociais.
Michelle, aliás, é a única acompanhante de Jair Bolsonaro autorizada a dormir com o ex-presidente no quarto luxuoso do DF Star – quando ele foi preso por violar a tornozeleira eletrônica durante um suposto surto ela não estava com ele na mansão de Brasília.
Após o procedimento desta segunda-feira, que durou cerca de uma hora, o cirurgião Claudio Birolini explicou os próximos passos do acompanhamento médico do ex-presidente, que terá alta apenas após o réveillon.
A gente precisa de 48 horas para avaliação de resultados e complicações. Esse tempo será aguardado, independente de qualquer coisa. Ainda está prevista a realização de uma nova endoscopia digestiva alta, a gente não decidiu ainda se vai fazer amanhã (terça, dia 30/12) ou na quarta-feira (31/12). Estamos trabalhando com a hipótese de que, se não houver novas intercorrências, ele fique aqui até dia 1º, na quinta-feira“, disse o médico à imprensa.
Linha do tempo da ‘Operação Natal’ de Bolsonaro
Abaixo, organizamos a cronologia oficial para dissipar a confusão sobre o “vai e vem” médico às vésperas do Ano Novo.
- Internação e cirurgia de hérnia: Bolsonaro foi internado no Hospital DF Star, em Brasília, em 24 de dezembro de 2025, para realizar uma cirurgia eletiva de correção de hérnia inguinal bilateral, um procedimento relacionado às complicações de saúde que enfrenta desde a facada em 2018.
- Tratamento dos soluços: Paralelamente à cirurgia de hérnia, a equipe médica realizou procedimentos específicos para tratar os soluços crônicos. No dia 27 de dezembro, ele passou por uma intervenção, e nesta segunda, dia 29 de dezembro, foi submetido a um segundo procedimento para um bloqueio anestésico do nervo frênico esquerdo, que controla o diafragma.
- Estado de saúde atual: Sua mulher, Michelle Bolsonaro, e a equipe médica informaram que o ex-presidente está estável e a expectativa é que receba alta hospitalar em 1º de janeiro de 2026, caso a recuperação continue sem intercorrências.
- Retorno à prisão: Após a alta, Bolsonaro retornará à custódia da Polícia Federal em Brasília, onde cumpre pena de 27 anos e três meses em regime fechado após a condenação por tentativa de golpe de Estado.
A maratona médica de Bolsonaro: por que tantos procedimentos?
O termo médico é singulto – ou soluço incoercível, um problema de saúde que se agravou recentemente enquanto Bolsonaro estava detido. Devido à persistência do quadro, que chegou a registrar 30 a 40 soluços por minuto, a defesa do ex-presidente solicitou autorização judicial para que ele realizasse tratamentos médicos fora da prisão.
Após os novos procedimentos, a equipe liderada pelo cirurgião Cláudio Birolini e o cardiologista Brasil Caiado classifica o quadro como “extremamente raro”. A pressão intra-abdominal causada por múltiplas cirurgias anteriores irrita o nervo frênico, que controla o diafragma. O bloqueio do nervo frênico não pôde ser feito nos dois lados simultaneamente por risco de insuficiência respiratória grave.
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O procedimento: O bloqueio anestésico consiste em “desligar” temporariamente o nervo para que o diafragma pare de contrair involuntariamente. Realizado pelo radiologista intervencionista Mateus Saldanha, o procedimento usa anestésico local para “silenciar” o nervo que controla o diafragma.
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O risco: Se o soluço não parar, segundo especialistas, o sintoma pode atuar como uma marreta sobre os pontos da cirurgia de hérnia feita no dia 25, podendo rompê-los e causar uma nova emergência.
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A causa oculta: Especialistas indicam que os soluços podem não vir da hérnia operada, mas de uma hérnia de hiato ou refluxo severo, condições que irritam o diafragma de forma crônica.
Além das hérnias: o novo diagnóstico de apneia severa
Durante a internação, os médicos Cláudio Birolini e Brasil Caiado realizaram uma polissonografia (estudo do sono) que revelou um dado alarmante: Bolsonaro sofre de apneia severa, com cerca de 50 interrupções respiratórias por hora.
Para atenuar o risco de morte súbita ou novas complicações cardíacas (como os picos de pressão registrados no hospital), o ex-presidente passará a usar um equipamento de pressão positiva (CPAP) para dormir.
Este novo diagnóstico adiciona mais um item à lista de cuidados “especiais” que a defesa poderá alegar no futuro para flexibilizar o regime de prisão. A sucessão de intervenções, os picos de pressão e o diagnóstico de apneia grave criaram um novo álibi para o paciente 01 da PF.
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Luxo e visitas ampliadas: o réveillon confortável longe da cela
A decisão de Alexandre de Moraes, ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), foi cirúrgica, ao permitir que todos os filhos (Flávio, Carlos, Eduardo, Jair Renan e Laura) e até a enteada, Letícia Firmo, visitem o ex-presidente. No entanto, o rigor jurídico permanece. Ao negar a prisão domiciliar, Moraes garantiu que, assim que os médicos derem o “ok”, o destino é o retorno imediato à Superintendência da PF.
Embora o isolamento digital seja total — ninguém entra com celular ou notebook —, e agentes da PF mantenham vigilância 24h na porta da suíte, a presença da família transforma a internação em um período de convivência que Bolsonaro não tinha na Superintendência da PF. mudando o ambiente do quarto 1501 do DF Star
A ausência de previsão de alta imediata garante que o ex-presidente passe a virada do ano em uma suíte de padrão internacional. Para um paciente do SUS, o protocolo para esses procedimentos seria a alta precoce com acompanhamento ambulatorial; para o “paciente 01” da PF, a observação de 48 horas após cada soluço torna-se o passaporte para mais uma diária no hospital de elite.
O custo da “estadia estratégica”
Operar no Natal e permanecer internado no Réveillon em um hospital de luxo gera uma conta astronômica que contrasta com a realidade do SUS:
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A agilidade: Bolsonaro obteve exames complexos (polissonografia e endoscopia) em questão de horas; no SUS, a espera por uma polissonografia pode passar de um ano.
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O valor: Entre honorários de equipes de SP deslocadas no feriado, diárias de suíte “classe A” e procedimentos intervencionistas, o custo estimado da internação já ultrapassa R$ 350 mil. Isso sem contar as novas diárias para realizar os dois novos procedimentos cirúrgicos após a cirurgia inicial.
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O benefício: Enquanto 1,3 milhão de brasileiros aguardam na fila, o ex-presidente usufrui de visitas ampliadas da família e um ambiente de hotelaria cinco estrelas, longe da rigidez da cela da PF.
Análise crítica: a política da dor
Fica claro que a patologia é real, mas o manejo é político. Ao anunciar o filho como sucessor minutos antes da primeira cirurgia e prolongar a estadia através de procedimentos sequenciais, a família Bolsonaro mantém o ex-presidente no centro do debate público durante o recesso de fim de ano.
O protocolo de “observação por 48 horas” após cada bloqueio de nervo é um padrão de segurança rigoroso, mas que, na prática, garante a Bolsonaro um réveillon em suíte de luxo. Enquanto os médicos Birolini e Caiado monitoram o diafragma de Bolsonaro, o Brasil observa a disparidade: no SUS, 1,3 milhão de pessoas esperam anos por uma hérnia; no DF Star, opera-se no Natal e bloqueia-se o nervo na segunda-feira, com alta programada para o primeiro dia do novo ano.
No SUS, um paciente com os mesmos soluços refratários raramente teria acesso a três bloqueios anestésicos sequenciais realizados por chefes de departamento da USP. O custo estimado desta internação, agora estendida por diagnósticos secundários como a apneia, já ultrapassa a marca dos R$ 350 mil.
Para o ex-presidente, cada soluço é uma diária a mais longe da carceragem. Para o sistema público, o caso é um lembrete incômodo de que a “igualdade perante a lei” termina onde começa o privilégio do acesso à medicina privada de elite.





