Para alguns, dias de descanso. Para outros, dias de muita curtição. É neste clima que o Carnaval acontece no Brasil depois de dois anos sem a famosa festa carnavalesca que altera a agenda não apenas do país, mas do mundo. Após tanto tempo de pandemia, a rotina das pessoas voltou à normalidade e os feriados prolongados seguem como oportunidade para o uso dessas substâncias.

No Brasil, o principal deles é o Carnaval, período popularmente conhecido pelas pessoas se extravasarem e cederem aos excessos. No entanto, muitas pessoas usam essa data como forma de “escape” para esquecer dos problemas usando substâncias químicas. Legalizadas, as bebidas alcóolicas são de mais fácil acesso para as pessoas. Mas entre os principais consumos estão substâncias como tabaco, maconha, cocaína, inalantes como lança-perfume, ecstasy e LSD.

Coincidentemente, ocorre durante este Carnaval o Dia Nacional do Combate ao Alcoolismo (18/2) e o Dia Nacional de Combate às Drogas e Álcool (20/2), com ações de conscientização, prevenção e alerta para o problema das drogas lícitas e ilícitas que tem afetado a vida de milhões de pessoas e suas famílias. As datas que servem como alerta para este grave problema de saúde pública não só no Brasil, mas em todo o mundo. Vejam alguns números.

O Relatório Mundial sobre Drogas, de 2022, do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC) indica que cerca de 284 milhões de pessoas, entre 15 e 64 anos, usaram drogas em 2020, 26% a mais do que dez anos antes. Na África e na América Latina, as pessoas com menos de 35 anos representam a maioria das pessoas em tratamento devido a transtornos associados ao uso de drogas.

Globalmente, o relatório aponta que 11,2 milhões de pessoas no mundo usaram drogas em 2020. Cerca da metade deste número vivia com hepatite C, 1,4 milhões viviam com HIV, e 1,2 milhões viviam com ambos. Segundo estudo de 2020 da Organização Pan-americana da Saúde (Opas), ligada à Organização Mundial da Saúde (OMS), só o consumo de álcool foi responsável por uma média de cerca de 85 mil mortes por ano durante o período de 2013 a 2015 nas Américas, onde o consumo per capita é 25% superior à média global.

No Brasil, de acordo com dados do Sistema de informações sobre Mortalidade (SIM), do Ministério da Saúde, em 2020, mais de 11 mil mortes foram relacionadas a transtornos mentais e comportamentais em decorrência do uso de álcool e outras drogas. Em todo o mundo, a OMS estima que cerca de 5% da população, com idade entre 15 e 64 anos, consome drogas ilícitas e sofre com os malefícios e a dependência.

Aumento do consumo durante a pandemia

Pesquisas já confirmaram o aumento no consumo de álcool e drogas provocado pelo isolamento social, durante a pandemia do novo coronavírus. No primeiro ano da pandemia da Covid-19, os brasileiros recorreram mais às bebidas alcóolicas e às drogas.

Levantamento feito pela Global Drug Survey (GDS) em 2020 e divulgado no ano passado, mostra um aumento de 17.2% no consumo de maconha; 7.4% de cocaína e de 12.7% de benzodiazepínicos (ansiolíticos e hipnóticos) no Brasil. Com relação ao consumo de álcool, o aumento foi de 13,1%, um pouco abaixo da média mundial de 13,5%.

A pesquisa foi realizada com mais de 55 mil pessoas em todo o mundo e  desenvolvida como parte de um esforço global para entender melhor o impacto da pandemia na vida das pessoas, com foco no uso de álcool e outras drogas, saúde mental e relacionamentos.

Outro estudo da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS), por exemplo, reportou que 35% dos entrevistados com idades entre 30 e 39 anos relataram ter ampliado o número de ocasiões em que consumiram mais de cinco doses de álcool. Como resultado, a Organização Mundial da Saúde (OMS) chegou a recomendar que os países limitassem a venda de bebidas alcoólicas no período.

Drogas lícitas comuns causam câncer, ansiedade e impotência

Entre as drogas lícitas mais consumidas temos o álcool e o cigarro, que podem causar câncer, problemas cardíacos e respiratórios, impotência sexual, ansiedade e muitos outros problemas. Medicamentos sem prescrição médica, anorexígenos e anabolizantes são outros tipos de drogas lícitas que causam disfunções como rompimento das veias, danos no fígado, rins e estômago e outros problemas físicos e mentais.

“Temos que falar abertamente deste problema e trabalhar a prevenção como ponto fundamental para o controle desse problema, além de reduzir gastos com saúde e a perda de anos de vida de milhares de pessoas por incapacidade ou morte precoce. Além disso, as várias possibilidades de intervenção e tratamento devem estar disponíveis com a condução realizada por profissionais de saúde com uma abordagem multidisciplinar”, afirma a psiquiatra Aline Sabino, da Rede de Hospitais São Camilo de São Paulo.

Os problemas causados pela dependência de drogas ilícitas e pelo uso abusivo de drogas lícitas prejudicam tanto o indivíduo quanto a sua família, com impactos para toda a sociedade. Para Paulo Pacheco, educador físico pós-graduado em Dependência Química e Promoção da Saúde e consultor em Dependência Química do Centro Vida Araricá, no Rio Grande do Sul, o Carnaval é uma espécie de chamariz para o consumo de drogas e álcool.

“Essas festividades trazem com elas propagandas de incentivo ao uso, como por exemplo as campanhas de bebidas. Muitas pessoas usam as drogas durante o Carnaval para potencializar o prazer. Elas se sentem mais à vontade para fazer coisas que nunca fizeram antes. Durante o uso, o corpo produz sensações de euforia e desinibição. Além disso, a maioria das substâncias diminui o sono e aumenta a disposição física”, explica.

Ele destaca alguns sintomas durante e depois do uso destas drogas como euforia, prazer intenso, agitação, sensação de poder, aceleração dos batimentos cardíacos, aumento da pressão arterial, distorção da realidade, impulsividade, desinibição. “As pupilas ficam dilatadas, olhos vermelhos, agitação, alegria extrema, perda do juízo crítico, os reflexos motores ficam prejudicados e algumas pessoas podem ficar agressivas”, revela Pacheco.

Início ocorre por curiosidade, incentivo dos amigos ou alívio de sentimentos ruins

A psiquiatra Lucila Pereira Neves, que também atende no centro clínico do Órion Complex, conta que normalmente as pessoas começam a beber ou experimentam drogas por curiosidade, incentivo de amigos, para se divertir ou para dar alívio a algum sentimento ruim, como tristeza, timidez ou ansiedade.

“O uso repetitivo poderá levar ao vício devido a um mecanismo neurobiológico desencadeado pela própria substância consumida, que leva a uma descarga de dopamina no cérebro. A dopamina é um neurotransmissor que nos dá a sensação de prazer. Com isso, ocorre o desejo de repetir o uso”, explica ela.

Tanto as drogas quanto às bebidas trazem muitas consequências para quem consome. Os males físicos, como alterações hepáticas, pulmonares, dores neuropáticas, desnutrição; males cognitivos, como prejuízo da inteligência, atenção, memória e raciocínio.

“Existem os males emocionais, como depressão, ansiedade e piora dos transtornos psiquiátricos que a pessoa já possua; males sociais, com prejuízo nos relacionamentos com familiares, amigos e profissionais. E ainda os males financeiros, pois o dependente químico, além de perder emprego ou não conseguir ser empregado, se desfaz de seus bens para financiar o vício”.

Melhor forma de evitar é não experimentar, diz psiquiatra

A médica destaca que a melhor forma de evitar o vício é não experimentar. “Uma vez experimentadas, a chance de evolução para dependência pode ser imprevisível, a depender de vários fatores”, explica. Um dependente químico não afeta apenas a si, mas também a quem está à sua volta. “Traz tristeza aos familiares, que muitas vezes não sabem como ajudar. Além de ficar mais exposto a violência e acidentes e ele mesmo praticar atos violentos e criminosos, levando a repercussões jurídicas”.

Lucila Pereira concorda que, após o Carnaval e feriados prolongados, aumenta a procura por atendimento médico. “Principalmente por quem teve recaída, ou seja, já estava em um processo terapêutico e procura com maior facilidade o atendimento médico, sem tanto medo e preconceito, que ainda são grandes entraves ao tratamento e a busca de ajuda”, detalha.

Dentre os tratamentos disponíveis para os dependentes químicos, ela cita a psicoterapia, terapia ocupacional, mudanças do estilo de vida com atividade física regular, higiene do sono, alimentação adequada e combate ao estresse, suporte espiritual e tratamento medicamentoso clínico e psiquiátrico.

Para a psiquiatra Aline Sabino, o problema precisa ser enfrentado em diversos níveis. “No preventivo, precisamos evitar que os jovens tenham uma primeira experiência em relação ao uso de drogas. Em seguida é preciso atuar para ajudar as pessoas que já experimentaram ou que fazem uso ocasional de drogas, evoluam para o uso nocivo, e possível dependência”, comenta.

Danos ao sistema cardiovascular: risco de infarto e AVC

O diretor de Promoção de Saúde da SBC, José Francisco Kerr Saraiva, explica que tanto a cocaína, como outras drogas ilícitas, ou a própria cannabis têm efeitos importantes sobre o aparelho cardiovascular e podem promover descarga de adrenalina.

“Na verdade, uma forte atuação das catecolaminas, entre as quais se destaca a noradrenalina, que pode levar à elevação da pressão arterial, aumentar o consumo de oxigênio por parte das células cardíacas, causar arritmias, levar à oclusão das artérias coronárias”, explica.

Segundo ele, esses medicamentos podem fazer uma forte constrição dos vasos levando ao infarto e, muitas vezes, à parada cardíaca. “Tanto é que uma das causas de infarto em jovens é a utilização de cocaína”, destaca.

O Ministério da Saúde adverte que o consumo da cocaína em grande parte dos usuários aumenta progressivamente, sendo necessário consumir maiores quantidades da substância para atingir o efeito desejado. No Brasil, essa é a substância mais utilizada pelos usuários de drogas injetáveis. Muitas dessas pessoas compartilham agulhas e seringas e expõem-se ao contágio de outras doenças, como hepatite e aids.

Uso de cocaína é principal causa de infarto entre jovens

Todos os fármacos considerados ilícitos, encabeçados pela cocaína, podem trazer transtornos cardíacos desde simples elevações da pressão arterial até arritmias graves com parada cardíaca, infarto e destruição das células cardíacas. O uso dessa droga é a principal causa de infarto do miocárdio, especialmente nos jovens, que ao não valorizarem os sintomas e não procurarem assistência médica, aumentam ainda mais o risco de desenvolver transtornos cardíacos.

O álcool também tem efeitos tóxicos, diretos e indiretos, sobre o coração. Indiretos, pois pode trazer alterações lipídicas na composição dos lipídios sanguíneos, com aumento principalmente dos triglicérides, o que, a longo prazo, pode levar a uma alteração pró heterogênica, culminando com a degeneração dos vasos. Em doses elevadas também pode causar arritmias e dano cardíaco.

“Concluímos que drogas ilícitas, particularmente a cocaína e seus derivados, possuem profundos efeitos sobre o coração e o próprio álcool em excesso pode trazer uma série de transtornos. A maioria das pessoas acha que álcool só agride o fígado, quando, na verdade, ele pode provocar alterações cardiovasculares diretas ou indiretas, elevando, portanto, o risco cardiovascular”, destaca.

O médico pondera que, na realidade não existe prova de que a longo prazo a utilização de álcool, em doses leves ou moderadas, possa trazer dano cardíaco. “Obviamente que não podemos estereotipar essa frase e sabemos que há predisposição genética e outros fatores que podem influenciar”, ressalta Saraiva.

Suposto ‘efeito protetor’ do vinho não é bem visto

Para o diretor de Promoção de Saúde da SBC, uma lata de cerveja ou um cálice de vinho para uma pessoa pode simplesmente causar um efeito de prazer, mas outras podem ficar alcoolizadas, tudo vai depender do hábito de consumo e de outros fatores.

O que não foi provado, em países que têm consumo de álcool em doses baixas ou moderadas, é que ele possa ser nocivo para o aparelho cardiovascular, pelo contrário, estudos observacionais realizados na França mostram que o consumo de vinho pode ter um efeito protetor, isso foi demonstrado e tem sido proposto.

“Isso jamais nos angariaria a prescrever álcool no sentido de proteção, porque ainda que em doses baixas pode trazer transtornos para o fígado, desencadeando hepatite, cirrose e isso acaba sendo um problema que muitas vezes é um caminho sem volta”, garante Saraiva.

O álcool também acaba sendo um fator de risco adicional nos indivíduos que são diabéticos. Ele pode, inclusive, alterar os valores glicêmicos, mas, acima de tudo, contribui na alteração de lipídios e, particularmente, de triglicérides.

“Não é que o consumo de álcool seja proibido, mas deve ser feito com cuidado e nunca em excesso e o diabético tem de fazer esse controle para que o prazer não se torne um problema. O mais importante é que as drogas ilícitas, principalmente as que estimulam a produção de catecolaminas ou que simulam as catecolaminas do organismo, podem trazer diversos problemas cardíacos. Está comprovado que o álcool em excesso acaba sendo um fator de risco também para trazer alterações no coração. O consumo pode acontecer desde que seja em doses baixas e esses conceitos não se aplicam ao fígado”, revela Saraiva.

Sobre prevenção, o Ministério da Saúde diz que é muito difícil convencer alguém a não fazer algo que lhe dê prazer; drogas e álcool, antes de qualquer outra coisa, oferecem prazer imediato, e por causarem dependência física, psicológica e síndrome de abstinência são de difícil tratamento. As ações preventivas devem ser planejadas e direcionadas para o desenvolvimento humano, o incentivo à educação, à prática de esportes, à cultura, ao lazer e à socialização do conhecimento sobre drogas, com embasamento científico.

Como ajudar e buscar ajuda?

Segundo Paulo Pacheco, caso a família ou os amigos desconfiem de que a pessoa esteja passando mal após o uso de alguma destas substâncias, a primeira coisa a se fazer é uma avaliação através de sinais e de perguntas do que a pessoa está sentindo. Depois encaminhá-la ao posto de saúde mais próximo.

O Centro Vida de Araricá é uma clínica de reabilitação de mais de 40 mil metros para homens portadores de Transtorno por Uso de Substâncias (TUS), e uma das poucas no Rio Grande do Sul que não fazem uso do cigarro durante o tratamento. No Instagram da clínica, é possível acompanhar diariamente dicas de como lidar com o dependente e os sintomas de uma possível dependência química.

Com Assessorias

Gostou desse conteúdo? Compartilhe em suas redes!
Shares:

Related Posts

6 Comments

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *