Se todo artista tem de ir aonde o povo está, Milton Nascimento foi, aos 80 anos, se despedir do seu público fiel. Apesar da visível dificuldade para soltar a voz nas estradas como antigamente, o cantor e compositor emocionou as mais de 55 mil pessoas que o assistiram presencialmente, na noite deste domingo (13 de novembro), no Mineirão, em Belo Horizonte, e também as milhares que acompanharam seu último show pela internet (veja link aqui).

Nos preparativos para a que anunciou ser sua última apresentação (Foto: Marcos Hermes)

Há tempos a saúde fragilizada do artista preocupa sua legião de fãs. Milton chegou a pesar apenas 38 quilos, o que levou à suspeita de que estava com Aids. Em 1996, ele resolveu então revelar, pela televisão, que estava com diabetes tipo 2, doença diagnosticada tardiamente e que, sem o devido controle, que o levou a quadros graves de anorexia, embolia pulmonar e amiotrofia.

Mas Bituca, como é conhecido, conseguiu se superar: alterou sua dieta e passou a utilizar diariamente a insulina para equilibrar a glicemia. E voltou aos palcos, ganhou prêmios, gravou músicas e fez muitos shows. Entre 2013 e 2014, porém, Milton Nascimento ficou muito doente, com problemas cardiovasculares. Precisou passar por uma cirurgia de cateterismo. O diabetes piorou.

Preparação para se apresentar (Glaucimara Castro / BS Fotografias)

Cantor já enfrentou a depressão

Na época, ficou também com uma grave depressão, perdendo a vontade de cantar. E precisou de pelo menos três anos para se recuperar. Mas em 2017, atendendo aos pedidos dos milhões de fãs, novamente deu a volta por cima e subiu aos palcos para uma nova série de shows. Desde então, tem lançado novos projetos, músicas e discos.

Diabético e cardiopata, Milton Nascimento chegou a ser internado algumas vezes nos últimos dez anos e já se submeteu a um cateterismo. E passou novamente um período afastado dos palcos. “Naquela época, eu achava que não ia conseguir cantar mais”, diz o cantor, estrela da série documental “Milton e o Clube da Esquina”, no Canal Brasil.

Segundo Bituca, o momento difícil que enfrentou não teve a ver com problemas de saúde. “Doença, essas coisas, graças a Deus não foi pra frente. Não foi por causa de doença, mas por coisas nas quais eu não acreditava mais.”

Nas recentes apresentações públicas do artista, feitas antes da pandemia, o compositor de clássicos como Canção da América e Maria Maria, interpretados por dezenas de cantores de todo o mundo, surgiu caminhando dificuldade, sempre com a ajuda de assistentes, ou mesmo em cadeira de rodas. E passou a cantar sentado em um banquinho, como no domingo.

Milton Nascimento precisou de ajuda para subir ao palco, mas mostrou aos fãs que continua imbatível (Foto: Marcos Hermes)

“Não estou doente, graças a Deus”

A ideia de realizar uma turnê de despedida dos palcos no ano em que comemora oito décadas de vida (o aniversário foi em 26 de outubro) e seis décadas de carreira, foi anunciada oficialmente em maio. Questionado se a decisão tinha a ver com sua doença, garantiu:

Maju Coutinho e Milton Nascimento — Foto: Fantástico
Milton em entrevista a Maju Coutinho em maio deste ano, para falar de sua turnê de despedida (Foto: Fantástico)

“Não estou doente, graças a Deus. Tem uma coisa disso, que eu fico assim tremendo, mas não tem isso de doença, não”, disse o músico, que compõe e canta desde os 13 anos, durante uma conversa com Maju Coutinho, no ‘Fantástico’.

Na entrevista, Milton falou sobre “Clube da Esquina”, que completou 50 anos este ano e ganhou o título de melhor álbum da música brasileira numa votação que reuniu 160 jornalistas, críticos, profissionais da música.

Em julho, porém, após uma crise de hipertensão, Bituca teve que ficar internado na Clínica São Vicente, na Gávea (zona sul do Rio de Janeiro), por conta do “distúrbio de ordem metabólica” (diabetes). A cada internação, o cantor parece ficar mais debilitado, mas o coração continua jovem como o de um estudante.

Homenagem emocionada à amiga Gal Costa

Milton Nascimento chora ao homenagear a grande amiga Gal Costa (Foto: Marcos Hermes)

Carioca nascido na Tijuca, mas mineiro de coração, Milton Nascimento, que hoje vive em Juiz de Fora (MG), já venceu 5 prêmios Grammy e cantou com estrelas mundiais como Peter Gabriel, Sarah Vaughan e Duran Duran, além de ter realizado parcerias com grandes estrelas da MPB, como Elis Regina e Gal Costa.

A morte súbita de Gal, na semana passada, aos 77 anos, por causa não revelada, a pedido da família, abalou Milton. “Esse show é dedicado à minha querida Gal Costa”, declarou, antes de iniciar uma performance de “Catavento”. Após homenagear a cantora, Bituca não conseguiu segurar as lágrimas.

  1. ‘Quem sabe isso quer dizer amor?’, como diz uma de suas canções? Não. Era amizade, daquelas guardadas no fundo do peito. E vinha de longa data. Bituca e a cantora chegaram a combinar que teriam um filho juntos. “Mas não tivemos”, contou o cantor, em uma entrevista.
  2. “Ela sempre reclama disso — mas ela não pode reclamar não”, brincou na época. Seu único filho, Augusto Nascimento, nasceu em 1992, mas ele só o conheceu em 2005. A adoção foi oficializada apenas em 2018.

‘A música ampliou meus horizontes e me proporcionou grandes amizades’

Bituca se apresentou com amigos do Clube da Esquina (Foto: Marcos Hermes)

A turnê “A Última Sessão de Música”, que celebra os 80 anos de vida do artista e marca a sua aposentadoria dos palcos, teve sua primeira parada no Rio de Janeiro, no dia 11 de junho, passou por mais 35 cidades, no Brasil, Estados Unidos e Europa, e foi finalmente encerrada em Belo Horizonte, neste domingo.

“A música ampliou meus horizontes. Em seis décadas, ela me levou aos quatro cantos do mundo”, disse Milton em um vídeo apresentado no início do show. “A outra coisa que a música me proporcionou nesses anos de estrada foram as grandes amizades. Costumo dizer que sem as amizades a minha vida jamais teria sido o que é – e nem a minha carreira”, completou.

Durante as duas horas de espetáculo, o repertório incluiu clássicos da carreira, como “Paula e Bebeto”, “Travessia”, “Cais”, “Tudo o que você podia ser”, “Caçador de Mim” , com direito a minutos de queima de fogos. O repertório contou os principais sucessos, inclusive as clássicas faixas do ‘Clube da Esquina’.

A hora do encontro é também despedida – ou não

Arrebatador no palco (Glaucimara Castro / BS Fotografias)

Milton convidou ao palco os amigos do Clube, Wagner Tiso, Toninho Horta, Lô Borges e Beto Guedes, além do músico mineiro Samuel Rosa, para tocarem juntos Para Lennon e McCartney e Um Girassol da Cor do Seu Cabelo. “Viver este momento depois dos 60 anos de carreira é a prova de que meus sonhos jamais envelheceram”, disse, introduzindo o clássico “Clube da Esquina nº 2”. 

Uma das mais expressivas performances foi ao cantar Encontros e Despedidas (1981), na qual faz alusão ao final de uma viagem de comboio: “a hora do encontro é também a hora da despedida”. E chorou ao encerrar o show em pé, abraçado ao filho, enquanto o público entoava gritos de “Bituca” e aplaudia o cantor e sua equipe.

Público retribui o carinho com cartazes homenageando Bituca (Foto: Glaucimara Castro / BS Fotografias)
Show foi marcado por grande emoção – de Milton e do público (Foto Glaucimara Castro / BS Fotografias)

Uma das maiores e mais famosas vozes da música brasileira, de timbre único e inesquecível, Milton nos leva a ouvir a voz que vem do coração, que acalma a alma, num canto de fé, esperança e sonhos. Mas nem de longe pensa em dizer adeus e pode ainda ressurgir pelos bailes da vida: “Eu vou parar de fazer show assim, turnês, mas não vou parar de compor nem de cantar. E se acontecer alguma coisa na vida, eu volto”, disse Milton.

E para quem ainda ficou na dúvida, é só dar uma conferida na página do cantor no Facebook.

“Na noite passada escrevemos a última página dessa história! Chegamos ao fim, juntos, da turnê “A Última Sessão De Música”. Todo artista tem de ir aonde o povo está, e nesses 60 anos de carreira, estivemos sempre juntos! Obrigado por tanto amor. Até breve”, escreveu.

Com agências (atualizado em 13/11/22)

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