O Brasil tem o maior sistema universal de saúde do mundo em termos de população, emprega 7 milhões de pessoas e movimenta 9% do Produto Interno Bruto (PIB). No entanto, 53% dos insumos necessários para a produção do setor de saúde brasileiro são importados e 15% do PIB da saúde vão para fora do Brasil. Para mudar esta realidade, a palavra-chave pode estar na cooperação entre empresas públicas e privadas, agências reguladoras e universidades.
Incentivar a cooperação e fortalecer a presença do Estado na saúde foram o ponto central das discussões da mesa de abertura do Rio Health Forum, que teve sua primeira edição no Rio de Janeiro, em paralelo à FISWeek. O fórum foi realizado nesta quarta e quinta-feira (dias 6 e 7/11), tendo como foco o Complexo Econômico Industrial da Saúde, e reuniu lideranças e autoridades dos setores público e privado, academia e sociedade civil.
Ao Vida e Ação, durante o evento, o secretário municipal de Saúde, Daniel Soranz, falou sobre a importância do complexo para o Rio de Janeiro, onde já existe um importante ecossistema, reunindo grandes empresas, universidades e instituições de fomento e pesquisa – veja aqui.
A representante da Organização Pan-Americana da Saúde (Opas) no Brasil, Socorro Gross, destacou a importância do país para o setor de saúde nas Américas. “O Brasil é a nossa esperança. Tem talentos, tem instituições, tem produção. Que o Brasil seja o ponto de referência na cooperação regional e na coordenação que precisamos”, afirmou Gross, lembrando das profundas desigualdades que afetam o acesso à saúde na América Latina.
Fiocruz quer ampliar parcerias com empresas
Ao falar sobre o tema Cooperação Competitiva para um Novo Complexo Econômico Industrial da Saúde, o presidente da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), Mario Moreira, defendeu que “é tempo de fortalecer o Estado para que ele possa cumprir seu papel na promoção da saúde”.
Não podemos mais ver a saúde como uma linha de gastos. Em vez disso, devemos compreendê-la como um eixo de desenvolvimento econômico e social que requer investimentos públicos e privados, nacionais e internacionais”, destacou.
Segundo ele, a Fiocruz está aberta a cooperações com os setores público e privado, tanto nacionais quanto internacionais.
Queremos fortalecer nossos acordos de transferência de tecnologia e convocamos a indústria, nacional e internacional, para parcerias de desenvolvimento tecnológico”, ressaltou, indicando a necessidade de novas abordagens para a cooperação. “Vamos pensar em novos mecanismos, como joint ventures e laboratórios colaborativos. Precisamos sair da caixa e inovar nossos modelos de transferência de tecnologia.”
Não há caminho senão a cooperação”, reforçou Fernanda Fialho, superintendente de Educação em Saúde da Secretaria de Estado de Saúde do Rio de Janeiro.
Ela chamou a atenção para o ostracismo do setor de saúde no estado e para a necessidade de estimular as suas atividades. “O Rio de Janeiro precisa voltar à cena. Que possamos voltar o nosso olhar para um Complexo Industrial da Saúde sustentável, com parcerias privadas e com o envolvimento do poder público”.
Aumento na fabricação de itens para a saúde no Brasil
Também integrante da mesa de abertura, Paulo Henrique Fraccaro, da Associação Brasileira da Indústria de Dispositivos Médicos (Abimo), falou sobre o crescimento nos itens fabricados no país. De acordo com uma sondagem realizada pela Abimo com suas associadas, houve um crescimento de 56% nas vendas e de 48% na produção em março de 2024, em comparação com o mesmo período do ano anterior.
Com isso, 60% dos participantes pretendiam aumentar o volume de investimentos em maio e junho e 79% acreditavam que o volume de negócios vai aumentar. A pesquisa constatou ainda que 40% das suas associadas aumentaram os postos de trabalho em março 2024 para dar conta da nova demanda e que 48% investiram no negócio, em fevereiro e março, para dar suporte à retomada do setor.
Entre as participantes da Pesquisa Abimo, 42% são empresas do segmento médico-hospitalar; 13% fabricam materiais de consumo; 14% fabricam produtos odontológicos; 14%, de implantes e os outros 17% respondem pelos segmentos de reabilitação, laboratório e radiologia. A maioria concentra suas atividades em São Paulo (76%), mas há empresas do Paraná, Minas Gerais, Santa Catarina e Rio de Janeiro.
Alta inadimplência dos municípios preocupa o setor
Apesar do otimismo dos empresários do setor, um dado que acende um alerta é a inadimplência: 37% dos entrevistados afirmaram que aumentou o número de compras não pagas em março de 2024, quando comparado a março de 2023.
A maior parte das indústrias nacionais vendem para o Sistema Único de Saúde, cujas compras são feitas de maneira descentralizadas, pelos municípios. Essa dependência do SUS afeta os volumes de investimentos. O segmento também se preocupa com as eleições municipais e suas consequências diretas na produção.
Como os estoques estão altos, uma mudança nos cronogramas de licitações pode afetar o fluxo de produção, interrompendo o cenário positivo que estamos vivenciando após o lançamento da Nova Política Industrial pelo governo federal”, destacou Paulo Henrique Fraccaro.
Por isso, ano eleitoral sempre traz um fator mais complexo de planejamento para o setor.
“É preciso que o governo continue sinalizando sua disposição para posicionar o setor como estratégico para o empresário seguir aumentando seus investimentos. Infelizmente já tivemos muitos momentos de acenos positivos para o setor que, com mudanças na gestão, acabaram trazendo retrocessos. Precisamos ser parte da política do estado brasileiro para a gestão da saúde. Assim, teremos segurança jurídica para investir mais, já que, historicamente, o setor fica nas mãos de políticas de governo, que mudam conforme a visão do gestor da vez”, explica Fraccaro.
Complexo industrial da Saúde
O Complexo Econômico Industrial da Saúde abrange toda a base produtiva envolvida na prestação de serviços, promoção e vigilância em saúde, envolvendo tanto o segmento secundário da economia, a exemplo das indústrias de base química, biotecnológica, mecânica e de materiais, quanto o terciário, referente aos serviços prestados nos estabelecimentos de saúde.
O complexo mobiliza uma série de tecnologias relevantes para a inserção competitiva na economia global, responde pela geração de emprego, renda e parte significativa do PIB nacional, motivo pelo qual a área da saúde tem tido sua importância crescentemente institucionalizada na agenda de desenvolvimento nacional.
Em abril de 2023, o Governo Federal anunciou a retomada do Grupo Executivo do Complexo Econômico-Industrial da Saúde (Geceis), com o intuito de acelerar as iniciativas para a criação do complexo de produção do setor no Brasil. O grupo é formado por 20 órgãos públicos, representantes da sociedade científica e civil, gestores do Sistema Único de Saúde (SUS), empresários e sindicatos.
O complexo foi incluído nas prioridades do Plano Brasil Maior. Junto à retomada, volta o debate sobre a necessidade de uma produção nacional que possibilite avanços para a produção de medicamentos, diminuindo a dependência de insumos e moléculas essenciais que atualmente são patenteados por indústrias farmacêuticas internacionais.
A Estratégia Nacional para o Desenvolvimento do Complexo Econômico Industrial da Saúde, instituída pelo Decreto nº 11.715, de 26/9/2023, visa expandir a produção nacional de itens prioritários para o SUS e reduzir a dependência do Brasil da importação de medicamentos, insumos e outros.
O plano do Governo é que, em dez anos, 70% das necessidades do SUS sejam supridas pela produção nacional. Atualmente, 95% dos insumos farmacêuticos ativos (IFAs) brasileiros são importados da China e da Índia, sendo apenas 5% deles produzidos em solo nacional.
Para se ter ideia, em 2019, antes da pandemia, as importações de respiradores do país somaram US$ 52,22 milhões. A Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), em três meses, conseguiu criar ventiladores mecânico no combate à covid-19.
Complexo Industrial de Biotecnologia no Rio
O Rio de Janeiro tem um forte potencial para a produção de medicamentos e insumos. Idealizado em 2010 e viabilizado em 2022, com a assinatura de contrato com a empresa vencedora da licitação, o Complexo Industrial de Biotecnologia em Saúde (CIBS), da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), será o maior centro de produção de vacinas e outros biológicos da América Latina e vai suprir toda a demanda interna e de exportação de vacinas.
De acordo com o Governo do Estado, o projeto de R$ 5 bilhões, em construção no Distrito Industrial de Santa Cruz, na Zona Oeste da capital, deverá gerar mais de 10 mil empregos na construção e outras 2 mil vagas permanentes, após a inauguração, que demandam ampla qualificação técnica.
Com Assessorias