*Daniel Moral, CEO e fundador da Eureka Coworking

Todos os anos, em 22 de setembro, cidades ao redor do mundo celebram o Dia Mundial Sem Carro. A data nasceu na França, em 1997, quando autoridades incentivaram a população a deixar os automóveis em casa por um dia inteiro. O gesto rapidamente ganhou força na Europa e se espalhou por diversas regiões, chegando ao Brasil no início dos anos 2000.

Mais do que um experimento simbólico, o movimento tornou-se um convite global à reflexão sobre mobilidade urbana, saúde, meio ambiente e qualidade de vida. Para as organizações, também funciona como um alerta estratégico: repensar deslocamentos pode trazer ganhos econômicos, sociais e ambientais de grande impacto.

O trânsito como inimigo da produtividade

Nas metrópoles brasileiras, a dependência do automóvel ainda é marcante. O carro oferece conforto e, muitas vezes, é a única saída diante do transporte público precário. Mas esse uso intensivo cobra caro: congestionamentos intermináveis, gastos elevados, poluição sonora e atmosférica, além de impactos emocionais profundos.

Um levantamento da Rede Nossa São Paulo, em parceria com o Ipec, mostrou que os paulistanos gastam em média 2h25 por dia em deslocamentos usando transporte público. Isso significa mais de 1.000 horas por ano — o equivalente a 45 dias inteiros. Em outras palavras: menos 2h no trânsito por dia representam quase 1 mês livre ao ano. Tempo que poderia ser dedicado à família, ao lazer ou ao descanso, mas que acaba sendo consumido em engarrafamentos.

Esse desgaste compromete não só o indivíduo, mas também equipes e resultados empresariais. Atrasos frequentes em reuniões, aumento do absenteísmo e até afastamentos médicos ligados ao estresse do tráfego fazem parte do cotidiano corporativo. Além disso, existe o custo invisível: queda de engajamento, fuga de talentos e redução da criatividade.

Repensar formas de locomoção, portanto, não é apenas uma pauta de sustentabilidade, mas uma decisão estratégica de negócios. Companhias que assumem esse compromisso conquistam vantagem competitiva e constroem ambientes de trabalho mais saudáveis.

O híbrido como resposta equilibrada

A pandemia de Covid-19 funcionou como um laboratório inesperado. O trabalho remoto mostrou-se viável em muitas funções, mas também revelou limitações quando praticado de forma exclusiva. Foi o modelo híbrido que emergiu como alternativa mais inteligente.

Ao combinar dias presenciais em momentos-chave com jornadas realizadas de casa, reduz-se a frequência de deslocamentos e melhora-se o aproveitamento do tempo. Mas, acima de tudo, o híbrido valoriza os encontros presenciais — fundamentais para a inovação, a cultura organizacional e a criação de laços entre as equipes.

Esse formato representa uma mudança cultural profunda. Em vez de impor uma rotina rígida, valoriza-se a confiança entre líderes e colaboradores, respeitando diferentes realidades. O trabalhador ganha autonomia para organizar sua agenda, enquanto a empresa preserva o espaço físico como ponto de troca, criatividade e pertencimento.

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Bicicletas como protagonistas da transformação

Falar de mobilidade corporativa sem mencionar bicicletas seria impossível. Em São Paulo, a malha cicloviária alcançou 731 km no fim de 2023, segundo a prefeitura, um crescimento que demonstra como já existe infraestrutura capaz de apoiar o pedal como alternativa real de deslocamento urbano.

O cenário abre espaço para que as empresas assumam papel ativo, incentivando o uso da bicicleta como meio de transporte cotidiano. A prática não apenas reduz a poluição, mas também melhora a saúde física, diminui a ansiedade e amplia a sensação de autonomia entre colaboradores. Para transformar essa escolha em realidade, é fundamental oferecer condições concretas que facilitem o dia a dia de quem pedala.

  • Instalar bicicletários seguros: oferecer espaços bem iluminados e monitorados para guardar bicicletas transmite confiança e estimula mais colaboradores a pedalar.
  • Disponibilizar vestiários e chuveiros: garantir infraestrutura de higiene é fundamental para quem chega do trajeto pronto para iniciar a jornada de trabalho.
  • Criar benefícios financeiros: subsídios para compra de bicicletas, manutenção ou acessórios funcionam como incentivos diretos e reforçam a política corporativa de bem-estar.
  • Organizar eventos internos: ações como o “Café da manhã do ciclista”, especialmente no Dia Mundial Sem Carro, aproximam pessoas e transformam a decisão de pedalar em um ato coletivo.

Outros países e cidades já mostraram que esse caminho funciona. Em Lisboa, por exemplo, a prefeitura lançou um programa que oferece até 500 euros de reembolso para a compra de bicicletas, além de converter faixas de carros e vagas de estacionamento em ciclovias.

No Brasil, a Eureka Coworking, em parceria com o Itaú Unibanco, foi reconhecida pelo Prêmio SP de Bike ao Trabalho, também incentivando os colaboradores a pedalar diariamente.

São exemplos que reforçam que incentivar o uso de bicicletas não é apenas uma escolha sustentável, mas também uma ferramenta de engajamento e reputação corporativa.

Caronas corporativas e transporte público fortalecido

Outro caminho de grande impacto é estimular as caronas corporativas. Com o apoio de plataformas digitais, colegas que moram próximos podem compartilhar o trajeto até o escritório. A prática reduz custos individuais, diminui o número de veículos nas ruas e aproxima profissionais de diferentes áreas, fortalecendo relações internas. O resultado vai além da economia: cria senso de comunidade e aumenta o engajamento.

O transporte público também continua sendo um pilar essencial da mobilidade urbana. Para empresas, apoiar esse modal é uma forma de ampliar a acessibilidade e oferecer maior tranquilidade ao colaborador. Subsidiar passes mensais é uma medida simples que reduz gastos pessoais e transmite a mensagem de que a companhia valoriza o tempo e o bem-estar de sua equipe.

Além disso, organizações podem contribuir para a criação de linhas especiais em polos empresariais e incentivar a integração com bicicletas ou outros modais ativos. Esse tipo de ação alivia a dependência do carro, torna o deslocamento mais eficiente e promove um fluxo urbano menos poluente. Ao unir esforços com governos e operadores, as empresas ajudam a desenhar cidades mais humanas e conectadas.

Flexibilização de horários e inovação em jornadas

O tradicional expediente das 9h às 18h concentra milhões de pessoas nos mesmos horários, gerando gargalos. Permitir que colaboradores ajustem a jornada ajuda a distribuir fluxos de tráfego.

Um funcionário que começa uma hora mais cedo escapa do pico e chega menos estressado; outro que inicia mais tarde aproveita melhor o tempo. É uma adaptação simples, com custo quase nulo, mas que gera ganhos significativos de qualidade de vida.

Paralelamente, modelos inovadores vêm ganhando espaço. A semana comprimida — quatro dias de trabalho mais longos com um dia de descanso extra — já foi testada em países europeus com resultados positivos em produtividade e bem-estar. Outra alternativa é a descentralização, permitindo que parte da jornada seja cumprida em espaços de coworking ou escritórios satélites próximos à residência dos funcionários.

Impactos ambientais e sociais

Refletir sobre mobilidade é refletir também sobre sustentabilidade. Segundo relatório da ONU, o setor de transportes responde por quase um quarto das emissões globais de dióxido de carbono. Diminuir a dependência de automóveis contribui para mitigar mudanças climáticas, melhora a qualidade do ar e reduz problemas de saúde respiratória.

Empresas que assumem essa pauta fortalecem sua reputação e se alinham aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). Consumidores valorizam marcas comprometidas com causas socioambientais; investidores também priorizam organizações responsáveis. Para os colaboradores, atuar em uma companhia que gera impacto positivo cria orgulho, engajamento e senso de pertencimento.

O convite do Dia Mundial Sem Carro

Dia Mundial Sem Carro nasceu como uma experiência local, mas ganhou o mundo por dialogar com desafios universais. A reflexão proposta pela data vai muito além de um dia sem dirigir: é um exercício coletivo de imaginação sobre como seriam cidades menos dependentes do automóvel, mais silenciosas, limpas e humanas.

Para as empresas, trata-se de uma oportunidade concreta de ação. É possível incentivar ciclistas com eventos e benefícios práticos, promover campanhas internas de conscientização, adotar horários flexíveis em caráter experimental e estimular debates sobre alternativas de deslocamento. Ou seja, pode se tornar uma verdadeira catalisador de mudanças culturais.

Chamado à ação

O futuro do trabalho está diretamente ligado ao futuro da mobilidade. O carro continuará a ter seu papel, mas não pode seguir como protagonista absoluto. Se governos, cidadãos e empresas assumirem responsabilidade conjunta, será possível reduzir custos, aumentar produtividade e melhorar a qualidade de vida nas cidades.

Este 22 de setembro é o momento ideal para empresas assumirem protagonismo. Criem bicicletários, subsidiem passes, flexibilizem horários, promovam encontros conscientes. Transformem o Dia Mundial Sem Carro não apenas em reflexão, mas em ação corporativa com resultados tangíveis.

Cada decisão conta. E cada organização que aposta na mobilidade consciente dá um passo para uma economia mais inovadora, sustentável e humana!

*Analista de sistemas com MBA em gestão de empresas pela FGV, Daniel Moral está há 10 anos à frente da Eureka Coworking. Como CEO, gerencia as operações diárias dos escritórios com o foco na inovação e no bem-estar dos profissionais, gerando impacto positivo no ambiente urbano e na comunidade local

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