Estimativas da Organização Mundial de Saúde (OMS) indicam que 50 milhões de brasileiros sofrem com problemas de visão, sendo que 60% desses casos envolvem cegueira e deficiência visual. Dados do Confederação Brasileira de Óptica e Optometria (CBOO) apontam que cerca de 95% dos problemas visuais são erros de refração (miopia, astigmatismo, hipermetropia), que podem ser facilmente corrigidos com uma simples prescrição de óculos.

No entanto, muitos pacientes no Brasil têm dificuldade de ter acesso a um atendimento oftalmológico no Sistema Único de Saúde (SUS). Em Curitiba (PR), por exemplo, 54 mil pessoas aguardam na fila de espera por uma consulta oftalmológica, conforme dados da Secretaria Municipal de Saúde. Esta situação poderia ser resolvida com a ampliação dos serviços de Optometria, a ciência que estuda o ato visual.

“Esta realidade reforça a importância do papel do optometrista no contexto da saúde pública, proporcionando um atendimento precoce e eficaz para problemas visuais”, afirma o presidente do Conselho Regional de Óptica e Optometria do Paraná (CROO/PR), Carlos Eduardo Scarpim Winnikes.

De acordo com o especialista, a oferta de serviços de saúde ocular no Brasil é limitada, especialmente no setor público, ainda é centrada no oftalmologista. “A população acredita que o único profissional em saúde visual é o médico oftalmologista e, muitas vezes, o procura exclusivamente para atendimentos de atenção primária à saúde visual” , afirma.

Com isso, segundo ele, quem perde é a população. “Sem uma avaliação precoce, pode vir a ficar cega, uma vez que o sistema é pouco eficiente e caro. Por exemplo, problemas de saúde visual mais comuns, como ametropias, poderiam ser corrigidos por profissionais não-médicos, e os consórcios municipais de saúde economizariam com atendimentos mais completos por um custo menor”, destaca o especialista (veja mais no artigo abaixo). 

Segundo a CBOO, os serviços públicos de saúde, em sua grande maioria, não possuem profissional responsável pela atenção primária da visão e a espera por atendimento especializado pode chegar a até dois anos – tempo suficiente para que casos graves evoluam para cegueira. Nos países desenvolvidos, como Reino Unido, Suíça, Dinamarca, Noruega, Suécia e Espanha, os oftalmologistas seriam responsáveis por menos de 25% dos atendimentos primários e prescrição de lentes corretivas.

Para os profissionais de Optometria, o oftalmologista é um médico especializado em cuidados com os olhos e a visão, atuando nas doenças oculares, cirurgias e prescrição de medicamentos. Já o optometrista é um técnico de nível superior (bacharel em Optometria) que faz a avaliação primária da saúde visual e ocular.

“O profissional estuda cerca de 1985 horas para a prescrição de óculos, superando em quantidade de horas de estudo os oftalmologistas”, diz o presidente do CROO/PR, Carlos Eduardo Scarpim Winnikes.

Dia Mundial da Optometria e Março Verde

Segundo a CBOO, o optometrista desempenha um papel essencial na detecção precoce de problemas de visão e na promoção da saúde ocular em todas as faixas etárias. “Habilitado para identificar sinais e sintomas que remetam a presença de patologias oculares ou sistêmicas, esse profissional encaminha de forma precoce o paciente para a atenção médica competente, potencializando, assim, as chances de cura, reduzindo os danos ao indivíduo e à sociedade como um todo”, explica a entidade.

No mês de março, o Brasil celebra o “Março Verde”, uma campanha de conscientização em saúde visual realizada pela CBOO, em parceria com o World Council of Optometry (WCO), a Associação Latino Americana de Optometria e Óptica (ALDOO) e entidades estaduais filiadas.

No Dia Mundial da Optometria (23/3) a Câmara dos Deputados, em Brasília (DF), recebe iluminação verde como parte das atividades da Semana da Optometria, realizada anualmente entre 19 e 25 de março, quando organizações promovem eventos de consciencialização, em todo o mundo, sobre os cuidados com a visão. A ação também busca destacar o papel fundamental da optometria na promoção do bem-estar ocular.

“O profissional é capacitado para avaliar as anomalias do estado refrativo, sensório motor perceptual e ocular do paciente por meio da aplicação de provas não invasivas”, afirma Fabrício Paes, bacharel em Optometria que atua com terapia visual de crianças, adolescentes e adultos.

Profissional é treinado para medir e corrigir erros refrativos

“Cegueira evitável é um dos mais trágicos e desgastantes problemas globais. A optometria é parte essencial da equipe que irá combater esses números, ao compreender as necessidades mundiais do cuidado com o olho e entregando tratamento visual efetivo e sustentável às pessoas necessitadas, deste modo garantindo seu direito fundamental à visão”, afirma Irineu Ricardo Marios, secretário geral da CBOO.

Segundo ele, o Conselho Internacional de Oftalmologia classifica o optometrista em seu Código de Ética como um profissional especializado no estudo do ato visual, capacitado para realizar exames abrangentes e prescrever óculos para correção de erros refrativos:

“O próprio Conselho Internacional de Oftalmologia reconhece que o profissional optometrista é treinado para detectar, medir e corrigir de erros refrativos (miopia, astigmatismo, hipermetropia), bem como é capaz de detectar a visão subnormal e a presença de problemas oculares”, completa.

Os optometristas atuam na saúde primária tratando de problemas oculares mais comuns e desempenham um papel vital ao identificar problemas comuns de visão e avaliar a saúde geral dos olhos.

“Caso seja detectada alguma patologia, o optometrista encaminha o paciente para diversos especialistas da área da saúde (oftalmologista, endocrinologista, cardiologista, neurologista, entre outros), garantindo um atendimento multidisciplinar e integrado”, conta o tecnólogo em optometria Arlindo Mitsuo Tsumanuma.

Atividade de optometrista foi reconhecida pelo STF em 2021

A profissão é reconhecida e respeitada no exterior. No Brasil, os optometristas tiveram seu direito ao livre exercício profissional reconhecido pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em 2021. Aqueles que possuem formação de nível superior podem realizar a prescrição de óculos e lentes de contato. Em relação aos profissionais técnicos, foi facultado o exercício de todas as outras atividades previstas na Classificação Brasileira de Ocupações.

O ministro do STF Gilmar Mendes “confirmou que as limitações impostas à atuação dos optometristas (técnicos que diagnosticam e corrigem problemas na visão, sem prescrição de drogas ou tratamentos cirúrgicos) não se aplicam aos profissionais com formação técnica de nível superior em instituições reconhecidas pelo poder público“. De acordo com o entendimento da Corte, “as limitações devem ser impostas exclusivamente à atuação dos práticos, profissionais sem formação técnica superior“.

Segundo o CBOO, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) também reafirma a legalidade de optometristas de nível superior estabelecerem local de trabalho para atender pacientes e que estão autorizados a prescrever óculos e lentes de contato. A Anvisa reiterou a decisão do STF, determinando que todas as autoridades sanitárias do país fossem comunicadas da validade imediata e vinculante da ordem emanada pela Suprema Corte.

Ainda de acordo com a confederação que representa os optometristas, no Estado de São Paulo, o Centro de Vigilância Sanitária isenta o licenciamento de consultórios e gabinetes optométricos; além disso, não há proibição para a atuação de optometristas dentro de óticas.

Disputa entre optometristas e oftalmologistas

Já o Conselho Federal de Medicina (CFM) diz que uma decisão do STJ em maio de 2023 é favorável aos médicos oftalmologistas. Segundo o órgão, “mesmo com graduação de ensino superior em optometria”, esses profissionais “não podem realizar exames de vista, diagnóstico de patologias e prescrição de lentes de grau”, considerados “atos privativos de médico oftalmologista”  e que este também seria o entendimento do STF.

“Na avaliação do STJ, estão em vigor os decretos 20.931/32 e 24.492/34, que não permitem aos optometristas atendimento de pessoas para diagnosticar doenças, prescrever medicamentos ou lentes de grau, fazer exame de vista ou praticar outras atividades privativas do profissional médico oftalmologista“, diz o CFM, que defende tal posicionamento, assim como o Conselho Brasileiro de Oftalmologia (CBO).

A disputa entre técnicos optometristas e médicos oftalmologistas é antiga. Em julho de 2022, o STF derrubou uma decisão do Superior Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul que impedia uma optometrista de realizar testes de visão e exames de refração e prescrever óculos de grau.

O tema chegou à Câmara de Deputados, em Brasília em 2007, com um projeto de lei que reconhecia e regulamentava a atividade profissional. Em 2019, foi criada a Frente Parlamentar da Optometria, com atuação até 2023.

Um passo significativo para garantir o acesso dos brasileiros à saúde visual o comunicado emitido pelo Ministério da Saúde em 2020 reconhecendo a importância dos optometristas trabalharem em conjunto com equipes multidisciplinares na prestação de serviços de atenção primária à saúde ocular pelo SU e a contratação desses profissionais seria realizada no âmbito do “Programa Previne Brasil”.

Em 2020, durante a pandemia da Covid-19, a Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI), do Ministério da Saúde, promoveu uma ação para indígenas das aldeias que compõem a área de atuação do Polo Base Passo Fundo. Foram realizados exames de optometria, consulta com oftalmologista e confecção e entrega de óculos.

Quando buscar um optometrista?

Indiferente ao impasse com os oftalmologistas, a CBOO segue divulgando a atividade e explica quando a população pode procurar um profissional de Optometria.

1 – Visão embaçada ou turva

Se a visão de perto ou de longe começar a ficar embaçada, pode indicar um erro refrativo como miopia, hipermetropia ou astigmatismo.

2 – Dores de cabeça frequentes

Dores de cabeça persistentes, especialmente após atividades que exigem esforço visual, como leitura ou uso de dispositivos eletrônicos, podem ser um sinal de tensão ocular devido a problemas de visão não corrigidos.

3- Fadiga ocular

Seus olhos se sentem cansados, secos ou irritados com frequência, especialmente no final do dia ou após tarefas visuais prolongadas.

4 – Visão dupla

Se começar a ver imagens duplicadas, tanto de perto quanto de longe, pode indicar problemas de convergência ou outros distúrbios binoculares.

5 – Dificuldade em enxergar à noite

Se a visão piorar significativamente em condições de baixa luminosidade, como durante a noite ou em ambientes pouco iluminados, pode indicar problemas como catarata ou comprometimento do nervo óptico.

6 – Dificuldade de foco

Dificuldade em manter o foco ao alternar entre diferentes distâncias, como de perto para longe, pode indicar problemas de acomodação ou outros distúrbios de foco.

7 – Sensibilidade à luz

Seus olhos ficam incomodados ou doloridos em ambientes muito claros, mesmo quando não há luz direta, o que pode indicar problemas como fotofobia.

8 – Alterações na visão periférica

Perda de visão lateral ou dificuldade em perceber objetos ao redor pode ser um sinal de problemas de campo visual, como glaucoma.

9 – Baixo rendimento nos estudos

Déficit de aprendizado, desinteresse por leitura e estudos pode estar intimamente ligado a baixa da habilidade visual de fazer o foco adequado.

10 – Visão dupla

Episódios frequentes ou esporádicos de diplopia (visão dupla) indicam uma deficiência na habilidade muscular dos olhos, que pode ser facilmente corrigida pelo optometrista.

Palavra de Especialista

Optometria: a cura para o problema na saúde ocular do Brasil

Por Carlos Eduardo Scarpim Winnikes*

No mundo, 314 milhões de pessoas apresentam dificuldade em algum dos olhos. No Brasil, estima-se que, da população geral, 14,5% apresentam alguma deficiência e, destes, 48,1% possuem alguma dificuldade visual, ou seja, quase 12 milhões de pessoas. Por outro lado, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), 75% de toda cegueira é tratável e/ou evitável.

No entanto, no Brasil, a reserva de mercado para os oftalmologistas, o desconhecimento sobre a multidisciplinaridade neste campo e a falta de uma cultura ocular resultam na ausência de uma política pública eficiente no combate à cegueira evitável, na falta de um protocolo de prevenção e na escassez de atendimento primário.

Historicamente, o conceito de saúde ocular no Brasil desenvolveu suas raízes em torno da profissão médica. Este caminho gerou uma percepção equivocada do que significa a saúde visual. A oferta de serviços de saúde ocular no Brasil é limitada, especialmente no setor público, e centrada no oftalmologista.

A população acredita que o único profissional em saúde visual é o médico oftalmologista e muitas vezes procura exclusivamente esse profissional para atendimentos de atenção primária à saúde visual, gerando filas no Sistema Único de Saúde (SUS) para atendimentos desta modalidade.

Com isso quem perde é a população. Sem uma avaliação precoce, pode vir a ficar cega, uma vez que o sistema é pouco eficiente e caro. Por exemplo, problemas de saúde visual mais comuns, como ametropias, poderiam ser corrigidos por profissionais não-médicos, e os consórcios municipais de saúde economizariam com atendimentos mais completos por um custo menor. 

‘Medicina não conseguirá resolver os problemas de saúde visual da população’

A saúde pública brasileira é pouco eficiente no âmbito dos tratamentos oculares, e não possui um programa difundido para terapia com pessoas com algum tipo de disfunção visual, motora e sensorial. A Medicina não conseguirá resolver sozinha os problemas de saúde visual da população. A formação médica em saúde ocular está voltada para o tratamento de média e alta complexidade, os profissionais médicos estudam e se formam para tratarem das doenças que podem acometer o globo ocular.

A demanda por serviços de saúde ocular está concentrada na avaliação de problemas refrativos. Entretanto, o diagnóstico precoce e o tratamento das morbidades oculares crônicas, como a catarata, o glaucoma e a retinopatia diabética, são importantes demandas potenciais.

A organização do sistema de saúde impede que exista nas Unidades Básicas de Saúde – UBS um profissional que filtre a maior parte das demandas dentro da área de saúde visual. Tal configuração torna o gargalo muito grande para o atendimento nos níveis secundários e terciários.

No entanto, o reconhecimento do problema e a promoção do profissional formado em Optometria têm a capacidade de rapidamente reverter o cenário e impactar os atendimentos de saúde visual. O optometrista realiza cuidados em saúde visual, particularmente a avaliação refrativa e a adequação da correção, sendo o profissional mais indicado para desempenhar ações de saúde desta complexidade.

Como profissional da saúde (não qualificado como médico), o optometrista é treinado para a detecção, medição e correção de erros refrativos, habilitado a detectar a visão subnormal e a presença de problemas oculares, indicando ao paciente um oftalmologista, que conduzirá exames mais aprofundados e oferecerá tratamento. Uma solução simples que pode desafogar o sistema de saúde do país.

*Carlos Eduardo Scarpim Winnikes é professor da Universidade do Contestado e membro do Conselho Regional de Óptica e Optometria do Paraná (CROO-PR).

 

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