Uma nota conjunta divulgada em maio deste ano por sociedades médicas que reúnem ginecologistas, endocrinologistas e cardiologistas alerta para os riscos do uso inadequado desse hormônio masculino e enfatiza as limitações quanto às prescrições médicas.
A nota é assinada pela Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo) em conjunto com a Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM) e Departamento de Cardiologia da Mulher da Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC).
Conforme as três entidades médicas, “a prescrição de testosterona deve restringir-se estritamente à única indicação formalmente reconhecida (Transtorno do Desejo Sexual Hipoativo -TDSH), após avaliação clínica adequada, sendo potencialmente danosa quando utilizada sem indicação, com base em dosagens isoladas ou com objetivos não terapêuticos.”
Só há indicação médica respaldada por evidências para prescrição de testosterona em situações muito específicas, como o tratamento do transtorno do desejo sexual hipoativo em mulheres na pós-menopausa e, mesmo assim, somente depois de avaliarmos e descartarmos outras causas para essa condição”, alerta a presidente da Febrasgo, Maria Celeste Osorio Wender.
Segundo ela, ‘não existe indicação isenta de riscos para uso de testosterona com fins estéticos, aumento de massa muscular, emagrecimento ou rejuvenescimento. Toda mulher deve procurar um médico qualificado antes de iniciar qualquer terapia hormonal”.
Acesse a nota na íntegra aqui.
Os efeitos adversos da testosterona
O comunicado alerta efeitos colaterais alguns com gravidade. “O uso de testosterona fora da única indicação em mulheres aumenta o risco de eventos adversos, incluindo: efeitos virilizantes como acne, queda de cabelo, crescimento de pelos, aumento do clitóris e engrossamento irreversível da voz, toxicidade e tumores de fígado, alterações psicológicas e psiquiátricas, infertilidade e potenciais repercussões cardiovasculares como hipertensão arterial, arritmias, embolias, tromboses, infarto, AVC e aumento da mortalidade, além de alterações de outros exames laboratoriais, como os de colesterol e triglicerídeos.”
A nota ainda ressalta que a Anvisa não aprovou nenhuma formulação de testosterona para uso em mulheres e que a agência reguladora também não reconhece “uso de testosterona para fins estéticos, de melhora de composição corporal, desempenho físico, disposição ou antienvelhecimento.”
Quando a testosterona é realmente indicada?
De acordo com as diretrizes internacionais e nacionais, a testosterona só deve ser utilizada em mulheres após a menopausa para o tratamento do transtorno do desejo sexual hipoativo e, obrigatoriamente, após uma avaliação completa para descartar outros fatores, como alterações hormonais (por exemplo, redução do estrogênio– que deve ser tratada antes), depressão, efeitos colaterais de medicamentos, problemas de relacionamento e questões emocionais.
As entidades que assinam a Nota esclarecem que NÃO existe recomendação para o uso de testosterona nas seguintes situações:
· Ganho de massa muscular;
· Emagrecimento;
· Rejuvenescimento;
· Melhora de disposição ou energia;
· Prevenção de doenças cardiovasculares;
· Testosterona também NÃO deve ser usada para “regular hormônios” na menopausa.
Ainda, o uso de implantes subcutâneos manipulados de testosterona é desaconselhado, pois não têm aprovação da Anvisa, apresentam doses imprevisíveis e são associados a mais riscos de efeitos colaterais.
A dosagem de testosterona no sangue não é necessária na investigação de mulheres com queixa de baixa libido, exceto na suspeita de excesso do hormônio (casos como síndrome dos ovários policísticos ou tumores hormonais).
Em tempos de pseudociência e divulgação de tantas notícias falsas, errôneas e com informações pela metade, a FEBRASGO reafirma o seu papel na divulgação e na consolidação da informação científica de qualidade”, comenta Lia Cruz Vaz da Costa Damásio, diretora de Defesa e Valorização Profissional da Febrasgo.
A nota conjunta apresenta ainda os principais riscos do uso inadequado de testosterona como excesso de pelos no rosto e corpo, acne, queda de cabelo, alterações no colesterol, problemas hepáticos, risco cardiovascular aumentado, voz mais grossa e características masculinas e dependência psicológica.
Nosso compromisso é com a saúde da mulher. É preciso combater os mitos que circulam nas redes sociais e alertar sobre os reais riscos do uso indiscriminado de testosterona. Mais do que prometer resultados rápidos, nosso objetivo é garantir qualidade de vida, com segurança e rigor científico”, finaliza a presidente da Febrasgo.
Patologistas também fazem alerta para riscos da testosterona
Segundo a SBPC/ML, reposição de testosterona em mulheres carece de respaldo científico sólido e não deve ser indicada para fins estéticos, emagrecimento ou melhora de disposição
Após a divulgação da nota conjunta sobre recomendação do uso de testosterona em mulheres para tratar quadros de baixa libido e suposta deficiência hormonal, a Sociedade Brasileira de Patologia Clínica e Medicina Laboratorial (SBPC/ML) também resolveu se manifestar , alertando para equívocos e riscos relacionados ao tema, reafirmando que a prática clínica não está fundamentada em evidências científicas sólidas.
“A insuficiência de testosterona feminina não é uma condição clinicamente bem definida”, destaca Pedro Saddi, endocrinologista e patologista clínico, diretor da regional São Paulo – capital da SBPC/ML. Ele acrescenta que não há qualquer ponto de corte laboratorial que caracterize uma ‘deficiência de testosterona’ em mulheres, e a dosagem do hormônio não deve ser utilizada para justificar seu uso.
A indicação para dosagem de testosterona é restrita à investigação de hiperandrogenismo, ou seja, situações em que há suspeita de níveis elevados de androgênios, como na síndrome dos ovários policísticos”, explica.
De acordo com Saddi, o uso da testosterona em mulheres atualmente só encontra respaldo científico em um contexto muito específico: o tratamento do transtorno do desejo sexual hipoativo (TDSH) em mulheres na pós-menopausa, após rigoroso diagnóstico clínico e exclusão de outras causas.
Mesmo nesse cenário, a prescrição requer cuidado, com monitoramento constante e uso de formulações seguras – algo que, no Brasil, ainda é limitado, pois não há produtos aprovados pela Anvisa para essa finalidade”, acrescenta.
Limitações dos exames laboratoriais
Outro ponto crítico destacado pela SBPC/ML refere-se às limitações dos exames laboratoriais. “Os imunoensaios, amplamente utilizados no Brasil, não possuem acurácia suficiente para detectar pequenas variações nos baixos níveis fisiológicos de testosterona feminina. A espectrometria de massas é o padrão-ouro para essas medições, mas seu acesso ainda é restrito”, observa Saddi. Ele aponta que incluir notas interpretativas nos laudos pode ser uma medida útil para evitar interpretações equivocadas e medicalização indevida.
A testosterona, apesar de ser mais conhecida como hormônio masculino, também desempenha funções importantes no organismo feminino. No entanto, ao contrário do que muitos acreditam, os níveis hormonais de testosterona nas mulheres não sofrem uma queda abrupta na menopausa, como acontece com o estrogênio.
Trata-se de uma redução lenta e progressiva que começa por volta dos 30 anos e segue de maneira constante ao longo da vida. “Por isso, a ideia de ‘deficiência de testosterona’ exclusiva da menopausa não encontra respaldo científico e pode levar a diagnósticos e tratamentos equivocados”, reforça Saddi.
A SBPC/ML salienta que a saúde sexual e o desejo feminino são fenômenos complexos, influenciados por múltiplos fatores emocionais, sociais, hormonais e psicológicos — o que exige uma abordagem médica integral e cautelosa.
Ele alerta ainda sobre os riscos do uso indiscriminado de testosterona fora das indicações reconhecidas, o que pode acarretar efeitos adversos sérios, como hirsutismo, acne, alterações metabólicas e cardiovasculares, entre outros. “O uso para fins estéticos ou de “rejuvenescimento” não tem respaldo científico e representa uma prática potencialmente danosa”, acrescenta.
Pedro Saddi também reforça a importância de distinguir claramente entre terapia reposição hormonal (TRH) — que envolve estrogênio e progesterona e possui benefícios bem documentados para tratar sintomas da menopausa — e o uso de testosterona.
A TRH é eficaz no manejo de sintomas como fogachos, ressecamento vaginal e prevenção da osteoporose, desde que bem indicada e monitorada, especialmente quando iniciada antes dos 60 anos e nos primeiros 10 anos após a menopausa”, completa o especialista.
Confira o posicionamento da SBPC/ML sobre o tema: Link
Com Assessorias




