Dá para reduzir em 80% até 2040 a poluição plástica nos oceanos, uma das maiores ameaças da atualidade. Mas, para isso, é preciso que cada um faça a sua parte. Se países e empresas fizerem mudanças profundas nas políticas e no mercado usando as tecnologias existentes, é possível reverter a tragédia nos mares, aponta o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), no relatório Fechando a torneira: como o mundo pode acabar com a poluição plástica e criar uma economia circular, lançado nesta terça-feira (16).
O documento descreve a magnitude e a natureza das mudanças necessárias para acabar com a poluição plástica e criar uma economia circular e foca em soluções e analisa práticas concretas, mudanças de mercado e políticas públicas para informar decisões governamentais e ação empresarial. O relatório foi divulgado antes da segunda rodada de negociações em Paris sobre um acordo global para combater a poluição plástica. A íntegra do documento está disponível, em inglês, aqui.
O relatório sugere primeiro a eliminação de plásticos problemáticos e desnecessários para reduzir o tamanho do problema. Posteriormente, pede três mudanças no mercado: reutilizar, reciclar e reorientar e diversificar os produtos.
- Reutilizar: A promoção de opções de reúso, incluindo garrafas reabastecíveis, dispensadores a granel, esquemas de caução, esquemas de devolução de embalagens etc., pode reduzir em 30% a poluição por plástico até 2040. Para concretizar seu potencial, os governos devem ajudar a criar modelos comerciais mais sólidos para os reutilizáveis.
- Reciclar: Reduzir a poluição plástica em mais 20% até 2040 pode ser possível se a reciclagem se tornar um empreendimento mais estável e lucrativo. A remoção dos subsídios aos combustíveis fósseis, a aplicação de diretrizes de design para melhorar a reciclagem e outras medidas podem aumentar a parcela de plásticos economicamente recicláveis de 21% para 50%.
- Reorientar e diversificar: a substituição cuidadosa de produtos, como embalagens plásticas, sachês e embalagens para viagem, por produtos feitos de materiais alternativos (como papel ou materiais compostáveis) pode proporcionar uma redução adicional de 17% na poluição plástica.
Redução de riscos à saúde humana, diz PNUMA
Mesmo com as medidas acima, 100 milhões de toneladas de plásticos vindos de produtos de vida curta e uso único ainda precisarão ser endereçadas anualmente e com segurança até 2040 – juntamente com um legado significativo da poluição plástica existente no meio ambiente.
Para isso, são necessárias ações como a definição de padrões de design e segurança para o descarte de resíduos plásticos não recicláveis, bem como sua implementação, e a responsabilização dos fabricantes por produtos que liberam microplásticos, entre outros.
“A maneira como produzimos, usamos e descartamos os plásticos está poluindo os ecossistemas, criando riscos para a saúde humana e desestabilizando o clima. Este relatório do PNUMA apresenta um roteiro para reduzir drasticamente esses riscos por meio da adoção de uma abordagem circular que mantém os plásticos fora dos ecossistemas e de nossos corpos e dentro da economia. Se seguirmos esse roteiro, inclusive nas negociações sobre o acordo de poluição plástica, poderemos obter grandes ganhos econômicos, sociais e ambientais”, aponta Inger Andersen, diretora executiva do PNUMA.
Economia de 1,27 trilhão de dólares e 700 mil novos empregos
No geral, a mudança para uma economia circular resultaria em uma economia de 1,27 trilhão de dólares, considerando custos e receitas de reciclagem. Outros 3,25 trilhões de dólares seriam economizados com externalidades evitadas, como saúde, clima, poluição do ar, degradação do ecossistema marinho e custos relacionados a litígios.
Essa mudança também poderia resultar em um aumento líquido de 700 mil empregos até 2040, principalmente em países de baixa renda, melhorando significativamente os meios de subsistência de milhões de trabalhadores e trabalhadoras em ambientes informais. No entanto, o tempo é essencial: um atraso de cinco anos pode levar a um aumento de 80 milhões de toneladas de poluição plástica até 2040.
Ainda de acordo com o relatório do Pnuma, os custos de investimento para a mudança sistêmica recomendada são significativos, mas menores do que os gastos sem essa mudança sistêmica: 65 bilhões de dólares por ano versus 113 bilhões de dólares/ano.
“Grande parte desse valor pode ser mobilizado transferindo investimentos planejados para novas instalações de produção – que não serão mais necessárias devido à redução das necessidades de materiais – ou aplicando uma taxa sobre a produção de plástico virgem direcionada à infraestrutura necessária para a circularidade”, aponta o PNUMA.
37 milhões de toneladas de resíduos plásticos por ano nos oceanos
Dados da Organização das Nações Unidas (ONU) estimam que até 37 milhões de toneladas de resíduos plásticos entrem anualmente no oceano até 2040. Ao todo, 11,2 bilhões de toneladas de resíduos sólidos são coletadas todos os anos globalmente. E cerca de 931 milhões de toneladas de alimentos são desperdiçadas a cada ano.
Outro dado alarmante: o setor de resíduos contribui significativamente para a emissão de gases de efeito estufa em ambientes urbanos e para a perda da biodiversidade. Em 2019, representou cerca de 5% do total das emissões, segundo o Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SEEG) do Observatório do Clima.
A crise do lixo representa um problema global e demanda que todos os agentes envolvidos na cadeia de produção, utilização e descarte estejam atentos — e responsabilizados pelo real custo e impacto dos resíduos. Para o o biólogo e mestre em Ciência e Tecnologia Ambiental, Paulo Jubilut, as grandes empresas devem ser as maiores responsáveis pelo descarte correto dos materiais.
Marketing por trás da produção e reciclagem de plástico
“Há um grande marketing por trás da produção de plástico e sua reciclagem. Entretanto, reciclar plástico é muito caro. Hoje, apenas 10% de todo o plástico produzido no mundo é reciclado, de acordo com a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE)”, comenta o biólogo e mestre em Ciência e Tecnologia Ambiental, Paulo Jubilut.
Segundo a Política Nacional do Resíduo Sólido, o que é chamado popularmente de lixo deve ser nomeado de resíduo, considerado como todo material, substância, objeto ou bem descartado resultante de atividades humanas em sociedade.
“Quando realizado o descarte desse resíduo, isso não significa que ele não tem valor, mas apenas que não é mais necessário para quem o descartou. No entanto, é possível que esse resíduo ainda seja útil, em sua forma original ou transformado”, justifica Jubilut.
Consumismo e estilo de vida ágil ameaçam ciclos da natureza
O especialista explica que um dos princípios da natureza é o funcionamento em ciclos. A decomposição do material orgânico nas florestas, por exemplo, é feita pela ação de microrganismos como fungos e bactérias. O material final da decomposição, então, nutre outras formas de vida.
O lixo orgânico, como os restos de alimentos, são um exemplo disso. Daí a importância de os resíduos serem descartados corretamente, contribuindo para que o ciclo de decomposição funcione de forma positiva para o planeta.
“A modernidade, o consumismo, a industrialização e o estilo de vida ágil demandaram mudanças estruturais intensas, o que acabou rompendo com esses ciclos naturais”, explica o biólogo.
Com informações da ONU Brasil e Redação