A confirmação de mortes e vários casos de intoxicação após ingerir bebida alcoólica acendeu um alerta sobre um perigo silencioso e letal: o metanol. A substância, popularmente conhecida como álcool metílico e utilizada como solvente industrial, foi detectada em bebidas adulteradas, levando a consequências gravíssimas à saúde, incluindo a morte.
Mas, afinal, o que é o metanol e por que ele é tão perigoso? E, de forma aparentemente contraditória, por que o etanol – o álcool das bebidas comuns – é usado como ‘antídoto’ funcional contra esse tipo de envenenamento?
Diferença entre metanol e etanol
Para começar, é preciso explicar a diferença entre metanol e etanol. Ambos são álcoois incolores e inflamáveis, mas com diferenças químicas importantes: o metanol possui um átomo de carbono, enquanto o etanol tem dois.
Essa diferença faz com que o metanol seja muito mais tóxico ao organismo humano. O metanol é usado em indústrias de líquidos de limpeza, anticongelantes e combustíveis, enquanto o etanol farmacêutico serve como antídoto em casos de intoxicação.
O professor Michel Arthaud, que leciona Química na Plataforma Professor Ferretto, explica que tudo pode ser resumido em moléculas e enzimas. De acordo com ele, a principal “armadilha” do metanol está em sua semelhança inicial com o etanol. “O metanol é um álcool simples, assim como o etanol. A grande diferença está no que o nosso organismo faz com essas duas moléculas”, explica.
O fígado humano produz uma enzima chamada álcool desidrogenase (ADH), responsável por iniciar a metabolização de qualquer tipo de álcool. É neste ponto que a tragédia começa. “A enzima ADH não é muito seletiva. Ela oxida tanto o etanol quanto o metanol, iniciando o processo de quebra dessas moléculas”, detalha.
Enquanto a metabolização do etanol gera subprodutos que o corpo consegue eliminar com relativa segurança, o mesmo não acontece com o metanol. “O metanol é oxidado a formaldeído pela enzima ADH. E, imediatamente, outra enzima transforma esse formaldeído em ácido fórmico. E é esse ácido fórmico o grande vilão da história”, alerta o professor.
O ácido fórmico é uma substância extremamente ácida e tóxica. Seu acúmulo no sangue causa uma condição chamada acidose metabólica severa, que ataca principalmente o sistema nervoso, incluindo o nervo óptico.
É por isso que um dos sintomas clássicos da intoxicação por metanol é a cegueira. O ácido fórmico destrói o nervo óptico. Em doses mais altas, leva ao coma e à parada cardiorrespiratória”, ressalta.
O “antídoto” irônico: mais álcool
Diante de um quadro tão grave, a solução pode parecer estranha: “intoxicar” o paciente com outro álcool é uma das opções
“Um tratamento muito usado para a intoxicação por metanol é a administração de etanol, seja por via oral ou intravenosa”, explica Michel. “A estratégia é uma competição enzimática. Tanto o metanol quanto o etanol ‘disputam’ a atenção da mesma enzima, a ADH. Esse tratamento ocorre quando o estabelecimento não possui fomepizol (4-metilpirazol), que é um inibidor da álcool desidrogenase que não possui nenhum dos efeitos adversos do etanol na administração”, conclui.
A chave desse tipo de tratamento está na afinidade. “A enzima ADH tem uma afinidade muito maior pelo etanol do que pelo metanol. Quando saturamos o organismo com etanol, a enzima ficará ‘ocupada’ metabolizando apenas o etanol, ignorando praticamente o metanol“, explica.
Com a enzima bloqueada pelo etanol, o metanol circulante não é convertido em seus subprodutos tóxicos. “Dessa forma, o metanol permanece inalterado na corrente sanguínea e é lentamente eliminado pelos rins, sem causar os danos catastróficos do ácido fórmico”, completa o especialista.
Paralelamente, os médicos corrigem a acidose com bicarbonato de sódio e, em casos mais severos, utilizam a hemodiálise para filtrar tanto o metanol quanto o etanol do sangue. Michel reforça novamente que apesar de eficaz, hoje ele é considerado uma alternativa secundária ao fomepizol.
Como evitar a intoxicação?
O professor reforça que a aparência e o cheiro do metanol podem ser indistinguíveis dos do etanol, tornando a adulteração uma ameaça invisível. “No momento, a melhor opção é evitar destilados e aguardar novos pronunciamentos das autoridades. Além disso, sempre adquirir bebidas apenas em estabelecimentos comerciais legalizados e ficar atento a preços anormalmente baixos, que podem ser um indicativo de produto falsificado”, recomenda o professor.
Em caso de suspeita de intoxicação – com sintomas como náuseas, vômitos, dor abdominal, tontura, visão turva ou embaçada –, é fundamental procurar imediatamente um serviço de emergência. “O socorro rápido é um fator crucial para a administração do antídoto e a sobrevivência, com o mínimo de sequelas”, finaliza.
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Antídoto contra metanol está garantido em toda rede de saúde
O ministro da Saúde, Alexandre Padilha, afirmou neste sábado (4) que a pasta está ampliando o estoque de antídotos no Sistema Único de Saúde (SUS) para o tratamento imediato de casos de intoxicação por metanol após a ingestão de bebidas alcoólicas adulteradas.
Os tratamentos são realizados principalmente por meio da administração do etanol farmacêutico, com maior disponibilidade no país, e pelo fomepizol, que está sendo importado do exterior pelo governo federal. Estoque do SUS e doações de laboratórios
O Ministério da Saúde, em parceria com a Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (Ebserh), adquiriu 4,3 mil ampolas de etanol farmacêutico e está em processo de compra de mais 150 mil ampolas, garantindo o abastecimento do SUS. Além disso, um grande laboratório brasileiro se ofereceu para doar etanol ao governo caso seja necessário.
Nós já tínhamos adquirido 4,3 mil ampolas do etanol farmacêutico para ter um estoque estratégico para os hospitais universitários federais espalhados pelo Brasil, que podem fornecer na medida que qualquer serviço do SUS solicite. Nós adquirimos mais 12 mil ampolas no laboratório nacional, chega na próxima semana reforçando esse estoque estratégico”, anunciou Padilha em Teresina (PI), onde cumpre agenda relacionada à expansão do serviços de atendimento digital no SUS.
O ministro também informou que a pasta fechou a compra de 2,5 mil ampolas de fomepizol de um fornecedor do Japão, em uma articulação com a Organização Pan-Americana de Saúde (Opas). Os kits devem chegar na próxima semana e serão distribuídos aos Centros de Informação e Assistência Toxicológica dos estados. “Teremos aqui no Brasil, além do etanol farmacêutico já garantindo tratamento, teremos também o fomepizol“, assegurou o ministro.
Etanol farmacêutico poderá ser produzido no Brasil
A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) publicou, na noite desta sexta-feira (3), uma resolução que regulamenta a produção em escala do etanol farmacêutico, substância usada como antídoto para intoxicação por metanol. O documento estabelece procedimentos temporários e extraordinários para ampliar a produção do chamado etanol injetável, possibilitando a disponibilidade do medicamento em larga escala nos próximos dias.
De acordo com o diretor-presidente da Anvisa, Leandro Safatle, os casos de intoxicação por metanol eram pouco frequentes no país — cerca de 20 por ano — e, por isso, não havia produção registrada de etanol ou fomepizol. Enquanto o fomepizol tem produção complexa e não pode ser fabricado localmente em curto prazo, o etanol é mais fácil de produzir, com hospitais, laboratórios e farmácias de manipulação já tendo capacidade, mas não em escala industrial.
Muitos hospitais universitários já possuem algum volume de etanol. A resolução permite agora a produção industrial, garantindo disponibilidade em caso de aumento de contaminações”, afirmou Safatle.
Recomendação é evitar o consumo de bebidas destiladas
Alexandre Padilha voltou a recomendar que as pessoas evitem consumo de bebidas alcóolicas, especialmente as destiladas.
Quero dar uma recomendação para a população como um todo, e dou como ministro da Saúde e como médico. Nesse momento, evite ingerir bebidas destiladas, sobretudo aquelas em que a garrafa é feita com a rosca. Até agora, o que foi identificado é a presença desse crime em garrafas de bebidas destiladas feita com a rosca. Estamos falando de um produto que é de lazer, não é um produto da cesta básica alimentar”, ponderou.
O ministro também alertou os comerciantes para que redobrem a atenção com a compra de bebidas de fornecedores, garantindo certificação de origem, mas ressalvou que não há motivo para pânico. Sobre o aumento das notificações, o ministro da Saúde explicou que isso decorre da recomendação da pasta para que o profissionais da saúde registrem as possíveis ocorrências na primeira suspeita clínica que tiverem.
Quando o profissional de saúde, da rede pública ou privada, faz a notificação imediata, o Centro de Referência em Toxicologia de cada estado fica sabendo desse caso e já dá apoio a esse médico, a esse profissional de saúde, na condução correta desse caso, começar a tomar medidas, seguir o protocolo do Ministério a Saúde, checar a acidose metabólica, garantir hidratação, monitorar a parte cardíaca”, explicou.
A notificação, ainda segundo Padilha, contribui para o avanço das investigações policiais.
Essa notificação faz com que a gente identifique onde a pessoa tomou essa bebida, isso inicia todo o processo das forças de segurança, Polícia Civil e Polícia Federal de ir atrás onde foi comprado, onde foi adquirido”, observou.
Com Assessorias e Agência Brasil (atualizado em 4/10/25)